Por Alice Sales
Colaboradora

A tradição desse artesanato ajuda a contar a história de Maria Amélia Furtado, a dona Santinha. Ela aprendeu aos 12 anos, com a mãe, que  aprendeu com a geração anterior | Foto: Eduardo Queiroz

Trairi-CE. Ao passar pelas ruas de Trairi, no Litoral Oeste do Ceará, muito provavelmente é possível ver alguma artesã com sua almofada, tecendo com muita habilidade a renda de bilros. A tradição do feitio dessa renda começa no campo, com a busca por sementes arredondadas e espinhos para a fabricação do instrumento fundamental para esse tipo de artesanato: o bilro.

Trazida ao nordeste do Brasil pelas mulheres portuguesas no período colonial, a arte da renda de bilros permanece viva, passando de geração em geração entre as mulheres rendeiras. A tradição desse artesanato ajuda a contar a história de Maria Amélia Furtado, a dona Santinha. Ela, que vive na Comunidade Córrego dos Furtados, aprendeu a fazer renda aos 12 anos, ensinada por sua mãe, que por sua vez aprendeu com a geração anterior. As filhas e netas de Dona Santinha também aprenderam a tecer a renda, seguindo o talento legado por suas ancestrais.

Aos 63 anos, dona Santinha mora sozinha e ressalta que a arte de fazer a renda de bilro é para ela uma terapia. “Faço renda até de madrugada para ocupar o tempo, acho até que sou viciada”, brinca ao contar sobre sua relação com o artesanato.

Entretanto, apesar de muita dedicação ao trabalho que realiza, a rendeira relembra os sinais da desvalorização e perda da tradição ao longo do tempo: “antigamente, quando comecei , fazíamos uma rendinha estreita, chamada de rabo de rato. Nesse tempo, vendíamos barato. Comecei a fazer camisetas, blusas, vestidos e só queriam pagar cerca de 45 reais em uma peça que levava muitos dias para ser feita. Por último, não conseguia vender nada e tudo piorou com a chegada da pandemia”.

Olê Rendeiras

Oficinas, rodas de conversas, trocas de saberes, estudos e muito trabalho resultaram na criação de novas matrizes para as tramas da renda e nasceu uma coleção exclusiva | Foto Eduardo Queiroz

Essa realidade de Dona Santinha e de outras mais de 100 mulheres de 14 comunidades do município de Trairi vem sendo mudada desde a chegada do Projeto Olê Rendeiras, em 2019. Iniciativa da Qair, empresa de energias renováveis com empreendimentos na região, em parceria com a Catarina Mina, marca já conhecida por trabalhar o consumo consciente e a economia sustentável, o Olê Rendeiras é um projeto voltado para a valorização da renda de bilros, no intuito de repensar os laços que envolvem essa arte, fortalecer a cultura e movimentar a economia do lugar de forma sustentável.

Oficinas, rodas de conversas, trocas de saberes, estudos e muito trabalho resultaram na criação de novas matrizes para as tramas da renda (também conhecidas como “papelão”). Daí nasceu uma coleção exclusiva de peças feitas pelas mãos das rendeiras, com designers desenvolvidos pela marca Catarina Mina, priorizando peças modernas e que ao mesmo tempo resgatam a antiga tradição. A coleção foi toda produzida durante o período de pandemia, respeitando todas as medidas de segurança para evitar o contágio por Covid-19.

O principal intuito do projeto é viabilizar recursos financeiros para as artesãs que fazem dessa arte parte de seu cotidiano e de seu sustento: “O projeto Olê Rendeiras está sendo maravilhoso. Muita coisa mudou para melhor. Agora vendemos bem, ganhamos o nosso dinheirinho”, ressalta dona Santinha.

Lançamento da Coleção

Após meses de trabalho, é chegado o momento de expor o fruto de tanta dedicação por parte das rendeiras. Na última sexta- feira (16), o projeto expôs 15 modelos de roupas produzidas pelas artesãs e que estão disponíveis para encomenda. O lançamento ocorreu no município de Trairi, com a presença das artesãs, que, com muito orgulho, afeto e gratidão, falaram sobre a experiência.

“Tivemos a tentativa de entrar em outros projetos, mas esse foi o único que sentimos confiança e o único que acreditou no nosso trabalho e apostou”, relata Ivania Davi de Souza, rendeira desde os 10 anos, que vive na Comunidade do Tamanduá.

Quem compra uma peça do Olê Rendeiras, leva para casa parte da história daquelas mãos que teceram a obra de arte em forma de roupa.

Cada peça vai assinada pela artesã que a fez, junto a um QR code, “assim você pode chegar mais pertinho dessa história, como tem que ser. São produtos que carregam o tempo afetivo dedicado pela rendeira e todo esse trabalho secular que dessa tradição. Acreditamos que, unindo a tecnologia com o trabalho manual das artesãs, é possível mudar o olhar para a renda de bilros feita em Trairi”, ressalta Celina Hissa, diretora criativa da Catarina Mina.

Social e sustentável

Sulamita Holanda, socióloga da Qair, destaca que o primeiro passo de execução do projeto se deu a partir do diagnóstico de 14 comunidades potenciais, em Trairi. “Realizamos oficinas, trabalhamos as expectativas, identificando os potenciais e as fragilidades. Assim, identificamos a necessidade de ressaltar a questão da mulher e do jovem na sociedade”.

Segundo ela, foi possível perceber que a renda de bilros era feita de uma forma bastante individual, e que havia a necessidade de trabalhar a coletividade entre as artesãs. “Percebemos também poucas perspectivas para os jovens. Logo depois desse diagnóstico, procuramos estudar e fazer contatos com outros projetos em busca de parceria, até encontrarmos o Catarina Mina. Assim, desenvolvemos o projeto juntos. Claro que tivemos todo um desafio. Quando chegamos, precisamos realizar todo um trabalho para estabelecer confiança entre as rendeiras e isso foi muito gratificante”.

“As mulheres passaram a conhecer umas às outras, a trocar informações, a conversar e compartilhar os saberes”, conta a socióloga Sulamita Holanda | Foto: Eduardo Queiroz

De acordo com Sulamita, as mulheres com mais idade diziam que amavam fazer a renda, mas que não queriam essa vida de rendeira para as filhas, por não ser um trabalho reconhecido. “A nossa ideia veio justamente para melhorar, tanto a autoestima dessas mulheres, quanto a qualidade dessas peças, além de manter viva a tradição. Fizemos todo um trabalho de resgate da arte, já que nesse momento de desvalorização, elas começaram a trabalhar com pontos mais fáceis, materiais mais baratos e tudo isso aos poucos, vem mudando com o projeto”.

E completa: “a gente percebe essa evolução de valorização do próprio trabalho e da tradição. Percebemos também a melhoria da interação entre as comunidades. As mulheres passaram a conhecer umas às outras, a trocar informações, a conversar e compartilhar os saberes”.

De geração para geração

Com a modernidade que influencia as novas gerações e sob o risco de distanciar as futuras bilreiras do traçado tradicional, o Olê Rendeiras, se destaca como um projeto de resgate dessa cultura, acrescentando um toque de atualidade à arte, sem comprometer sua identidade e tradição.

Geyvila Furtado, moradora da Comunidade Córrego dos Furtados, aos 21 anos é uma das rendeiras mais jovens do grupo e, como a maioria das artesãs, aprendeu a tecer com a sua mãe. Segundo ela, antes não havia estímulos para trabalhar como rendeira, já que o trabalho sofria com a desvalorização.

“Queriam antes pagar 20 reais em uma camiseta que levava cerca de um mês para ser feita.  Hoje, com o projeto, voltei a ter gosto, tanto por causa das peças que passaram a ser mais valorizadas, como pelo trabalho mais diferenciado e moderno que a gente faz agora. O tempo que eu perdia mexendo no celular, agora faço renda com a minha mãe. Dependendo, consigo arrecadar 150 reais em uma só peça, com a chegada do projeto”, finaliza.

Energias renováveis

A Qair é a subsidiária brasileira do grupo Qair Internacional, de origem francesa, com operações em doze países e larga experiência adquirida ao longo de 30 anos de atuação no mercado de energias renováveis. Empreendendo no Brasil desde o início de 2018, inicialmente com o nome Quadran Brasil, a Qair possui sua sede administrativa em Fortaleza e desenvolve vários empreendimentos em diferentes estados da
região Nordeste.

Sua carteira de projetos conta com 600 MW, entre projetos eólicos e solares em
construção, e outros 2.500 MW em diversos estágios de desenvolvimento. Em paralelo, a Qair realiza diversos projetos de responsabilidade socioambiental junto às comunidades onde mantém seus empreendimentos. Sempre buscando mostrar o melhor das pessoas, desenvolvendo suas habilidades e ensinando os caminhos para a conquista de autonomia financeira.

Valorização do trabalho artesanal

A Catarina Mina foi a primeira marca de moda do Brasil a abrir os seus custos de produção. Uma atitude que rompeu padrões no mercado brasileiro e que surpreendeu até mesmo o grupo que compõe a empresa: depois dessa decisão, em apenas 2 anos, a marca quintuplicou o número de artesãs com que trabalha. Desde 2005, a Catarina Mina produz moda, especialmente bolsas e acessórios, sempre de olho na parte mais importante de sua cadeia de produção: o artesão.

Lançando mão do design, construiu uma história de incentivo e investimento nas tipologias manuais, ganhando prêmios nacionais e desbravando mais de 17 países. O consumidor é parte ativa do processo, e é incentivado pela marca a entender sua
compra como um ato político, que reforça o modelo de mercado em que escolhe apostar. Assim, cultivando laços e ligando pontos entre consumidores, designers e artesãos, vai construindo o futuro, um futuro transparente com uma moda feita, principalmente, à mão.

Serviço

Onde comprar: www.catarinamina.com/pop-up-ole/ (sob encomenda)

Instagram: @olerendeiras

Newsletter

Se você ainda não está recebendo a nossa newsletter, inscreva-se acompanhar resumos quinzenais e conteúdos exclusivos em seu e-mail.

Sem Comentários ainda

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Pular para o conteúdo