Nesta segunda de uma série de reportagens especiais sobre o trabalho de Desenvolvimento Local em curso na região de Mato Grande, no Rio Grande do Norte, abordamos a importância do manejo e incentivo à produção

Por Maristela Crispim
Editora

O grande ganho para a comunidade Lagoa de Serra Verde será a melhoria nas instalações da casa de farinha para transformar a manipueira, de problema em solução | Foto: Eduardo Queiroz

Na comunidade Lagoa de Serra Verde, na zona rural do município de Touros, na macrorregião de Mato Grande, no Rio Grande do Norte, conhecemos Edvânia Gondim da Silva, 29. Ela é presidente da Associação local, que gira em torno da produção de farinha de mandioca, que é levada por atravessadores para ser comercializada na sede do município vizinho de João Câmara.

Quem conhece o processo de produção da farinha de mandioca sabe que a manipueira, subproduto, pode se tornar um problema se não tiver um manejado adequado, pois, embora seja riquíssima em fósforo e potássio e possa ser usada para enriquecer o próprio solo da plantação de mandioca, contém ácido cianídrico, que é venenoso (ver quadro).

“É só criar um reservatório para decantar o veneno e devolver ao solo, na irrigação, as substâncias absorvidas pelas plantas para continuar o ciclo. Para isso está sendo construído um tanque, em formato de cisterna, de 16 mil litros. A comunidade vai agradecer com o fim do mau cheiro”, explica Paulo Segundo e Silva, especialista em projetos da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), responsável pela execução do Projeto.

Organização sem fins lucrativos, a Adel nasceu da iniciativa de jovens do norte do Estado do Ceará com a missão de promover o Desenvolvimento Local de comunidades rurais do sertão Semiárido por meio do empreendedorismo e do protagonismo social de jovens e agricultores.

Expedito Gondim Nunes, 43, é o proprietário da casa de farinha da comunidade, uma herança familiar. Ele admite que o grande calcanhar da atividade era exatamente o incômodo causado pelo mau cheiro da manipueira acumulada no terreno atrás da casa de farinha e se diz muito feliz com a benfeitoria.

Manipueira
É o liquido extraído da mandioca quando ela é prensada no processo de fabricação da farinha. Tanto a mandioca quanto esse líquido contém ácido cianídrico, venenoso e nocivo à alimentação humana e animal.Muitos produtores de farinha despejam a manipueira de forma concentrada em terrenos a céu aberto ou em curso d’água, agredindo o meio ambiente com elevada carga de matéria orgânica e ácido cianídrico. Mas, agindo assim, está poluindo e também desperdiçando um líquido precioso.Para que a manipueira deixe de ser um veneno e se transforme em um complemento alimentar seguro, basta submetê-la à fermentação anaeróbica, ou seja, deixar o líquido repousar durante 15 dias em um tanque cercado. Fonte: Embrapa Tabuleiros Costeiros

Criação de galinhas alavanca negócios femininos

Maria Andrezza dos Santos e sua sobrinha, Andreina, fazem parte de uma associação que reúne 12 mulheres engajadas por melhorias na comunidade. Nove delas foram beneficiadas com galinheiro e Cisterna Telhadão para garantir Segurança Alimentar e ganho de renda | Foto: Eduardo Queiroz

Na comunidade também são produzidos milho e feijão, durante o período chuvoso (Agricultura de Sequeiro) e Edvânia acaba de ser beneficiada com um galinheiro em seu quintal para garantir a Segurança Alimentar da família e uma renda extra.

Segundo Paulo Segundo, o projeto faz parte do apoio às iniciativas das mulheres a partir da realidade local. Além do galinheiro, uma cisterna de 52 mil litros, com captação por um telhado que serve como estrutura para outras atividades, Cisterna Telhadão, faz parte do projeto, que envolve capacitação para a melhoria das práticas. O projeto é uma realização da EDP Renováveis, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e execução da Adel.

De acordo com Paulo, o galinheiro implantado pela Adel prioriza o espaço reduzido dos produtores e a experiência das comunidades na cultura. Dentro da metodologia aplicada, é possível que os produtores beneficiados desenvolvam a criação tanto para corte quanto para postura, o que permite maior participação no mercado. “Nossa expectativa é incrementar a produção de frango caipira na região e melhorar a renda dessas famílias”, comenta.

Maria Drielizane Gondim da Silva, 27, vive realidade semelhante à de Edvânia, com produção de milho, feijão, mandioca e galinha caipira. “Pretendo plantar maracujá e hortaliças para melhorar a alimentação e a renda”, acrescenta.

Já Maria Andrezza dos Santos, 31, conta que 12 mulheres resolveram se juntar e oficializar uma associação que já existia, mas nunca tinha sido registrada. Nove delas foram beneficiadas pelo projeto executado pela Adel, sendo seis aviários, duas cisternas e uma casa de farinha. Com uma renda muito baixa, só com o trabalho na roça e na casa de farinha, elas estão otimistas, inclusive com os aprendizados nas oficinas aplicadas pela Adel.

Melhorias para aumentar produção

Dayane Priscila da Silva, 25, é responsável pela produção dos queijos; e seu marido, Osmar Laurindo, 33, cuida da produção de leite, que deve ser ampliada a partir de melhorias em seu estábulo | Foto: Eduardo Queiroz

Ainda em Touros, no Povoado Tubiba, conhecemos Oziel Laurindo de Oliveira, 43, produtor de mel, leite, macaxeira, mandioca, milho e feijão; e seu irmão, Osmar Laurindo, 33, que está recebendo melhorias na estrutura para a produção de leite. Ele começou com cinco vacas e fornece queijo e leite para a padaria de Queimadas. Com a reforma do estábulo, pretende aumentar a produção, com a aquisição de mais três ou quatro vacas. Sua esposa, Dayane Priscila da Silva, 25, é a responsável pela produção dos queijos.

Lá também vive José Regivaldo Vitorino Dias,33, produtor de milho, feijão e mandioca; e pedreiro nas horas vagas. Ele próprio foi responsável pela construção da Cisterna Telhadão que vai garantir a produção também no período seco do ano; e pelas melhorias nas instalações do vizinho Osmar.

Na comunidade, conhecemos, ainda, Jéssica Maria Vitorino Dias, 23. Pedagoga, cursa especialização em Fundamental I, e trabalha na produção de milho, imbu, coco, acerola, limão e galinha caipira, a princípio, para o consumo da família. Ela está radiante com o novo galinheiro e espera ampliar a produção e incrementar a renda da família.

Pomar e horta fortalecidos

Fernando Alves da Silva, 64, beneficiado com uma Cisterna Telhadão, pretende aumentar a sua plantação de cajueiros e diversidicar a produção, a princípio com mamão, goiaba, alface e quiabo | Foto: Eduardo Queiroz

No Assentamento Quilombo dos Palmares (antiga Fazenda Zabelê), em Touros também, encontramos Fernando Alves da Silva, 64. Beneficiado com uma Cisterna Telhadão, ele nos levou para conhecer seu lote produtivo, a oito quilômetros da sua residência.

Além de garantir água no período de estiagem, a estrutura proporciona sombra e melhores condições de trabalho no roçado, onde cultiva principalmente caju e mandioca. “Em 2017, plantei 100 pés e perdi a metade por falta de água”, conta. Agora, pretende incrementar a produção, a princípio, com o plantio de mamão, goiaba, alface e quiabo.

No mesmo assentamento, Socorro Silvano Pereira, 54, planta, em seu quintal, macaxeira, acerola, caju, goiaba, manga, palma; além de criar porco e galinha. Ela foi beneficiada, em 2014, com uma Cisterna Calçadão e uma horta, pelo sistema de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), com alface, coentro, cebola, beterraba e couve.

Do outro lado da rua fica o Banco de Sementes do assentamento, mantido por Gonçalo Francisco, 79, desde 2014. Ele conta que são 20 associados, que tomam dois litros empresados e devolvem quatro. Se levar dez, paga com 20. Isso garante uma reserva de sementes mesmo em anos de perdas pela irregularidade de chuvas. No estoque, milho, feijão, dois tipos de fava, gergelim e jerimum.

Confira vídeo sobre mudanças que estão fazendo a diferença na zona rural do Rio Grande do Norte:

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