Povos Tremembé de Itapipoca relatam terem sido alvo de incêndio criminoso no dia 21

Indígenas denunciaram nas redes sociais que uma barraca utilizada como barreira sanitária foi alvo de ataque durante a noite

Os indígenas não conseguiram salvar a estrutura das chamas, mas prometem reconstruí-la e continuar resistindo | Fotos: Rafael Tremembé

Por Rose Serafim
Colaboradora

Itapipoca – CE. Na noite do último domingo (21), a comunidade indígena Tremembé da Barra do Mundaú foi alvo de um incêndio criminoso de um barracão utilizado como barreira sanitária de enfrentamento à Covid-19. O espaço fica localizado no limite entre território indígena e o distrito de Marinheiros, no município de Itapipoca, litoral oeste cearense. Liderança indígena jovem da aldeia São José, Mateus Tremembé conta que não houve feridos, mas o ataque alimenta a sensação de insegurança entre os moradores.

“Graças ao pai Tupã e nossos encantados ninguém ficou ferido fisicamente, mas sentimos espiritualmente uma flecha apontada em nossa direção, pois temos um vírus que nos ameaça minuto a minuto e, agora, temos essa situação triste para o Povo Tremembé”, relata.

Na região, cerca de 150 famílias compõem quatro aldeias Tremembé: São José, Munguba, Buriti do Meio e Buriti de Baixo. O território, de 3.580 hectares, é repleto de belezas naturais, como rios, mangues, mar e dunas, e, dessa forma, tem sido alvo constante da especulação imobiliária.

De acordo com Mateus Tremembé, desde o início da pandemia do novo coronavírus, as ameaças tornaram-se mais frequentes. Esse comportamento, segundo ele, é reforçado pelo discursos do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, que coloca-se contra a demarcação de terras dos povos originários.

“Muitas dessas ameaças se tornaram frequentes, tendo em vista o apoio do governo federal, como entrada de pessoas dentro do nosso território sem autorização, invasão de terra nos limites com o distrito de Praia da Baleia entre outros”, explica Mateus.

O incêndio começou por volta das 21h, detalha o jovem indígena. Quando os moradores chegaram ao local, o fogo já havia se espalhado e não foi possível salvar a casa de palha. Na manhã seguinte, parte da madeira ainda foi retirada.

O suposto crime foi denunciado à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE). Após o ocorrido, os aldeados se reuniram e traçaram novas estratégias para lidar com possíveis ataques durante o período de isolamento rígido prorrogado até 28 de março no Estado.

A comunidade planeja reconstruir a estrutura que dá visibilidade ao território por ficar localizada em um dos pontos de entrada para as aldeias. O local era utilizado para decidir questões relacionadas à pandemia e como defender o território de possíveis infestações com o coronavírus, relata Mateus.

Segundo a liderança indígena, “é certo que foi um incêndio criminoso” tendo em vista as inúmeras ameaças que o território vem sofrendo, principalmente relacionadas à barreira sanitária que já havia, segundo o Tremembé, sido desrespeitada, enquanto barreira sanitária, e ameaçada.

Não é a primeira vez que o território é alvo de ataques com incêndios criminosos. Em 2012, cinco palhoças da aldeia São José foram queimadas. Até hoje, ninguém foi responsabilizado pelo caso, lembra o indígena.

Falta de recursos durante a pandemia

Além do risco de contaminação pela Covid-19, os indígenas precisam lidar com consequências sociais e econômicas nas quatro aldeias. Os moradores, que vivem da caça, pesca, agricultura, coleta de frutas e artesanato, estão cumprindo isolamento social e mantendo-se em casa. Dessa forma, há uma preocupação com a segurança alimentar e consumo de produtos saudáveis entre os aldeados.

“Estamos vivendo da agricultura familiar, da pesca artesanal e da criação de pequenos animais, além de estarmos recebendo a entrega de leite pelo Cras (Centro de Referência da Assistência Social) da Prefeitura. Muitos estão indo à cidade comprar insumos não perecíveis, mas tomando todos os cuidados necessários”, relata Mateus.

Segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), até esta segunda-feira (22), havia 117 casos suspeitos de Covid-19, 1.126 confirmados, 1.930 descartados, 130 infectados atualmente e 986 indígenas clinicamente recuperados da doença. Infelizmente, oito já morreram de coronavírus no Estado.

Em publicação no perfil do Instagram @tremembe_da_barra_, a comunidade apresenta fotos do ocorrido e pede apoio de autoridades estaduais para fortalecer as defesas do território e punir crimes contra as aldeias.

Ao mesmo tempo, as lideranças se reúnem para fortalecer estratégias de proteção às famílias do território. “Nós não vamos parar. Não vamos nos abater nem deixar que essas pessoas de má fé possam nos abater. Somos fortes, somos guerreiros e vamos à luta”, levanta Erbene Tremembé.

“Vamos reerguer (o barraco). Estamos aqui unificados, pedindo apoio de todos e todas os companheiros de luta na defesa dos povos indígenas para que possamos nos somar na corrente e vencer os inimigos visíveis e invisíveis”, ressalta Adriana Tremembé.

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