Caatinga continua a ser maltratada | Foto: Maristela Crispim

Por Antonio Rocha Magalhães
Economista, ex-secretário de Planejamento do Ceará
armagalhaes@gmail.com

Não há uma vegetação como a Caatinga em qualquer outro lugar do mundo. É nosso patrimônio, habitado há milhares de anos por nossos ancestrais indígenas e, a partir do fim de século XVI, por portugueses, africanos e seus descendentes. A população aumentou desde então, adensando-se de tal forma a exercer uma pressão insuportável sobre a frágil base de recursos naturais.

É conhecido o problema das secas, que historicamente causaram muitas mortes de seres humanos e de animais. Atualmente, ,já não causa perdas humanas, porque os programas governamentais de transferência de renda asseguram as mínimas condições de sobrevivência para as pessoas pobres de sertão. (No sertão está, na verdade, a fonte principal da pobreza brasileira).

Mas as secas continuam causando desnutrição, mortes de gado, falta de água e de forragem, apesar de respostas prontas dos governos federal e estaduais. A seca é o drama do sertão. Mais que drama, é uma maldição. Por isso, é comum a imagem do sertanejo olhando para o céu, para os sinais de chuva. O sertanejo se alegra com a chuva, sofre com a seca.

A natureza também. A paisagem do sertão durante a seca é cinza, sem vida. De repente, se começa a chover, tudo muda. Tudo fica verde. A vegetação reaparece, os animais que ainda restam se apresentam. O sertanejo começa a cavar a terra, fazendo covas para enterrar as sementes de milho e feijão. Infelizmente, nem sempre as chuvas continuam e as plantas recentemente germinadas acabam por morrer. É a seca agrícola. Eu convivi de perto com o sertão e com a seca. Cresci no sertão, onde pude ver os efeitos drásticos da falta de chuvas de 1951-53 e 1958.

Comecei a me interessar pelo Desenvolvimento do Nordeste porque pensava que isso supostamente afastaria o problema da seca. Sonhei com uma sociedade não dependente das chuvas. Acompanhei de perto as secas da década de 1970 e do início de 1980. Em 1987, tive a oportunidade de planejar a política do governo do Ceará em resposta à seca que assolava o Estado naquele ano. Depois continuei sofrendo com as secas da década de 1990 e do século XXI. Provavelmente, a grande seca de 2012 a 2018 já representa uma Mudança do Clima, porque não há registro anterior de seca tão prolongada.

Depois de tanto tempo de dedicação, ainda busco respostas convincentes para duas questões cruciais. Primeiro, já que o risco é tão alto, por que as pessoas insistem em permanecer no sertão? Segundo, quais as possíveis saídas? Isto é: o que é necessário fazer para que o Semiárido alcance o Desenvolvimento Sustentável e seja capaz de manter a vida de sua gente e da sua biodiversidade?

Espero poder discutir estas questões neste espaço. Por enquanto, devo dizer que nada me aborrece mais do que ouvir de pessoas de outras regiões que os habitantes do Nordeste deviam se transferir para outros lugares. Ignoram a ligação com a terra, o amor que liga cada sertanejo ao seu torrão. Eu tive, por questões que não pude administrar, de viver fora do Nordeste. Mas é no sertão onde me sinto bem, onde recarrego as baterias. É ao sertão que dedico os meus anos de vida e de estudo. É para o sertão que regresso sempre que posso.

A outra questão é objeto da preocupação de muita gente, especialmente daqueles que estão em situação de tomar decisão. O sertão tem jeito? Há saídas que possam ser implementadas? Não há resposta única. O sertão (e por extensão o Nordeste) tem duas grandes limitações: uma de água, outra de solo. Como superar essas limitações?

Dizia o saudoso Romulo de Almeida, baiano que foi o primeiro presidente do BNB, que no Nordeste deveria ser desenvolvida a indústria, porque não presta para agricultura. De fato, o risco da atividade agrícola é enorme. Presenciei muitas vezes meu pai, agricultor em Canindé, perder sucessivamente as sementes que plantava e, finalmente, nada colher. Não é um lugar para investimentos, ao contrário do Sudeste e do Centro Oeste. Por isso, a agricultura que permanece é a de subsistência, que não corre grandes riscos, e a crença de que os bancos sempre perdoarão as dívidas do crédito rural. Salvo nas áreas irrigadas, que correspondem a um percentual muito pequeno da região.

A falta de água é um dado concreto. Os atuais habitantes das cidades não sabem o que é isso. Basta abrir uma torneira em casa e a água jorra. Não importa de onde vem. No entanto, para o pequeno agricultor e o trabalhador rural que habitam no Semiárido, terem água para o uso do dia a dia é sempre um problema. A água não está disponível, tem de ser buscada em outros lugares, e tem de ser usada com muita parcimônia.

Sei o que é isso por experiência própria: não havia água em minha casa, quando morava no sertão. Eu mesmo ia pegar água nas fontes mais próximas, geralmente em cacimbas feitas na areia do rio.

Ainda hoje esse é o grande problema, sempre presente nas preocupações da política pública. Não há plano de governo que não coloque a questão da água e o compromisso com a busca de soluções. Agora mesmo, a Sudene está trabalhando em um novo Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste, onde a questão do acesso à água é colocada como prioridade. No Ceará, a construção da barragem do Castanhão e do Canal da Integração, além da criação da Secretaria de Recursos Hídricos e da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos, representam grande avanço. Mas o acesso à água continua sendo um problema para as populações do Interior Semiárido.

De tudo já foi tentado. Em 1990, o físico paulista José Goldemberg assumiu a área de Ciência e Tecnologia do Governo Federal. Ele disse para o presidente da República que a ciência poderia resolver o problema do Semiárido. Não resolveu, embora tenha dado um pequeno passo ao fortalecer os órgãos de pesquisa climática dos estados. Agora, o Plano da Sudene coloca novamente a Ciência e Tecnologia no centro da estratégia para o Desenvolvimento Regional. É preciso continuar tentando.

Enquanto isso, a Caatinga continua a ser maltratada. Primeiro, o desmatamento para fins diversos: agricultura, infraestrutura, expansão urbana. Segundo, a produção de carvão e lenha, que também requer desmatamento. Terceiro, o uso da areia dos rios, para a construção civil. Quarto, o uso do solo para as inúmeras cerâmicas espalhadas pelo Nordeste, para produzir tijolos e telhas.

Poderia continuar listando os óbices. Em geral, a velha luta entre o lucro do curto prazo e a preservação da Caatinga e da sua biodiversidade. Cada ação de proteção, promovida por políticas bem-intencionadas, é mais que compensada pela expansão da ocupação e do uso para fins de fazer dinheiro a curto prazo. O resultado tem sido mais devastação, menos capacidade de a região de dar suporte à vida digna.

De todas as propostas de solução, fico com a do Projeto Aridas, de 1995. É preciso garantir educação de qualidade para todos. Com isso, cada pessoa poderá escolher o seu próprio destino. Entretanto, os resultados da educação acontecem no longo prazo. Não é coisa que possa ser inaugurada e que atraia o interesse dos governantes que almejam as próximas eleições. Portanto, outras ações setoriais precisam ser desenvolvidas no curto e no médio prazo, enquanto se aguarda que os efeitos da educação tragam um novo equilíbrio sustentável para a Caatinga.

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