Visão noturna da Pedra do Capacete, no Lajedo de Pai Mateus  | Foto: Ruy Carvalho

Por Vanda Claudino-Sales
Geógrafa
Professora associada aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professora visitante da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
vcs@ufc.br

No Nordeste setentrional brasileiro, nos setores onde ocorre embasamento cristalino aflorante (composto por rochas ígneas e/ou metamórficas, como granitos e gnaisses), é comum a ocorrência de formas de relevo saprolítico – isto é relevos oriundos de rochas profundamente alteradas por ação química, em função da penetração de água. Essas feições resultam da formação de um manto de alteração química em subsuperfície, o qual é removido por ação erosiva posterior, deixando aflorar blocos que não foram completamente alterados ou que se apresentam com porte superior ao da capacidade de remoção/transporte (Twidale, 2002).

Essas formas acham-se associadas com a ocorrência pretérita de climas tropicais mais úmidos, ou, mais precisamente, à alternância entre climas mais úmidos e mais secos (Maia e Nascimento, 2018). Os climas mais úmidos permitem a alteração química da rocha em subsuperfície (dissolução, apodrecimento da rocha, facilitado pelo conjunto de fraturas que as rochas cristalinas superficiais comumente apresentam), e os climas mais secos implicam na remoção do material alterado, deixando em sobressalto na paisagem blocos rochosos de grande dimensão (Twidale, 2002).

O principal resultado da alteração da rocha é a perda da coesão granular, permitindo assim a evacuação dos detritos inconsolidados (friáveis: Vidal Romaní e Temiño, 2004) Assim, a remoção dos detritos friáveis resultantes das alternâncias entre os ciclos erosivos (climas úmidos e secos) originará relevos saprolíticos por meio da incapacidade de os sistemas erosivos de removerem os blocos graníticos de maior calibre (Vidal Romaní e Twidale, 1998) (Figura 1).

FIgura 1. Etapas de evolução do relevo saprolítico. 1. Estágio inicial, facilitado por fraturas e alternância de temperaturas altas e mais baixas que implicam em expansão e contração da rocha (termoclastia); 2. Esfoliação da rocha por ação do clima; 3. Rocha alterada; 4. Formação de um manto de alteração; 5. Remoção do manto de alteração; 6. Formação do relevo saprolítico (exumação dos blocos rochosos não completamente alterados). Fonte: Maia e Nascimento, 2018

Um grande exemplo de evolução desse tipo de geoforma é o Lajedo de Pai Mateus. O Lajedo de Pai Mateus é um relevo granítico localizado na cidade de Cabaceiras, situada no centro do Estado da Paraíba, a 180 Km da capital João Pessoa. Tem aproximadamente 1,5 km² de área e conta com cerca de cem grandes blocos rochosos arredondadas que chegam a pesar toneladas, os quais se sobressaem em meio à superfície aplainada que caracteriza o Cariri paraibano.

Em seu interior, o modelado granítico no Lajedo de Pai Mateus apresenta grande diversidade de formas, tais como lajedos (superfícies graníticas planas e rebaixadas), matacões (fragmentos rochosos de dimensão métrica), bolas de granito e tors (afloramento rochoso que se ergue abruptamente em meio a uma superfície mais plana) (Figuras 2 e 3).

FIgura 2. Lajedo de Pai Mateus, PB, mostrando relevo granítico do tipo saprolítico, com lajedos, matacões e bolas de granito. Foto: Maia, R.P.
Figura 3. Geoforma do tipo tor (castle koopies), no Lajedo de Pai Mateus, formado quando o processo de remoção do manto de alteração ocorre antes da completa meteorização (esfoliação) em subsuperfície dos blocos rochosos (saprólitos) (Maia e Nascimento, 2018). Foto: Foto: Maia, R.P.

Outro tipo de feição presente em Lajedo de Pai Mateus são as cavidades basais que se formam nos grandes blocos de granito, chamadas de tafone (tafoni no plural.). Trata-se de feições côncavas que se expandem de forma ascendente da base do bloco granítico até consumir seu interior. Essa expansão amplia-se ao ponto de romper a lateral do bloco, gerando assim um acesso à parte interna do material. No interior do bloco rochoso, a expansão da cavidade ocorre pela progressiva descamação das superfícies internas acompanhada por desintegração granular (Maia e Nascimento, 2018) (Figura 4).

Figura 4. “Pedra do Capacete”, no Lajedo de Pai Mateus, que representa um tafone elaborado em rocha granítica. Foto: Maia, R.P.

Outra feição de menor porte que ocorre na área são as caneluras, que representam sulcos verticais rasos produzidos pela erosão química (dissolução). Quando ocorrem em profusão, são denominados karrens, sendo caracterizados por canais bem marcados, dispostos paralelamente do topo à base do bloco granítico (Maia e Nascimento, 2018). (Figura 5).

Figura 5. Karrens (aglomeração de caneluras) no Lajedo de Pai Mateus. Foto: Maia, R. P.

Em resumo, coloca-se que o desenvolvimento da morfologia granítica saprolítica, no Lajedo de Pai Mateus e em outras localidades do Nordeste e do mundo, se dá em duas etapas. Na primeira, ocorre alteração química na base do solo, e na segunda se verifica a exposição gradual dos saprolitos por meio da erosão (Roque et al., 2013). A formação rochosa seria assim fruto do desgaste da superfície da Terra durante milhões de anos, em função da existência de fissuras naturais (que possibilitam a penetração da água) e de variações entre climas mais úmidos e mais secos, ocorrendo nos climas úmidos a alteração química e nos climas secos, a remoção do manto de alteração e a exumação dos saprólitos. Eis o segredo da origem dessas geoformas!

Em alguns blocos do Lajedo de Pai Mateus são encontradas pinturas rupestres, atribuídas aos índios Cariris, que habitaram a região desde o início do Holoceno (10 mil anos). A toponímia local tem no entanto outra origem: conta a lenda que Pai Mateus teria sido um ermitão curandeiro que teria vivido na região por volta do século XVIII, e que teria sido muito procurado por romeiros da região. A ele se deveria a denominação histórica desse sítio geomorfológico.

O Lajedo de Pai Mateus situa-se em propriedade particular, e o acesso é por estrada de terra, a partir do centro de Cabeceiras. O geossítio representa uma conjunto de geoformas graníticas espetaculares, cujo conhecimento se amplia na atualidade, e vem sendo objeto de visitação cada vez mais crescente. Após a visita da área, só resta vibrar com as seguintes saudações: viva à geomorfodiversidade do Lajedo de Pai Mateus! Viva à riqueza geomórfica do Nordeste brasileiro!

Referências bibliográficas

MAIA, R.P.; NASCIMENTO, M.A.L. Relevos graníticos do Nordeste brasileiro. Revista Brasileira de Geomorfologia, vol. 19, n. 2, p.273-279, 2018.
ROQUÉ, C.; ZARROCA, M.; LINARES. R. Subsurface initiation of tafoni in granite terrains Geophysical evidence from NE Spain: Geomorphological implications. Geomorphology , vol. 196, p. 94-105, 2013.
TWIDALE, C.R. The two-stage concept landform and landscape development involving etching: origin, development and implications of an idea. Earth Science, vol. 57, 2002.
VIDAL-ROMANI, J.R.; TWIDALE, C.R. Formas e paisagens graníticas. Coruna: Universidade de Coruna, 1998.

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