A pesquisa foi realizada com um tipo de microalga chamada zooxantela, que vive em simbiose no interior dos corais | Fotos: Beatrice Padovani e Camila Brasil / Peld Tams

Por Verônica Falcão
Colaboradora

Recife – PE. Pesquisadores demonstraram, numa experiência que simulou as condições do vazamento ocorrido na costa brasileira em agosto de 2019, que o petróleo afeta o desenvolvimento dos corais, animais formadores de recifes, ambiente no qual espécies marinhas encontram abrigo e alimento. Os resultados estão em artigo publicado na revista especializada Environmental Pollution por equipe da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), entre eles integrantes do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Peld-Tams), vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O teste foi realizado com um tipo de microalga chamada zooxantela, que vive em simbiose no interior dos corais e, em troca, disponibiliza compostos orgânicos nutritivos para eles. A espécie utilizada no experimento é a Symbiodinium glynnii. Em laboratório, a equipe submeteu colônias dessa zooxantela ao petróleo cru, na mesma proporção encontrada na água do mar durante o derramamento de óleo, verificando que a substância se acumula nas células desse organismo.

Ao “penetrar” na parede celular da Symbiodinium glynnii, o petróleo cru causa efeitos como a redução da taxa de crescimento das colônias. E o que é mais preocupante: essa alteração é transferida para as gerações seguintes. “Nosso trabalho mostra que o contato dos simbiontes de corais com o petróleo cru pode ter efeitos deletérios de longo prazo”, destaca Marius Nils Müller, do Departamento de Oceanografia da UFPE e primeiro autor do artigo.

No estudo, a equipe avaliou ainda o efeito do óleo na zooxantela em sobreposição a outros fatores de estresse ambiental. O resultado mostrou que a redução da taxa de crescimento pode ser agravada com outros estressores ambientais, como a acidificação oceânica e alterações da salinidade ou da temperatura da água. “O efeito desses estressores na fisiologia é maior nas colônias de Symbiodinium glynnii contaminadas pelo petróleo do que nas não contaminadas”, explica Marius.

O pesquisador lembra que a contaminação pelo óleo cru nas zooxantelas afeta diretamente os corais, uma vez que esses dois organismos vivem uma relação mutualística, em que ambos ao mesmo tempo dependem se beneficiam um do outro.

As zooxantelas, um tipo de fitoplâncton (seres do reino vegetal que vivem à deriva na água), não fornecem apenas nutrientes aos corais. Além de metabólitos, a Symbiodinium glynnii e outras espécies de organismos unicelulares fotossintéticos conferem também coloração aos recifes coralíneos.

“Por estarem na base da cadeia alimentar e serem fotossintéticas”, esclarece Marius, “as zooxantelas são responsáveis pela entrada da energia do sol para todo o ecossistema.” Por isso ele considera a simbiose entre o Symbiodinium glynnii e os corais muito importante para o equilíbrio de todo o ecossistema de recife de corais.

A pesquisa aponta como responsável pela redução no crescimento populacional da Symbiodinium glynnii a contaminação por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) originários do petróleo cru | Fotos: Wikimedia.org

Além de Marius Nils Müller, assinam o artigo científico, intitulado “Cellular accumulation of crude oil compounds reduces the competitive fitness of the coral symbiont Symbiodinium glynnii“, Gilvan Takeshi Yogui, Luiz Gustavo de Sales Jannuzzi, Jesser Fidelis de Souza Filho, Manuel de Jesus Flores Montes, Pedro Augusto Mendes de Castro Melo, Sigrid Neumann-Leitão e Eliete Zanardi-Lamardo, todos da UFPE, e Alfredo Olivera Gálvez, do Departamento de Pesca e Aquicultura da UFRPE.

No trabalho científico, a equipe aponta como responsável pela redução no crescimento populacional da Symbiodinium glynnii a contaminação por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) originários do petróleo cru. Essas substâncias são reconhecidamente cancerígenas e mutagênicas.

E faz um alerta: o óleo remanescente do desastre de 2019 e hoje aprisionado na areia do fundo do mar representa uma ameaça constante aos seres vivos dos ambientes coralíneos. “O petróleo bruto proveniente do vazamento se encontra em sedimentos de águas pouco profundas com potencial para ser reconduzido à coluna d’água por atividade física e/ou biológica, como um temporal, aumentando o risco de futuros eventos de branqueamento de corais”, alerta Pedro Augusto Mendes de Castro Melo, do Laboratório de Fitoplâncton da UFPE.

O branqueamento é um fenômeno de morte em massa de colônias de recifes de coral em decorrência de fatores ambientais, a exemplo do aumento da temperatura do mar e da poluição. Nesses eventos, o que causa a mortandade é a redução da população de zooxantelas.

Cultura da Symbiodinium glynnii | Foto: Marius Nils Muller / UFPE

Marius Nils Müller cita como desdobramento da pesquisa a ser explorado, além dos riscos da disponibilização do petróleo cru do fundo do mar para a coluna d’água, descobrir se as zooxantelas são capazes de se recuperar. “Verificamos que os HPAs provocam um efeito negativo no Symbiodinium glynnii. Agora estamos analisando se esses organismos são capazes de consertar o seu DNA”, adianta.

Isso porque como os Symbiodinium glynnii têm um ciclo muito curto e em apenas alguns dias de vida começam a se replicar, é talvez possível que numa escala de tempo de meses sejam capazes de se livrar do efeito mutagênico dos HPAs.

Desastre

O vazamento de óleo no Brasil foi um derrame de petróleo cru que atingiu mais de 2 mil km do litoral das regiões Nordeste e Sudeste. Investigações preliminares apontaram o petroleiro Bouboulina, de bandeira grega, como responsável. A embarcação havia sido carregada na Venezuela e seguiria para a Cidade do Cabo, na África do Sul. O vazamento teria ocorrido entre 28 e 29 de julho de 2019, quando o Bouboulina navegava a cerca de 730 km da costa brasileira. Os primeiros registros do derrame ocorreram no fim do mês de agosto de 2019.

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