O que há por trás das usinas termelétricas?

A Agência Eco Nordeste, em parceria com o Climainfo, inicia uma série de reportagens que abordam os impactos socioambientais causados por termelétricas fósseis nos estados do Maranhão, Sergipe e Ceará.

Fotografia de céu azul com nuvens, vegetação rasteira e, no meio da paisagem, uma grande estrutura de ferro com fios, uma torre que funciona como linha de transmissão de energia elétrica

Apesar de serem as hidrelétricas as fontes majoritárias de energia elétrica no Brasil, as termelétricas vêm tendo suas capacidades ampliadas e se multiplicaram, principalmente com a justificativa da crise hídrica anunciada nos últimos anos | Foto: Camila de Almeida

Por Alice Sales
Colaboradora

As usinas termelétricas ou térmicas são geradoras de energia à base da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo, o carvão mineral, gás natural ou processos que envolvem o uso de materiais radioativos. Trata-se de uma fonte de energia não renovável, uma vez que a matéria-prima usada é finita. Esse modelo de geração de energia é o principal responsável pela emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), além de ser uma alternativa cara que reflete em altos custos na conta de energia paga pelos brasileiros.

Gráfico de pizza com as seguintes informações: Matriz energética no Brasil: Petróleo e Derivados - 33,1%; Derivados de Cana-de-açúcar - 19,1%; Hidráulica - 12,6%; Gás Natural - 11,8%; Lenha e Carvão vegetal - 8,9%; Outras renováveis - 7,7%; Carvão Mineral - 4,9 %; Nuclear - 1,3%; Outras não-renováveis - 0,6% - Com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a matriz elétrica brasileira, ou seja, o conjunto de fontes utilizadas para geração de energia elétrica, é composta 8,3% pela queima de gás natural e 3,1% pela queima de carvão e derivados. Apesar de serem as hidrelétricas as fontes majoritárias de energia elétrica no Brasil, as termelétricas vem tendo suas capacidades ampliadas e se multiplicaram, principalmente com a justificativa da crise hídrica, nos últimos anos.

Gráfico de pizza com as seguintes informações: Matriz elétrica no Brasil: Hidráulica - 65,2%; Biomassa - 9,15%; Eólica - 8,8%; Gás Natural - 8,3%; Carvão e derivados - 3,1%; Nuclear - 2,2%; Solar - 1,7%; Derivados do Petróleo - 1,6% - Com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)O professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutor em Energética, Heitor Scalambrini Costa, relembra que o apagão, entre os anos 2000 e 2001, e o agravamento da crise de energia no País, teve como resposta, dentre outras medidas, o lançamento do Programa Prioritário de Termelétricas (PPT), criado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com o objetivo de estimular a construção de usinas movidas a gás natural e carvão mineral. No lançamento do programa, havia 49 projetos, com capacidade instalada total de 15 mil MW – o equivalente a um aumento de 40% da potência do parque gerador brasileiro, à época.

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Este programa estabeleceu condições atrativas para investimentos em termelétricas a gás natural, como o preço especial dessa matéria-prima reajustado anualmente; garantia de compra de energia pelas distribuidoras; e linha especial de financiamento.

“De lá até os dias de hoje, as termelétricas a combustíveis fósseis têm crescido no País, recebendo tratamento especial das políticas públicas implementadas, chegando a representar em torno de 25% da produção de energia elétrica”, explica o professor.

Mapa: Termelétricas a gás natural no Nordeste, com destaque: em fases de operação (30), construção (3), construção não iniciada (1), Terras Indígenas (82), Unidades de Conservação (405), Unidades de Conservação - APA (83), rios e estados - Fonte: ClimaInfoSegundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), até março de 2020, existiam 401 termelétricas, representadas, em sua maioria, pelas usinas a biomassa, que somam 286 empreendimentos. O Brasil conta também com 48 termelétricas a gás, 44 a óleo, 10 movidas a carvão mineral, duas nucleares e outras 11 usinas, que podem ser de bicombustíveis ou até mesmo reação exotérmica.

Em 2021, ao todo, 17 novos empreendimentos de usinas termelétricas foram contratados, durante um leilão emergencial realizado em outubro, em decorrência da crise hídrica.
Dentre esses empreendimentos que ganham espaço no País, a maior usina termelétrica a carvão mineral do Brasil é o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, e uma das maiores usinas termelétricas a gás natural do país é o Complexo Termelétrico Parnaíba, no Maranhão, com 1,4 GW de capacidade instalada.

Nociva para a Terra e para o ser humano

Fotografia de céu azul com nuvens brancas, uma grande área de vegetação verde. Uma estrada de asfalto na diagonal e, ao lado direito, grandes estruturas de indústria e uma chaminé alta de cor vermelha e branca

Usina Termelétrica do Porto de Itaqui, gerida pela Eneva, na zona rural de São Luís, no Maranhão | Foto: Camila de Almeida

De acordo com Scalambrini, os estudos têm demonstrado que o uso de tais fontes vem aumentando ano a ano a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, o que impacta diretamente o clima, com recorrentes recordes anuais de temperatura, como também a emissão de gases cancerígenos que afetam diretamente a saúde das pessoas, enquanto os interesses econômicos são priorizados, em detrimento da saúde dos indivíduos e dos desastres ambientais causados pelas mudanças climáticas, que têm como principal causa o uso de fontes energéticas de origem fóssil.

Como exemplo de gases emitidos pela queima dos combustíveis fósseis podem ser citados óxidos de nitrogênio (NOX), óxidos de enxofre (SOX), além de metais pesados, dependendo do combustível utilizado. De acordo com um estudo divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em média, 7 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência da poluição do ar. O relatório estima que 90% da população mundial esteja exposta a pelo menos um agente poluente grave. “Com certeza, a geração elétrica por meio de combustíveis fósseis alimenta este número macabro”, alerta Scalambrini.

A despeito de todos os alertas da crise climática e do acordo global que empreende esforços para zerar emissões de carbono até o ano de 2050, o Governo Brasileiro vem investindo em geração de energia fóssil sob a justificativa de que o País já possui uma matriz elétrica predominantemente renovável, o que oportuniza o investimento em outras fontes, como carvão e gás natural.

Questionado sobre o motivo de os movimentos ambientalistas de todo o mundo serem contra a instalação de usinas termelétricas, o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutor em Ciências Atmosféricas, Alexandre Araújo Costa, explica que a primeira razão, e a maior de todas, é que nós não podemos mais seguir com emissões de dióxido de carbono (CO2) nos níveis atuais.

Ele frisa que há um consenso entre a comunidade científica a partir de estudos recentes e relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que mostram com clareza a gravidade da situação planetária: “Nós deveríamos estar contendo o aquecimento global dentro do limite de um grau e meio, com relação ao período pré-industrial e nós já estamos em 1,1 grau, muito próximos da barreira de um e meio. É uma situação emergencial. Precisaríamos, na verdade, chegar a 2030 com emissões cortadas pela metade e, em meados do século, zerar tudo”.

É aí onde as usinas termelétricas oferecem tanto risco e se tornam um problema crucial na corrida para salvar o Planeta dos desastres provenientes do aquecimento global. Embora, no Brasil, o principal problema seja o desmatamento, Araújo Costa considera que o principal fator de emissões de CO2 é justamente o setor de energia, com ênfase na geração de eletricidade por meio das termelétricas.

Fotografia de céu azul, com nuvens brancas, mar ao fundo e uma imensa área de vegetação. Na parte de cima da imagem há um tanque com água de cor azul turquesa formado por rejeitos da Usina Termelétrica. Abaixo, ao lado do tanque, há uma enorme quantidade de carvão mineral preto amontoado

Como exemplo de gases emitidos pela queima dos combustíveis fósseis, podem ser citados óxidos de nitrogênio (NOX), óxidos de enxofre (SOX), além de metais pesados, dependendo do combustível utilizado | Foto: Camila de Almeida

Além de todos os danos causados ao meio ambiente e à saúde das pessoas, esses empreendimentos oferecem uma vastidão de prejuízos socioambientais, como o uso concorrente de água em localidades onde há escassez, já que são indústrias demandantes; a poluição do solo, dos recursos hídricos e lençóis freáticos, risco de vazamento de gás em casos das movidas a gás natural, e a ameaça às comunidades tradicionais que muitas vezes estão inseridas no entorno das instalações das termelétricas.

Transição energética como solução

Para Heitor Scalambrini, usar fontes renováveis a fim de gerar energia de forma descentralizada e distribuída, reduziria drasticamente os efeitos socioambientais causados pelos investimentos em combustíveis fósseis. “A diversificação e a complementaridade das fontes renováveis em uma matriz energética, sem dúvida é um bom caminho para a sustentabilidade”, avalia.

Contudo, o pesquisador ressalta que não é suficiente ser uma fonte renovável para que seja considerada como uma “energia verde”, “energia limpa” ou “energia sustentável”, assim como também não existe processo de transformação, de conversão e uso de energia que seja isento de produzir poluição, danos socioambientais, contaminação do ar, terra e da água, entre outros malefícios.

“A chamada transição energética não deve se restringir à simples troca de fontes energéticas: fonte não renovável por fonte renovável. Deve ser entendida como um conceito que vai além da geração de energia, que alcança mudanças no modo de produção e consumo da sociedade. Neste contexto, as fontes renováveis – Sol, ventos, biomassa, água -, terão um papel importante no cumprimento do principal objetivo que é a descarbonização da economia”, resume.

O conceito de transição energética justa prevê a mudança, não somente da matriz energética que objetiva uma economia de baixo carbono, assim como uma economia mais inclusiva e justa, de modo a promover o oportunidades para camadas mais vulneráveis da sociedade, ao oferecer, inclusive, a democratização do acesso desses grupos à energia, para permitir a erradicação da pobreza.

Para tanto, o cientista Alexandre Araújo Costa, destaca que seria preciso também reduzir a demanda energética global, cortar os usos desnecessários da energia e incentivar o consumo consciente de bens e serviços. “É importante que essa transição também dê empregos de qualidade, com garantia de bem-estar para as famílias trabalhadoras. E que isso seja feito de maneira planejada e rápida”, finaliza.

Termelétricas do Nordeste

Fotografia de céu azul com nuvens cinzas, sobre o mar. Às margens do mar há uma grande estrutura de indústria, vegetação e torres geradoras de energia eólica ao redor

Usina Termelétrica Porto de Sergipe I, gerida pela Celse, no município de Barra dos Coqueiros, em Sergipe | Foto: Camila de Almeida

Com o intuito de divulgar mais informações sobre o cenário em que prosperam usinas termelétricas em cidades do Nordeste, a Eco Nordeste, em parceria com o Climainfo, dá início a uma série de reportagens que abordam os impactos socioambientais causados por termelétricas nos estados do Maranhão, Sergipe e Ceará.

Em narrativas construídas sob a perspectiva de comunidades tradicionais impactadas, autoridades, ativistas e pesquisadores que se dedicam ao tema, a série traz à tona o que há por trás do funcionamento de geradoras de energia movidas a combustíveis fósseis e o lado não contado do desenvolvimento prometido por esses empreendimentos.

A primeira reportagem desta série contará a história de pessoas que vivem na zona rural de São Luís, capital do Maranhão, e tiveram seus modos de vida alterados pelos efeitos da queima de carvão mineral no entorno de suas casas.

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