Cosmovisão e miopia

Desenho em estilo cartoon de alto contraste em preto e branco. Ela retrata um homem de óculos sentado em um tronco caído em ambiente natural, possivelmente uma floresta, com folhas espalhadas no chão e galhos ao redor.
Bruno da Cunha Araújo Pereira, mais conhecido como Bruno Pereira, foi um indigenista brasileiro e servidor de carreira da então Fundação Nacional do Índio (Funai). Considerado um dos maiores especialistas em indígenas isolados do País, foi assassinado junto com o jornalista britânico Dom Phillips no dia 5 de junho (Dia Mundial do Meio Ambiente) de 2022

Nunca tinha ouvido falar do Vale do Javari. Quer dizer, tinha, mas nunca havia prestado atenção. Quando assassinaram Bruno e Dom, o Javari veio para o meu cotidiano, quase virou obsessão. Chorei vendo o canto de Bruno junto com as crianças indígenas, o modo doce como confiavam naquele homem grande e notadamente sensível.

Como no artigo de Leila Perrone Moysés, quando Gualdino foi incendiado na porta de uma pensão da W3 em Brasília, e ela escreveu que fomos nós que ateamos fogo por omissão e alienação, comecei a me sentir parte do conluio horrendo que matou Bruno e Dom. Onde estávamos que não percebemos? Onde estamos que não nos mantemos atentos?

O mandante foi condenado pela justiça formal em novembro de 2024. Quase três anos depois do absurdo, cometido e tratado como banalidade, repetição, fatalidade. Não, não é normal pessoas como Bruno e Dom serem cruelmente eliminadas. Não é certo permitirmos. Não é razoável, tolerável, admissível. O condenado não cumprirá nem metade da pena. E da real pena não sofrerá nada. O que matou Bruno e Dom não cessou, não tem data para acabar.

Como é essa conversa de sustentabilidade sem mergulhar nas profundidades de um universo de humanos que sofrem? Como participar de Conferências de Clima e não percorrer a lama que faz pesca predatória, garimpo em terra sagrada? Violenta mulheres desprotegidas, prostitui meninas esfaimadas? Muitos me acusam de apocalíptica, ingênua e não quero ser.

Prevalece e me fortalece o canto de Bruno, ninando e acalmando os quase bebês ao seu redor. O sorriso dele e das crianças tão tranquilas por sua presença linda. Não é o medo que me move.

É o amor emanado da canção.

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