É sina da população do Semiárido a de migrar. Com efeito, a região não tem como sustentar uma população que cresce. As pessoas migram a procura de melhores condições de vida. Arriscam-se até. E, nesse processo, podem acontecer muitas coisas.
O caso das migrações do Semiárido para a Amazônia já é muito conhecido. As pessoas foram empurradas pelas crises de secas, especialmente a de 1877-79, e atraídas pela promessa de eldorado. Lá, na Amazônia, os problemas de cada um seriam resolvidos. Se tinham fome, só precisava ir ao rio, sempre bem próximo, pegar um peixe, e comer. Trabalho não faltava, os seringais se espalhavam.
Estudamos o assunto quando da realização da primeira ICID – Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável de Regiões Semiáridas. O tema ainda é atual, para todas as regiões. Lá, na ICID, tivemos uma apresentação sobre as migrações do Nordeste para a Amazônia, feita por Tania Bacelar e Jean Bittoun. Ver o artigo publicado no livro da ICID chamado “Climate Variability, Climate Change and Social Vulnerability in the Semi-arid Tropics”, editado por Jesse Ribot, Antonio Magalhães e Stahis Panagides, publicado pela Universidade de Cambridge.
Na década de 1950, o então jovem escritor paraense chamado Leandro Tocantins escreveu o livro “Um Rio Comanda a Vida”. Segundo esse escritor, esse livro foi a raiz dos seus livros posteriores, já que foi muito prolífico na sua vida. Ele escreveu, em um dos capítulos do “Rio Comanda a Vida”, que o estado do Acre basicamente foi anexado ao território brasileiro por causa dos nordestinos do Semiárido que foram expulsos pela seca de 1877, especialmente pelos cearenses. Em qualquer comunidade do Acre onde se chegasse se poderia fazer o teste. Todos eram nordestinos, a maioria era do Ceará. Com isso, eles conseguiram ocupar um espaço vazio para tirar seringa e aumentar o território brasileiro em cerca de 150.000 km2.
Hoje a situação está mudada, mas nem tanto. Nas solenidades no Acre, ainda se canta o hino do Ceará. Os cearenses chegaram ao Acre, encontraram uma esposa indígena, procriaram, muitos morreram, muitos ficaram dependentes do dono do seringal por toda a vida, alguns enriqueceram e puderam mostrar a pujança de Manaus e de Belém durante o ciclo da borracha. Nessa labuta, o rio era sempre o meio de transporte, o canal de riqueza e de pobreza. As cidades foram se estabelecendo nas margens do rio, que comandava tudo.
Leandro Tapajós fala dos batelões, os barcos comandados por árabes (sírios e libaneses) que dominavam o comércio nos recantos dos rios na Amazônia. Era a civilização aquática, a união entre o semiárido e a Amazônia, o seco e o úmido, as secas do Nordeste e as cheias dos rios amazônicos. Mas a mesma pobreza, a mesma população sobre quem se baseava o bem-estar de uma pequena minoria.
Nesse quadro, o Rio Amazonas despontava como o Deus de todas as águas, o rei que comandava tudo. Ainda é assim, embora a Amazônia esteja cada vez mais devastada para suprir a fome do mundo em novas madeiras, em soja e em gado.