Com risco de escassez de água, parlamentares propõem combate ao desperdício | Foto : Pedro França / Agência Senado

 

 

 

Parlamentares ouviram especialistas e avançaram na votação de projetos para promover o uso racional de recursos hídricos. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 112/2013, que tem esse objetivo, foi aprovado no primeiro semestre pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e  aguarda deliberação da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), onde será votado em decisão terminativa. Situação do Nordeste é citada no relatório.

A água é um ativo nacional que, se usado com sabedoria e eficiência, enseja uma grande oportunidade para garantir ao Brasil um desenvolvimento econômico e social bastante competitivo. Esta é apenas uma das conclusões de relatório inédito, lançado em Florianópolis (SC), nesta quinta-feira (8), pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).

Intitulado “Água: biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano no Brasil”, o documento, de autoria de 17 pesquisadores, aponta soluções para o uso racional e maior eficiência tanto na gestão como na conservação da água no Brasil. Embora detenha a maior reserva de água doce do Planeta, o País padece, segundo o estudo, de anomalias na sua distribuição e qualidade, na relação demanda-oferta e na aplicação dos instrumentos legais.

“O relatório se apresenta como uma referência nacional aos diversos setores da sociedade quanto às fragilidades da situação atual das águas brasileiras para o uso humano, manutenção da biodiversidade e serviços ambientais. Além disso, ressalta as enormes potencialidades econômicas e sociais que se consolidarão através da gestão equilibrada, da conservação e do uso sustentável dos ecossistemas aquáticos”, explica à Eco Nordeste a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Renata Panosso, autora do trabalho.

A professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenadora do documento, Aliny Pires, afirma que a abordagem da dimensão ambiental da água foi negligenciada durante muito tempo pelos gestores dos recursos hídricos do Brasil. “A água sempre negligenciada quanto a sua importância para a manutenção da biodiversidade ampla que o Brasil tem e como patrimônio cultural, uma vez que os ambientes aquáticos fazem parte do modo de vida de diversas populações do País”.

Recurso, habitat e patrimônio cultural

No entendimento dos especialistas que desenvolveram o relatório, é fundamental que os gestores incluam o papel da água enquanto recurso hídrico, mas também como habitat para diversas espécies e patrimônio cultural que envolve diversas formas de vida. “Espera-se que o documento contribua a fim de subsidiar gestores e outros tomadores de decisão para futuras ações que garantam o manejo e usos adequados da água”, projeta Panosso.

“Esse relatório, por tentar compilar diversas informações, dentro de um documento único e da lógica da biodiversidade, serviços ecossistêmicos e bem-estar humano, dá um grande passo no sentido de tratar a água no sentido transversal que passa por todos esses aspectos”, completa Pires.

Ameaças

De acordo com o documento, as principais ameaças às águas brasileiras são as mudanças climáticas, as transformações no uso do solo, a fragmentação de ecossistemas e a poluição. O relatório observa que já são notáveis os efeitos de eventos extremos de precipitação e seca, que vão aumentar ao longo do século, além de alterarem a dinâmica e a configuração dos habitats aquáticos.

“Mudanças no uso do solo em função da expansão agrícola e do represamento de rios podem comprometer a disponibilidade e a qualidade da água em todo o País, afetando os usos pela biodiversidade aquática e pela população humana. Tais mudanças, bem como a transposição de rios, promovem modificações na dinâmica e na estrutura dos ambientes aquáticos causando perda na conectividade e alteração no regime hidrológico, o que favorece o estabelecimento de espécies exóticas”, diz o texto.

Nível crítico de segurança hídrica no Nordeste

O relatório revela que cerca de 40% do território nacional possui níveis de ameaça dos corpos hídricos de “moderado” a “alto”. A região Nordeste, em especial, apresenta nível crítico de segurança hídrica – 98% de seus municípios já reportaram eventos de seca. Além disso, carece de informações quando o assunto é a sua biodiversidade aquática.

Na avaliação de Panosso é necessário, em primeiro lugar, priorizar a manutenção e melhoria da qualidade da água por meio de seis frentes:

  1. Expansão da infraestrutura para coleta e tratamento de esgotos domésticos.
  2. Aumento do controle de fontes poluentes de origem agropastoril e industriais.
  3. Destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos em aterros sanitários, bem como o decréscimo da produção de resíduos.
  4. Recuperação e restauração da vegetação no entorno dos corpos d´água, pois esta vegetação funciona como uma barreira à entrada de poluentes, além de evitar o assoreamento dos rios e açudes.
  5. Proteção das nascentes que, além de contribuir para a qualidade, também garante oferta de maior volume de água.
  6. Combate à erosão e desertificação por meio da redução do desmatamento e recuperação de áreas desmatadas nas bacias hidrográficas do Semiárido, bem como da criação de unidades de conservação, especialmente em áreas prioritárias no bioma Caatinga.

Na mesma linha, Pires observa que a maior parte do Nordeste integra o bioma Caatinga, que é a região semiárida mais povoada do mundo, o que gera uma demanda grande pelo recurso. “Isso torna a situação mais crítica. Há uma intermitência grande em relação aos ambientes aquáticos, e isso demanda uma série de estratégias para garantir a permanência da água enquanto recurso disponível para a população.”

Caminho

Segundo a coordenadora do estudo, muitos dos ambientes aquáticos que são perenes estão com níveis críticos de quantidade e qualidade. “Qual é o grande risco que a gente tem? Explorar ao máximo esses ambientes aquáticos para suprir essa demanda, perdendo algo que a gente nem conseguiu quantificar perfeitamente”, acrescenta.

Ao mesmo tempo, a especialista vê a região Nordeste como um caminho promissor a fim de buscar soluções para o Brasil e o mundo sobre a questão hídrica. “Existem casos extremamente relevantes de como lidar com a questão hídrica em um cenário de escassez, como, por exemplo, a questão da palma forrageira, que funciona como fonte de água para a alimentação do gado”, exemplifica Pires.

Tecnologias

Conforme o estudo, as soluções baseadas na natureza contam com componentes da biodiversidade e também sociais, fatores considerados fundamentais para a redução dos gastos com infraestrutura, além de gerar resultados mais promissores, seguros e de longo prazo.

“A disponibilidade de água (em termos de quantidade) pode ser ampliada através do desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias, como dessalinizadores, e o reúso da água, além das medidas já citadas acima (preservação da vegetação das margens e nascentes, redução do desmatamento e restauração de áreas desmatadas)”, sugere Renata Panosso.

Plataforma

A BPBES é uma iniciativa criada em 2015 que congrega um grupo independente formado por cerca de 120 autores, dentre professores universitários, pesquisadores, gestores ambientais e/ou tomadores de decisão. Seu objetivo é produzir sínteses do melhor conhecimento disponível pela ciência acadêmica e pelos saberes tradicionais sobre as temáticas da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos e suas relações com o bem-estar humano, com foco nos biomas continentais do Brasil (Amazônia, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado, Pantanal, Campos Sulinos) e no costeiro-marinho.

Dez dados compilados pelo relatório

  • Dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, cinco estão ligados à água e à biodiversidade aquática (ODS 6, 2, 3, 11 e 15).
  • Entre 2020 e 2030, cerca de 74 milhões de pessoas estarão sob risco hídrico no Brasil.
  • Mais de R$ 70 bilhões/ano serão requeridos para a diminuição dos riscos voltados aos setores produtivos.
  • R$ 27,6 bilhões é o investimento previsto no Plano de Segurança Hídrica até 2035.
  • A meta do Plano Nacional de Saneamento Básico é que 93% do território brasileiro tenha tratamento de esgoto e que a perda na distribuição da água gire em torno de 30% na próxima década.
  • Entre 2050-2100, haverá um aumento de 54% das águas subterrâneas no Brasil.
  • O risco econômico associado à insegurança hídrica será em torno de R$ 520 bilhões até 2035, mais que o dobro do valor registrado em 2017.
  • A cada R$1 investido em segurança hídrica até 2020, entre R$15 e R$20 são obtidos em benefícios, sendo o setor de serviços o mais favorecido.
  • A universalização do saneamento básico no País trará benefícios da ordem de R$ 1,5 trilhão, valor quatro vezes maior que o gasto estimado para sua implementação.
  • Sobre perdas de água, uma redução média desse prejuízo para valores próximos a 15% promoveria um ganho líquido em torno de R$ 37 bilhões até 2033.
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