Por Andréia Vitório
Colaboradora

É no Nordeste que ficam os principais pontos de biodiversidade marinha do Brasil: Abrolhos (BA) (foto), Fernando de Noronha (PE) e Atol das Rocas (RN) | Foto: Enrico Marcovaldi / CI-Brasil

Com uma biodiversidade que nos escapa aos olhos e desconhecida de boa parte dos brasileiros, a área marinha do Brasil merece atenção. Isso é o que defendem quatro especialistas que atuam na linha de frente da conservação dos oceanos no País. À Eco Nordeste eles falaram sobre o cenário atual, os desafios e as perspectivas da área. Em comum, o entendimento de que ainda há muito a ser feito.

Em meio a várias demandas e preocupações que rondam esses profissionais, está o leilão de quatro blocos de petróleo na bacia Camamu-Almada, entre Salvador e Ilhéus, na Bahia. Isso porque, no caso de incidente com derramamento de óleo, o material pode chegar ao litoral sul da Bahia e à costa do Espírito Santo, atingindo a principal região de biodiversidade marinha no Brasil: Abrolhos.

A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) divulgou, em 26 de agosto, no Diário Oficial da União, a lista das 12 primeiras empresas já inscritas para a 16ª Rodada de Licitações, em 10 de outubro. Paralelamente a isso, entidades ambientais têm se mobilizado contra, como é o caso do movimento Conexão-Abrolhos, formado por algumas das principais organizações socioambientais que atuam na conservação marinha no Brasil.

Guilherme Dutra, diretor de Estratégia Costeira e Marinha da Conservação Internacional (CI) Brasil, uma das idealizadoras da iniciativa, diz que, frente a essa ameaça, decidiram dar publicidade à questão para tentar evitar que empresas adquiram blocos naquela área. Ele destaca, ainda, que o próprio documento que libera o leilão reconhece o risco de derrames acidentais atingirem em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas.

Presidente do Instituto Baleia Jubarte (IBJ), Eduardo Camargo também não enxerga com bons olhos a iniciativa. Ele a considera um risco desnecessário, que pode representar um dano ambiental e socioeconômico muito grande. “A gente precisa afastar Abrolhos de grandes riscos, como pesca industrial, exploração de óleo e gás e atividades de mineração. Essas atividades têm um potencial de destruição enorme e, junto com a pesca artesanal e predatória, são as principais ameaças”, conta Camargo, lembrando que se somam a esta relação as mudanças climáticas, que já têm causado branqueamento e mortandade em massa de recifes de corais.

Proteção marinha

Se o leilão ainda é uma ameaça futura. A fragilidade do Brasil quando o assunto é conservação marinha já é realidade. Até 2017, a cobertura de áreas marinhas protegidas em relação às áreas marinhas brasileiras era da ordem de apenas 1,6%. Em 2018, o governo brasileiro criou dois mosaicos de unidades de conservação nos arquipélagos São Pedro e São Paulo, em Pernambuco; e nas Ilhas Trindade e Martin Vaz, no Espírito Santo, ambos na região central do Atlântico Sul, o que resultou na ampliação da cobertura para 25%.

O número atende a meta numérica do Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, que prevê cobertura de pelo menos 10% de área protegida até 2020, bem como a Meta de Aichi, quando foi aprovado o Plano Estratégico de Biodiversidade para o período de 2011 a 2020.

É cedo para comemorar?

Ronaldo Bastos Francini Filho, biólogo e pesquisador do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e integrante da Coalização Ciência e Sociedade, explica que para a unidade de conservação marinha cumprir seu papel é preciso ela levar em conta dois pontos previstos na Meta de Aichi e que não são atendidos no caso dos mosaicos recém-criados: representatividade e conectividade biológicas.

“As áreas são grandes, mas têm falhas graves. Eles pegaram, basicamente, mar aberto, quase não tem biodiversidade. A representatividade tem que existir para que seja protegido um pouco de cada ecossistema. Além disso, temos que ter corredores conectando áreas rasinhas e mais fundas. São pouquíssimos os desenhos no Brasil, hoje, que levam em consideração essa necessidade de conectividade entre raso e fundo. Um dos poucos países que tem isso, que usa planejamento sistemático, é a Austrália”, diz.

Ele fala, ainda, dos caminhos que podem ser percorridos para o Brasil avançar na proteção: acreditar em ciência e fazer planejamentos sistemáticos para criação de áreas protegidas; ampliar áreas, levando-se em conta representatividade (diferentes habitats) e conectividade; bem como adotar uma mudança de paradigma: “o Brasil não tem nem plano de transição para energia renovável. Acredito que a gente esteja no pior momento para a conservação marinha no Brasil e no mundo”.

Nordeste

É no Nordeste que ficam os principais pontos de biodiversidade marinha do Brasil: Abrolhos (BA), Fernando de Noronha (PE) e Atol das Rocas (RN), este último, único atol do Atlântico Sul. Sobre o berçário das baleias jubarte,  Eduardo Camargo, do IBJ,  destaca: “Abrolhos é o centro da conservação marinha do País e precisa ser ampliado. É o local de maior biodiversidade marinha no Brasil, com uma série de espécies endêmicas e espécies ameaçadas e tem somente 2% de sua área protegida com proteção integral. Nós temos o maior banco de rodolitos do mundo, com porção mínima protegida e habitats que concentram grande biodiversidade, mas que estão fora do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos.”

Guilherme Dutra, da CI, também defende a ampliação da rede de áreas marinhas protegidas no Brasil – tanto de proteção integral quanto de uso sustentável – e diz que “as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do Norte e Nordeste em sua maioria têm pouquíssima implementação. Em são Paulo, as estaduais são as que estão mais à frente. No âmbito federal, temos UCs com dificuldades, mas também temos bons exemplos como as reservas extrativistas de Canavieiras e Corumbau, na Bahia.”

Desafios

A demanda por atenção segue Nordeste afora. Flávio Lima, coordenador do Projeto Golfinho Rotador, diz que o histórico de uso e ocupação das zonas costeiras e marinhas em Pernambuco registra uma elevada degradação ambiental, provocada, principalmente, por monocultura da cana-de-açúcar, adensamento populacional das cidades litorâneas, turismo desordenado e implantação de portos e indústrias.

“Temos excelente políticas públicas elaboradas ao longo dos anos, como planos de manejo de UCs, Planos de Ação para a Conservação de Espécies, Acordos e outros instrumentos legais. Espero que os governos atuais e futuros façam valer o que está planejado”, diz. Questionados obre os gargalos da UCs marinhas, é enfático em dizer que um fator preocupante é que muitas delas foram criadas, mas ainda não possuem uma gestão minimante adequada para o seu funcionamento: “muito ainda precisa ser feito, como a alocação de recursos e pessoal para atuar nas áreas de gestão, manejo, fiscalização e Educação Ambiental”.

Sobre o futuro da conservação marinha no Brasil, Ronaldo Bastos Francini Filho, da UFPB, demonstrou preocupação com os rumos da atual gestão e os impactos em um dos hotsposts brasileiros: Fernando de Noronha. “O que a gente está vendo hoje é um desmonte completo e total dos órgãos de regulamentação ambiental no Brasil. Em Fernando de Noronha acabou de ser nomeado um chefe que é uma pessoa que tem interesse na liberação das licenças das pousadas que tinham sido embargadas pelo antigo chefe e há até a possibilidade de liberação de pesca de sardinha e outras espécies dentro do Parque”, lamenta.

Os especialistas defendem a ampliação da rede de áreas marinhas protegidas no Brasil, tanto de proteção integral quanto de uso sustentável | Foto: Enrico Marcovaldi / CI-Brasil

ODS

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) acaba de anunciar a avaliação de metas e indicadores do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14 da Agenda 2030, que trata da conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o Desenvolvimento Sustentável.

Para a implementação do ODS 14, foram estabelecidas dez metas, entre elas reduzir a poluição marinha e regular efetivamente a pesca, além de dez indicadores para monitorar.

Quer saber mais? Acesse o estudo completo aqui.

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