Povos indígenas promovem marcha da resistência

 

Integrando a agenda nacional da Campanha da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) – “Sangue indígena: nenhuma gota a mais“- no próximo dia 31 de janeiro, os povos indígenas do Ceará realizarão, em Fortaleza, a partir das 8 horas, a Marcha da Resistência.

O evento se iniciará com um ato público de repúdio à Medida Provisória (MP) Nº 870/2019 e os decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro para reorganizar a estrutura e as competências ministeriais que deixaram, deliberadamente, graves lacunas nos instrumentos e políticas socioambientais.

A MP transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas (TIs), esvaziando a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Em seguida, os povos indígenas do Ceará e apoiadores seguirão para a Defensoria Pública da União (DPU) e para o Ministério Público Federal (MPF) para protocolar ações judiciais. A manifestação se encerrará com um almoço coletivo, na Praça da Imprensa, em Fortaleza.

Leia a nota da Apib

Sangue indígena: nenhuma gota a mais

Trinta anos depois de aprovada a Constituição Federal de 1988, que trouxe o respeito à identidade cultural dos povos indígenas e ao direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, os indígenas continuam sofrendo ameaças. Nos últimos anos, a conjuntura política e econômica vem imprimindo um ritmo desenvolvimentista ao País onde a Amazônia e o Cerrado desempenham o importante papel de “motor da economia”. Grandes obras de infraestrutura e a fronteira agrícola avançam com ímpeto sobre a floresta e a savana, atropelando a biodiversidade, as áreas protegidas, ignorando direitos e afetando significativamente a qualidade de vida das comunidades locais.

A disputa pela terra aliada à histórica falta de governança nessas regiões resultam em mazelas que se firmam como cicatrizes no coração da maior floresta tropical do mundo. Essa conjuntura vem permitindo que diferentes aspectos da legislação ambiental sejam flexibilizados ou reinterpretados, reduzindo a proteção dos nossos ecossistemas e minando direitos constitucionais dos povos indígenas e comunidades locais.

De fato, o governo brasileiro sinaliza a tendência de continuar cedendo aos desejos dos ruralistas. Tereza Cristina, nova ministra da Agricultura, representa os interesses do agronegócio no Mato Grosso do Sul, Estado que é palco dos processos de demarcação mais complicados por conta das disputas por terra. Com isso, é muito provável que o processo de identificação e demarcação de Terras Indígenas seja freado e que se afrouxem as barreiras que impedem o desmatamento.

Também não está claro quem ficará com a responsabilidade de garantir a integridade das Terras Indígenas, que antes era da Funai. O órgão, antes subordinado ao Ministério da Justiça, passa a ser controlado pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela conservadora ministra e pastora evangélica Damares Alves.

O desrespeito aos direitos constitucionais desses povos tangencia problemas como o desmatamento, invasão de áreas protegidas, trabalho escravo, extração ilegal de madeira, atividade mineratória, perda da biodiversidade, conflitos fundiários, violência e assassinatos no campo.

É bom lembrar que o Brasil é o país mais perigoso para ativistas e defensores da terra e do meio ambiente: em 2017, pelo menos 207 líderes indígenas, ativistas comunitários e ambientalistas foram assassinados mundo afora por protegerem seus lares e territórios dos efeitos da mineração, do agronegócio e de outras atividades que ameaçam seu modo de vida, segundo a ONG britânica Global Witness.

O Brasil foi o país mais letal para quem trava essas lutas, com 57 assassinatos. Além disso, nos últimos anos, a criminalização de lideranças indígenas tem se intensificado em razão da sua luta por direitos, especialmente no Nordeste e no Sul do País.

Terras Indígenas são bens da União, sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. É dever do Estado protegê-las. Entretanto, mesmo após demarcados, esses territórios não ficam livres de ameaças. A TI Karipuna, em Rondônia, homologada em 1998, está com mais de 10 mil hectares de floresta destruídos, em consequência da exploração ilegal de madeira e de grilagem.

A TI Indígena Arara, também no Pará, acaba de ser invadida por madeireiros. Nas outras regiões do país, onde os povos aguardam pela demarcação do seu território sagrado, a situação é ainda mais grave. Na Bahia, por exemplo, 490 famílias indígenas da etnia Tuxá foram surpreendidas, em novembro, com uma decisão da Justiça determinando a imediata desocupação do território Surubabel ou Dzorobabé, ocupado tradicionalmente pela comunidade.

A demarcação de Terras Indígenas representa uma garantia de proteção à floresta e aos povos que dela dependem para viver. A terra é a base do habitat de um povo e a sustentabilidade das riquezas naturais ali presentes assegura a reprodução física e cultural das populações indígenas.

Diante da crescente ameaça e dos retrocessos impostos pelo Estado aos povos originários do País, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lança, nesta semana, a campanha “Sangue Indígena: nenhuma gota a mais”, com o objetivo de mobilizar a sociedade pelos direitos indígenas. “A idéia é reunir diversas atividades, organizadas pelo movimento indígena e seus apoiadores, em uma agenda de mobilização do #JaneiroVermelho”, diz Sonia Guajajara, da coordenação da Apib.

Organize seu território. Conecte suas redes. A luta indígena é permanente e precisa do seu apoio: promova rodas de conversa, debates, produza materiais… Faça parte da campanha e some nas atividades do Janeiro Vermelho.

#JaneiroVermelho #DemarcaçãoJA

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