Por Alice Sales
Colaboradora

O parecer técnico indica uma série de ações de descontaminação e recuperação da qualidade ambiental, econômica e cultural dos Ecossistemas Costeiros afetados, assim como ações voltadas para compensações por danos causados aos pescadores de comunidades litorâneas | Foto: Semace

Fortaleza – CE. Um parecer técnico-científico sobre os danos socioambientais provocados pelo derramamento de petróleo cru no litoral cearense foi solicitado pela Comissão de Direito Ambiental (CDA) da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB – CE).  O documento foi elaborado por uma equipe de pesquisadores e apresenta um levantamento de impactos causados pelo derramamento de óleo nos mares cearenses.

O parecer técnico também propõe uma série de ações de descontaminação e recuperação da qualidade ambiental, econômica e cultural dos Ecossistemas Costeiros afetados, assim como ações voltadas para compensações por danos causados aos pescadores de comunidades litorâneas. A ideia é que o conhecimento científico presente no documento, junto às medidas de reparação de danos propostas sejam um material que possa servir de apoio para tomada de decisões por parte das autoridades.

O derramamento de petróleo no litoral brasileiro teve início em julho de 2019, e até o momento tem origem desconhecida pelo governo brasileiro. De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as manchas de óleo atingiram até então 1.009 localidades, em 11 estados brasileiros, dentre eles todos os do Nordeste, além de Espirito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste. Este representa o maior desastre ambiental em extensão de que se tem notícia no Brasil.

Para Liana Queiroz, bióloga, doutora em Ciências Marinhas Tropicais e uma das pesquisadoras que elaborou o parecer, uma das grandes preocupações são as Unidades de Conservação (UCs) atingidas pelo desastre. “Vimos que foram 14 Unidades de Conservação afetadas no Ceará. Os mecanismos de contenção e reparação desses danos nessas áreas é uma preocupação nossa: temos a área da Sabiaguaba, que até hoje possui óleo grudado às pedras e não há nenhuma perspectiva de tirá-lo. Também não há ainda nenhum programa de monitoramento futuro para essas áreas, que inclusive são de grande importância para alimentação e desova das tartarugas-marinhas. Queremos saber quais as estratégias do governo para monitorar este problema”, questiona.

Comunidades Pesqueiras afetadas

O derramamento de petróleo cru no litoral brasileiro prejudicou não somente a fauna e a flora marinha dos Ecossistemas Costeiros. Muitas pessoas que vivem em comunidades litorâneas e dependem da atividade pesqueira tiveram sua fonte de sustento afetada com o desastre.

Esse é o caso de Maria Eliene do Vale, pescadora conhecida como Maninha na Comunidade de Jardim, localidade do município de Fortim, no Litoral Leste do Ceará. Maninha pesca mariscos no Rio Jaguaribe e vende seus pescados na região. Segundo ela, sua atividade como marisqueira foi muito prejudicada com o desastre. “Passamos a ter a venda do marisco rejeitada e até hoje sofremos com essa rejeição nas feiras livres. Onde costumava vender tinha um atravessador que comprava toda semana, depois da chegada do petróleo, ele não quis mais comprar”.

“Passamos a ter a venda do marisco rejeitada e até hoje sofremos com essa rejeição nas feiras livres”, relata a pescadora.

Dona Maninha conta que vende o quilo do marisco a R$ 12, e que antes do derramamento do petróleo vendia até 65 quilos por semana. Hoje em dia, o máximo que consegue vender são 15 quilos por semana, o que representa uma perda significativa na renda do trabalho que sustenta as nove pessoas que vivem em sua casa.

“Sou pescadora há quase 40 anos e nunca tinha vivenciado um problema como esse em toda a minha vida. O pior é que a gente comeu e continua comento esses mariscos e peixes sem saber o que vai custar à nossa saúde em curto, médio e longo prazo”, lamenta.

Rede de mobilização, estudos e soluções

Para a elaboração do Parecer Técnico acerca dos danos causados pelo derramamento de petróleo cru no litoral, foi necessária uma mobilização conjunta que se deu desde os primeiros indícios da substância na costa, como relata Vanda Claudino Sales, geógrafa, com pós-doutorado em Geomorfologia Costeira e uma das autoras do documento:

“Quando o petróleo cru começou a chegar às praias do Ceará, foi criado um grupo no Whatsapp com a participação de ambientalistas, pesquisadores, representantes de ONGs (Instituto Verdeluz e Instituto Terramar), além de pescadores e pescadoras de todas as colônias pesqueiras do Estado. Esse grupo serviu como uma rede de comunicação, para onde as informações começaram a ser encaminhadas e registradas. Foi criado um sistema de monitoramento por geoprocessamento, gerando mapas de localização e identificação dos acidentes e ocorrências do petróleo cru”.

E completa: “Reuniões frequentes foram marcadas com a participação de todos. O Instituto Terramar, que tem articulação com o conjunto dos pescadores do Estado, monitorou a situação de saúde e econômica deles face à chegada do Petróleo. O Instituto Verdeluz monitorou a situação da fauna. Além disso, órgãos como a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), Instituto de Ciências do Mar (Labomar) – Universidade Federal do Ceará (UFC), a Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), o Ibama, o Gabinete do Deputado Estadual Renato Roseno, dentre outros, foram também monitorando as áreas. Esses dados foram disponibilizados para o coletivo, e fazem parte do parecer. Além disso, fizemos visitas a várias áreas impactadas, e realizamos levantamentos de dados primários e bibliográficos. Com esse conjunto de dados, montamos o parecer”.

Os danos ocorreram no meio biótico (fauna e flora marinha e costeira) e abióticos (praias, estuários, lençóis de água subterrânea, lagunas) | Foto: Acervo Instituto Verdeluz

Para a Pesquisadora, o documento como resultado desse trabalho conjunto de vários pesquisadores foi muito feliz em apontar as questões principais relacionadas ao derramamento de petróleo no litoral cearense, tanto no que diz respeito aos danos quanto às medidas que devem ser tomadas para mitigar os problemas.

O estudo indicou, por exemplo, os danos no meio biótico (fauna e flora marinha e costeira) e abióticos (praias, estuários, lençóis de água subterrânea, lagunas), além de ter analisado a situação dramática dos pescadores, marisqueiras, coletores e povos do mar de forma geral.

Dentre as medidas propostas pelo parecer para contenção dos danos causados pelo desastre, Vanda Claudino aponta três que considera absolutamente fundamentais:

  • Promover pesquisa científica para gerenciar banco de dados sobre os sistemas ambientais costeiros regionais e locais diante do crime/derrame de petróleo, para identificar os problemas relativos à perda da biodiversidade, da qualidade da água, dos impactos na saúde comunitária e na economia, além dos eventuais danos ao público em geral
  • Definir e executar programas de recuperação e monitoramento das áreas degradadas
  • É necessário por parte do Governo Federal a compensação dos danos ambientais aos pescadores das comunidades litorâneas. Estima-se que a população atingida no Ceará seja de 15.000 pescadores/marisqueiras/coletores; essa população deveria receber um seguro emergencial por dano ambiental no valor de um salário mínimo por seis meses, até nova avaliação em função dos resultados de monitoramento da segurança do pescado. Isso equivaleria a R$ 93.510.000

O Parecer Técnico-Científico acerca dos danos socioambientais provocados pelo derrame do petróleo em 2019 e 2020 foi elaborado por Vanda de Claudino-Sales que o escreveu em coautoria com o geólogo e doutor em Geografia Antonio Jeovah de Andrade Meireles; com a bióloga e doutora em Ciências Marinhas Tropicais, Liana Quieróz; a bióloga e mestre em Bioquímica e Biologia Molecular, Marília Lopes Brandão; a engenheira de pesca e mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Soraya Tupinambá; e a geógrafa e especialista em Geoprocessamento, Francisca Janete Lira Melo.

O documento será analisado durante uma reunião que acontecerá na Secretaria do Meio Ambiente (Sema), nesta terça-feira (11). A Sema entende que a questão é federal, uma vez que se trata de um acidente ocorrido em águas oceânicas. No entanto, a Secretaria afirma que não deixou e não vai deixar de analisar a questão e contribuir com medidas para mitigar os impactos. Participam da reunião, além da Sema, técnicos e representantes da Semace, Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Agadri) e Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA).

1 Comentário
  1. Essa matéria não condiz com o que realmente aconteceu, quanto a formação do “Grupo de Trabalho de combate às manchas no Litoral Cearense”.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Pular para o conteúdo