Pescadores de 26 municípios distribuídos entre a Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte foram entrevistados. O estudo teve como objetivo levantar dados para uma melhor compreensão sobre a situação atual de ameaças contra tubarões no litoral do Nordeste.

Mergulhador observa tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum), na costa de Recife (PE) | Foto: Erika Beux

Por Alice Sales
Colaboradora

Quantas descobertas científicas podem surgir a partir de histórias contadas por pescadores? Ouvir relatos de quem vive da pesca foi o principal método para um estudo sobre o atual estado de conservação de espécies de tubarões na costa nordestina, realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em parceria com a Universidade de Windsor e a Universidade Federal do Pará (UFPA).

A pesquisa, que une o conhecimento acadêmico com os saberes tradicionais, teve como base as memórias de pesca de tubarões de 186 pescadores, ao longo dos últimos 60 anos. Os resultados estão descritos em artigo publicado na revista “Biodiversity and Conservation”.

Pescadores de 26 municípios distribuídos entre a Bahia, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte foram entrevistados. O estudo teve como objetivo levantar dados para uma melhor compreensão sobre a situação atual de ameaças contra tubarões no litoral do Nordeste. Além disso, uma das motivações da pesquisa, foi a falta de monitoramento da pesca brasileira, desde 2011.

Saber tradicional

O chamado “Local Ecological Knowledge (LEK)” ou conhecimento ecológico local, na tradução para o Português, é uma alternativa para obter dados confiáveis sobre as espécies. “Fomos aos lugares onde os pescadores trabalham – praias ou comunidades pesqueiras – e seguimos um modelo padrão de entrevista, com pergunta sobre o tamanho máximo dos tubarões pescados, local de pescaria e também dados sobre os próprios pescadores, como idade e anos de experiência”, explica o pesquisador Antoine Leduc, especialista em Ecologia Comportamental e Conservação.

Segundo o cientista, os dados obtidos são frutos de acontecimentos excepcionais, de fácil lembrança e, por isso, podem ter confiabilidade e ser utilizados para obter resultados quantitativos e qualitativos. “Se você perguntar para alguém o que comeu em um determinado dia do mês, dificilmente a pessoa se lembrará com detalhes, porém, se questionada sobre a melhor comida que comeu na vida, certamente terá a resposta”, explica o pesquisador.

Descobertas

Nos relatos dos pescadores foram mencionadas 19 espécies de tubarões, mas só foi possível reunir dados suficientes para uma análise criteriosa de oito. Segundo a pesquisa, quatro das oito espécies diminuíram de tamanho corporal ao longo dos anos: tubarão-baleia (Rhincodon typus), tubarão-martelo-recortado (Sphyrna lewini), tubarão-galha-preta (Carcharhinus limbatus) e tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum).

“Nos peixes, o tamanho pode ser considerado como um indicador sobre a capacidade reprodutiva. A diminuição de tamanho dos tubarões ao longo dos anos é um indicativo que chama atenção”, destaca Leduc.

Para duas espécies os dados não demonstraram um padrão claro, apesar de parecer estarem em diminuição nos últimos anos, uma espécie teve aumento de tamanho e uma não apresentou alterações.

De acordo com Leduc, a diminuição corporal das espécies de tubarões ao longo dos anos está relacionada à pesca, uma vez que, mesmo sendo solto após a captura, o tubarão não consegue se recuperar dos ferimentos ou do estresse. Além disso, o pesquisador aponta que no Brasil não há medidas de conservação eficazes, há apenas uma lista vermelha de espécies ameaçadas, que pode ser utilizada caso haja interesse das autoridades de criar medidas de conservação.

Exemplares de tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum), na costa de Recife (PE) | Foto: Erika Beux

Segundo ele, é necessário que haja uma melhor fiscalização de pesca para evitar a extinção das espécies, além de estratégias de conservação. “Na Índia, os pescadores recebem incentivos financeiros em troca de solturas de espécies ameaçadas. Lá a maioria possui celulares com câmeras, que possibilitam a filmagem e comprovação da soltura do animal”.

Além de apresentar diminuição do tamanho corporal com o passar do tempo, o pesquisador ressalta que a maioria dos tubarões-baleia citados nos relatos, foi capturada por pescadores com mais idade, isso sugere que o número de exemplares dessa espécie esteja diminuindo com os anos.

Divergências nas listas de ameaçados

Com esse levantamento de dados, os cientistas puderam comparar os resultados a duas Listas Vermelhas de espécies ameaçadas de extinção. Criada em 1964, a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional Para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) tem como objetivo informar o estado de conservação das espécies ao redor do Planeta. Além da Lista Vermelha Global, vários países produzem suas próprias listas. No Brasil, a Lista Vermelha nacional é organizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade  (ICMBio).

De acordo com Leduc, entre essas duas listas, foram encontradas discrepâncias no estado de conservação para várias dessas espécies de tubarões. “Por exemplo: na lista brasileira observávamos que o tubarão-baleia está categorizado no nível vulnerável, enquanto na lista internacional está como ameaçada. Percebemos com o estudo que o tamanho corporal dessa espécie está diminuindo ao longo do tempo e, mesmo esse sendo um indicador preocupante, a lista nacional não é severa”.

E completa: “O que é mais interessante é como o conhecimento desses pescadores pode ser usado para determinar se é necessário corrigir as discrepâncias nas listas vermelhas, tendo em vista o nível de ameaça mais preciso que estes tubarões enfrentam”.

Com informações da Agência Bori

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