Coxinhas, nuggets, caftas, hambúrgueres e bolinhos que não usam produtos de origem animal na elaboração foram desenvolvidos por meio de parceria entre a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e a Sottile Alimentos, empresa de Niterói (RJ). O segredo do New Burguer, por exemplo, é o uso de ingredientes que proporcionam características muito próximas às dos produtos elaborados com carne bovina, além da adição da fibra de caju. Entre os lançamentos há até o Siriju, bolinho similar ao feito com siri, mas elaborado somente com ingredientes vegetais.
A fibra de caju é proveniente do Ceará, onde a Embrapa Agroindústria Tropical desenvolveu estudos que possibilitaram a sua utilização como ingrediente. A pesquisadora da Embrapa Janice Lima conta que a ideia inicial era evitar o desperdício do bagaço do caju gerado pela indústria do suco, que é usado na alimentação animal.
Os pesquisadores perceberam que muitas pessoas no Ceará já aproveitavam a fibra para a produção de hambúrguer, porém com baixo teor de proteína. Por isso, foram realizados testes com a adição de outras fontes de proteína, como a texturizada de soja. “A finalidade dos testes também foi trabalhar a fibra para ter menos gosto de caju e para ficar com uma textura mais agradável ao consumo”, relembra a cientista que, na época, atuava na unidade da Embrapa em Fortaleza (CE).
Sabor e textura similares ao hambúguer bovino
Agora trabalhando na unidade de pesquisa fluminense, Janice dedicou-se ao desenvolvimento dos produtos com a Sottile ao lado do analista da Embrapa André Dutra, com informações sobre como tratar a fibra de caju, sobre os ingredientes que poderiam melhorar as características sensoriais de sabor, aparência e textura dos produtos.
“O hambúrguer, por exemplo, com base de soja e fibra de caju, é muito semelhante em termos de textura, cor e sabor ao similar de carne bovina. Para quem está acostumado a consumir o hambúrguer bovino, não sentirá tanta diferença no sabor e na textura e vai consumir um produto que é vegetariano e rico em fibras”, detalha a pesquisadora.
Alternativa sustentável e saudável
De acordo com André, o uso da fibra do caju, espécie nativa com grandes extensões de plantio e produção na região Nordeste, promove uma solução sustentável ao descarte da indústria de suco. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2017, o Brasil produziu quase 60 mil toneladas de caju, sendo que 75% correspondem à fibra após o aproveitamento do suco e da castanha.
O analista ressalta que os produtos agregam valor à cadeia do caju e são diferenciados também pelo seu apelo saudável. “São ricos em fibra, componente importante na alimentação humana, que ainda proporciona aos produtos desenvolvidos a redução do valor calórico”, revela.
Produtos vegetarianos
A Sottile Alimentos surgiu como empresa de produtos vegetarianos em 2018. Um dos sócios, Thiago Rosolem, lembra que ele e o irmão, Bruno Rosolem, estavam procurando algo semelhante à jaca para usar na fabricação dos produtos e souberam do estudo da Embrapa com a fibra de caju e os seus benefícios.
“Desde 2018, estamos trabalhando nesse projeto com a Embrapa para desenvolvimento de produtos alimentícios com a fibra de caju. O objetivo é expandir cada vez mais o número de produtos”, anuncia.
Bruno Rosolem declara que a perspectiva é atender ao mercado nacional e, talvez, exportar. “Sabemos que temos o produto mais sustentável do mercado, pois damos uma destinação nobre à fibra de caju antes descartada. A nossa ideia é ter o New Burguer, nos próximos meses, em prateleiras de supermercados, além de atender food services como hamburguerias, restaurantes e afins”, informa.
O New Burguer foi lançado no fim de junho em uma hamburgueria de Niterói e já está chegando a outras lanchonetes do Rio de Janeiro. “A coxinha e o ‘bolinho de siri’ também já estão sendo comercializados no Rio e estamos trabalhando com distribuidores no Brasil para, em breve, eles chegarem aos supermercados de todas as regiões”, finaliza Thiago.
Potencial brasileiro
De acordo com o diretor do The Good Food Institute (GFI) no Brasil, Gustavo Guadagnini, o mercado de alimentos com base vegetal tem crescido consideravelmente no País e já é uma das maiores tendências para o futuro da indústria local. Segundo uma pesquisa conduzida pelo GFI no ano passado, quase 30% dos brasileiros diziam consumir esse tipo de produto e 76% enxergavam esse consumo como uma atitude positiva.
“Se hoje nosso País é uma potência agropecuária, é porque tem investido de forma consistente na pesquisa científica, e o protagonismo dessa área está com Embrapa e suas cruciais contribuições para o Brasil. É de extrema importância que ela possa agregar seu imenso conhecimento a essa indústria nascente, para que possamos repetir uma receita de sucesso: o investimento em pesquisa e desenvolvimento, e assim garantir que seremos líderes mundiais também desse novo mercado”, acredita.
Livro de receitas cearense
Falecido em 2015, aos 91 anos, Jaime Tomaz de Aquino, orgulhava-se de ser o maior produtor de caju do Brasil. Eram 12 fazendas entre o Ceará e o Piauí e uma indústria de beneficiamento. Em 2010, ele comandava um exército de 4 mil empregados. Mais de 90% da produção de 18 mil toneladas de castanhas eram exportadas e rendiam divisas em torno de US$ 16 milhões ao ano.
Irrequieto, ele não se conformava em apenas plantar caju, industrializá-lo e exportar castanhas. Ele queria provar que um melhor aproveitamento do pedúnculo, o caju propriamente dito, poderia acabar com a fome do mundo. As indústrias de sucos, doces e castanhas utilizavam apenas 10%. O restante era jogado fora.
Aquino citava números: “só no Ceará, desperdiçam-se 700 mil toneladas de caju por ano. Em todo o Nordeste, o total chega a 1,8 milhão de toneladas”. Em 2006, já havia contratado o chef José Ari Ferreira da Silva para desenvolver receitas e chegou a publicar um livro.
Serviço
Sottile Alimentos
Telefones: (21) 3741-4013 e (21) 9 9514-6250
e-mail: sac@sottilealimentos.com.br