Por Anelise Macedo
Da Embrapa Hortaliças
Brasília – DF. Se há bem pouco tempo uma boa parte era vista como plantas de nomes exóticos, ou como aquelas consideradas mato, a realidade hoje mostra que elas estão conquistando cada vez mais espaços em ações que têm como foco a sustentabilidade alimentar. O papel desempenhado pelas Hortaliças Panc, parte do grupo maior de Plantas Alimentícias Não Convencionais (Panc) nas ações de capacitação em Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) do Projeto Bahia Produtiva, voltado para famílias desassistidas em termos de segurança alimentar, pode ser visto como um dos exemplos desse reconhecimento.
O Bahia Produtiva, projeto executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), é fruto da parceria entre o Estado da Bahia e o Banco Mundial. A entrada das Panc nesse contexto teve como pano de fundo o edital público ganho em 2018 pela VP Centro de Nutrição Funcional, empresa do interior de São Paulo dirigida pela nutricionista Valéria Paschoal, com a missão de coordenar as ações de capacitação da SAN, uma das vertentes previstas no Bahia Produtiva.
“A proposta apresentada pela empresa teve como premissa a interferência das comunidades pela inclusão das Hortaliças Panc na dieta local, como base para a melhoria da SAN”, explica o pesquisador Nuno Madeira, que desde 2006 vem coordenando os trabalhos com esses vegetais na Embrapa Hortaliças (Brasília-DF).
Esses princípios, segundo ele, foram postos em prática por meio das oficinas de capacitação, divididas em três módulos: nutrição funcional (Valéria Paschoal), cultivo de hortaliças Panc (Nuno Madeira) e culinária com Panc (Veranúbia Mascarenhas).
“As oficinas contemplaram as práticas de cultivo de 24 espécies dessas hortaliças tradicionais, ‘escolhidas pela rusticidade e resiliência’, com vistas à instalação de quintais produtivos nos diferentes territórios, com a perspectiva de se constituírem bases para futuros bancos comunitários de Hortaliças Panc – também chamadas Hortaliças Tradicionais, pois a maioria das espécies trabalhadas fizeram parte do hábito alimentar do brasileiro no passado”, detalha o pesquisador.
“A primeira ação dos quintais produtivos foi em agosto de 2019 a partir de contatos com os parceiros locais da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Bahia (Ater-BA)”, informa o pesquisador, que aponta a importância da subdivisão da Bahia em territórios regionais de assistência técnica “como estratégia para dinamizar as ações previstas no projeto Bahia Produtiva”. Cada território recebeu dois kits com 24 espécies de hortaliças tradicionais.
Metodologia
Madeira sublinha que nas conversas mantidas nas capacitações foi sugerido o plantio de todo o conteúdo dos kits (ora-pro-nóbis, moringa, chaya mansa, chaya picuda, vinagreira roxa, bertalha, cariru, caruru, amaranto, coentrão, almeirão-de-árvore, mostarda, espinafre-indiano, maxixe-do-reino, quiabo-de-metro, feijão-mangalô, feijão-de-alado, croá, araruta, cúrcuma, cará-do-ar, mangarito e junça) mais as espécies que fossem coletadas no território, como beldroega, fisális (camapu), inhame-cará, taioba, palma, mandacaru, etc.
A ideia seriam agrupadas de modo a estabelecer um local para visitação e um espaço didático para a promoção do cultivo das hortaliças tradicionais, constituindo um “Banco Regional Comunitário de Hortaliças Tradicionais” para cada território. “A ideia é que a partir desse banco regional sejam estabelecidos bancos comunitários locais em outras comunidades”.
De acordo com o pesquisador, à exceção da primeira capacitação em agosto de 2019 com os coordenadores da Ater no município de Amélia Rodrigues (território Recôncavo Baiano), as demais foram voltadas para os agentes comunitários rurais (ACR), formados por jovens recrutados na comunidade, e realizadas de outubro de 2019 a fevereiro de 2020.
Esses agentes receberam capacitação nos municípios de Amélia Rodrigues (território Recôncavo Baiano) e Juazeiro (território Sertão de São Francisco), Vitória da Conquista (território Vitória da Conquista), Seabra (território Chapada Diamantina) e Correntina (território Bacia do Rio Corrente).
Depoimentos
E se depender da opinião de Mara Mirelly Oliveira, que atua como agente comunitária rural na comunidade Vau do Itagari, do município de Cocos, a oficina fez a diferença, pois “ajudou a valorizar plantas que já tinham sido consumidas em outros tempos e que foram relegadas, apesar de importantes na alimentação”.
“Com a oficina, foi possível resgatar esse conhecimento e aprender muito mais. Os mais jovens estranharam num primeiro momento, mas, ao entenderem o que são as Panc e os seus benefícios, ficaram encantados, assim como eu”, assinala Mara, em entrevista concedida ao informativo do Instituto Biosistêmico – Inovação para a Sustentabilidade.
Morador de Malhada de Pedras, Lucas Ataíde vai mais longe ao ressaltar que o curso permitiu uma mudança de vida para todos os envolvidos a partir do conhecimento adquirido. “Aprendemos, por exemplo, que várias plantas – que jogávamos fora e terminavam sendo comida das galinhas e dos porcos – podem melhorar a qualidade nutricional da nossa alimentação”, afirma Ataíde, que destaca nas oficinas com as Panc “a prática do plantio e das muitas maneiras de preparo desses alimentos, um aprendizado que levarei para a toda vida”.
Ancestralidade
Curador da coleção de Panc na Embrapa Hortaliças, o pesquisador destaca nesse trabalho a oportunidade de agregar espécies tradicionais do Brasil e de outros países, a exemplo da chaya, “que já era consumida pelos incas”. “A gente mantém uma diversidade dessas plantas que os antigos cultivavam, mas que caíram em desuso, e cuidamos dessas variedades para que não se percam”, resume Madeira.