Mesmo diante de todo o cenário desmotivador, a essência feminina fala mais alto e guia as lutas cotidianas das representantes dos povos originários |  Foto: Fernando Braga

Por Adriana Pimentel
Colaboradora

“Temos a maior diversidade de povos do Mundo, mas, não somos valorizados. Nós, mulheres indígenas, estamos sangrando junto com nossos guerreiros, junto com a nossa Mãe Terra”, afirma Ceiça Pitaguary, liderança indígena e coordenadora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince). Resistência e luta são palavras que identificam os povos originários, principalmente no atual momento no Brasil.

E neste Dia Internacional da Mulher Indígena, a luta pelos direitos dos povos originários e de suas guerreiras segue urgente. A data foi estabelecida em 1983, durante o II Encontro de Organizações e Movimentos da América, em Tihuanacu (Bolívia), e a escolha desse dia foi feita para homenagear Aimará Bartolina Sisa, indígena quéchua que foi assassinada e esquartejada em 5 de setembro de 1782, durante a rebelião contra os conquistadores e dominadores espanhóis, no Alto Peru, região atual da Bolívia.

“Os Povos Indígenas do Brasil e em especial nessa data não temos nada a comemorar. Vivemos um ano atípico. Um ano que fomos assoladas por um vírus que veio arrasando nossas terras, nossas vidas, nossos corações. A cada dia temos notícias de um parente, um ente querido que se vai. Na contramão disso tudo se encontra um presidente que faz questão de mostrar toda a sua prepotência, preconceito e maldade para com os Povos Indígenas” afirma Ceiça Pitaguary.

“Nós, mulheres indígenas, estamos sangrando junto com nossos guerreiros, junto com a nossa Mãe Terra” – Ceiça Pitaguary

Há 25 anos a Cacique Pequena, como é conhecida Maria de Lourdes Conceição Alves, lidera o povo Jenipapo Kanindé e para ela é fundamental incentivar e apoiar outras mulheres a assumir o papel em defesa da comunidade:

“É uma luta muito árdua. Não é fácil a pessoa assumir a responsabilidade de ser uma liderança. Eu tenho essa luta desde a década de 80, quando começou aqui essa luta dos povos originários do Ceará. Aqui no Jenipapo Kanindé tem várias mulheres lideranças. Antes elas não se assumiam como uma liderança, mas, eu não desistia, convidava, e insistia: vamos assumir esse cargo? Vamos ser isso? Vamos botar esse barco pra frente! Vamos fazer com que nos reconheçam lá fora. Nós, mulheres indígenas, somos fortes, mas peço a proteção do Pai a todas e da mesma forma eu peço para as brancas, para as negras, para todas as mulheres que vivem na luta, e que não esqueçam de lutar em defesa dos seus e sejam fortes e sempre estejam com essa fortaleza”.

Cacique Pequena também celebra a participação ativa das mulheres de sua comunidade | Foto: Filipe Pereira

O empoderamento da mulher indígena não enfrenta barreiras só fora da comunidade. Em algumas casos também ocorre dentro, nos conta Kerexu Yxapyry, da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e liderança do Povo Mbya Guarani, da Terra Indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, no Estado de Santa Catarina.

“No momento em que eu fui eleita cacique aqui no Morro dos Cavalos, em 2011, de todos os caciques aqui do Estado, eu era a única mulher. Foi a partir daí que a gente começou a ocupar os nossos espaços e a fazer debates, ocupações, retomada de terras. A gente teve que enfrentar vários e vários outros problemas com nosso povo, com as lideranças masculinas do nosso povo. Tivemos que enfrentar outros problemas de discriminação e preconceito, por sermos mulher, e de órgãos institucionais também, que sempre tentam deixar a mulher de lado e dar voz ao homem. Em 2016, eu entreguei o meu cargo de cacique de volta para o antigo cacique porque estava sendo perseguida, ameaçada de morte, ataques e invasões na Aldeia e a minha família começou a ser o alvo das ameaças. Daí eu recuei, entreguei de volta o cargo e fui cuidar da minha vida”, lamenta.

Mas o papel de orientar e liderar o seu povo não se perdeu: “na Aldeia, até hoje, eu sou a liderança, eu sou a cacique (de consideração), sou procurada. Os jovens e as crianças têm essa confiança de chegar à minha casa, de perguntar, de contar a história, de pedir socorro”. E completa: “não dá para pensar em demarcação de Terra Indígena sem pensar nas mulheres. Não dá para debater sobre educação indígena diferenciada, específica, bilíngue sem a participação das mulheres. Não dá para discutir saúde indígena sem a participação das mulheres”

O trabalho coletivo, o cuidado, a reciprocidade são ferramentas que contribuem para o despertar de novas lideranças dentro das comunidades. Adriana Tremembé, liderança indígena do Povo Tremembé da Barra do Mundaú, Itapipoca, Ceará, destaca: “nos fortalecemos nas conversas, nos momentos que nos reunimos. Também quando fazemos os nossos artesanatos, os nossos cantos, as nossas danças, nas nossas apresentações. Isso nos fortalece, faz com que a gente cada vez mais tenha o próprio domínio enquanto mulher na nossa comunidade”.

Mesmo diante de todo o cenário desmotivador, a essência feminina fala mais alto e guia as lutas cotidianas das representantes dos povos originários e o sonho não perde espaço dentro das lutas: “que a gente possa ter a nossa terra demarcada, ter a nossa terra homologada, para a gente viver exclusivamente e com o nosso povo livre, sem as perseguições que se tem, como a perseguição imobiliária, por exemplo. A gente consegue, a gente vai chegar lá, porque a gente acredita na força do nosso Pai Tupã, a gente acredita na força da ancestralidade, a gente acredita na força dos nossos encantados e esse sonho, se Deus quiser, vai ser realizado”, afirma Adriana Tremembé.

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