Por Líliam Cunha
Colaboradora
Fortaleza (CE) / Salvador (BA). A ciência e a pesquisa são as principais fontes para o conhecimento e, neste 8 de julho, data em que celebramos o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador, convidamos os professores e pesquisadores Luis Ernesto Arruda e Carlos Teixeira, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), para explicarem a origem dos fardos de látex, que há quase dois anos surgem no litoral nordestino intrigando a população.
Fardos de látex ressurgem em praias do litoral pernambucano
Na última semana, após terem reaparecido em diversas praias do litoral pernambucano, as “caixas misteriosas”, termo pelo qual os fardos são noticiados, voltaram a ser notícia e “viralizaram” nas redes sociais com usuários de todo o País questionando o motivo de tal mistério. Com a ajuda da ciência e do trabalho dos pesquisadores, trazemos mais uma vez o assunto à tona para revelar a origem do material e os motivos para que continue surgindo em nosso litoral. Confira:
Agência Eco Nordeste – Em outubro de 2019, com a chegada do óleo ao litoral nordestino, o Labomar realizou um estudo para averiguar se havia relação entre o óleo e os fardos de látex que apareceram pela primeira vez um ano antes e reapareceram com o óleo. Agora em julho, novamente, óleo e fardos ressurgiram em nosso litoral. Há uma relação sazonal? Está ligada à Corrente Marinha Sul Equatorial?
Carlos Teixeira – Não há uma relação sazonal, pois o óleo começou a chegar no fim de agosto à costa brasileira e somente em meados de setembro à Bahia. Ainda estamos no início de julho, portanto a quase 60 dias do fim de agosto. O aparecimento também não está mais ligado à Corrente Sul Equatorial. Esta corrente trouxe o óleo e as caixas para a proximidade da costa brasileira, mas acreditamos que o óleo que está chegando agora já se encontrava próximo à costa, no fundo do mar, provavelmente soterrado por sedimentos. Devido às maiores ondas originadas pelos fortes ventos que vêm ocorrendo nos últimos dias, este óleo provavelmente está sendo de-soterrado e trazido para a costa. No caso das caixas, elas já estão nas praias, neste caso as maiores ondas só transportam as mesmas da praia para o mar e daí para outros lugares.
EN – Se esses fardos estavam há tanto tempo no mesmo lugar, o que pode ter mudado para que eles se deslocassem e chegassem até a costa?
Teixeira – A ocorrência de maiores ondas e maiores marés faz com que a água chegue a pontos mais altos da praia e tenha energia para transportar estas caixas novamente para a água de onde são transportadas pelas correntes costeiras para outros lugares.
EN – Elas já estão nas praias e são levadas de volta para o mar? Por que não são retiradas pelos órgãos competentes?
Luis Ernesto Arruda – Deveriam ser retiradas. Mas muitas não são. Acabam ficando nas praias. Aí as ondas e as marés levam e trazem de volta e levam para outras praias.
EN – Quantas pessoas participaram o estudo realizado pelo Labomar?
Arruda – A pesquisa foi realizada por mim, professor Luis Ernesto Arruda, e pelos professores Carlos Teixeira e Rivelino Cavalcante.
EN – Como essa pesquisa foi realizada?
Arruda – A indicação da origem dos fardos veio de uma foto tirada por mim, na Praia de Almofala, no Ceará, que tinha a inscrição “Product de French Indochina“. Uma busca feita pelo professor Carlos Teixeira o levou ao navio alemão Rio Grande. No registro do seu naufrágio, feito pela Marinha americana, é reportado que o mesmo carregava fardos de borracha com a Inscrição Indochina Francesa. A partir daí, aprofundamos várias questões, como a modelagem matemática feita do ponto do naufrágio, mostrando que os fardos chegaram ao Nordeste do Brasil saindo do ponto do naufrágio e a presença de lepas (um tipo de craca – cracas são crustáceos) em um fardo encontrado por mim. Lepas são espécies oceânicas, o que indicava que os fardos vieram de mar aberto.
Algo semelhante já tinha acontecido na Europa. Em 1996, fardos de borracha chegaram a várias praias do norte da Europa (da Espanha à Noruega/Suécia). Eram fardos de um navio japonês torpedeado por um submarino alemão na Primeira Guerra Mundial. E a cereja do bolo foi a foto do interior do Rio Grande, a 5.700 metros de profundidade, tirada por um submarino que o visitou, com os fardos em seu interior. Para completar, um vídeo do exército americano, feito em março de 1944 (dois meses após o naufrágio do Rio Grande), mostra pescadores da enseada do Mucuripe, em Fortaleza, chegando às praias com esses fardos (provavelmente, os que boiaram logo após o naufrágio do navio).
EN – É possível saber a origem real desses fardos?
Arruda – São oriundos da Indochina Francesa, que foi uma grande produtora de borracha na primeira metade do século XX, e que durante a Segunda Guerra Mundial foi ocupada pelos japoneses. Esses fardos faziam parte do esforço de guerra nazista.
EN – Estes resultados já foram divulgados, mas o reaparecimento dos fardos trouxe de volta o termo “caixas misteriosas”. Para vocês o “mistério” já foi desvendado ou ainda há o quer ser revelado?
Arruda – Não há dúvidas de que os fardos são do Rio Grande. Dois dias após o naufrágio dele, outro navio alemão, que também carregava fardos de borracha, foi afundado, o Burgenland, de modo que os fardos também podem ser dele. Contudo, como ele está mais ao norte do que o Rio Grande, a modelagem matemática mostra que, se os fardos saíssem dele, não chegariam ao Nordeste do Brasil, mas sim ao Amapá. Inclusive, os sobreviventes do Burgenland ficaram à deriva e foram resgatados no Amapá.
EN – Vocês deram 99% de certeza de que estes fardos faziam parte da carga do navio SS Rio Grande e o laudo da Polícia Federal, datado de abril de 2019, revelou que os componentes químicos utilizados na cura do látex são prejudiciais ao meio ambiente e às pessoas e que fragmentos do látex, no fundo do mar, podem ser confundidos com alimentos e levar à morte algumas espécies marinhas. Se já sabemos de tudo isso, por que estes fardos continuam no fundo do mar? Há como retirá-los?
Arruda – Não há como retirá-los. O Rio Grande está a 5.700 metros de profundidade. Inclusive, até o fim do ano passado, figurava no Guiness Book como o naufrágio mais profundo já visitado, por submarinos não tripulados, chamados Remote Operate Vehicle (ROV). O chefe da equipe que encontrou o Rio Grande participou da equipe que achou o Titanic. Para se ter uma ideia de como ele está fundo, o Titanic está a 3.800 metros de profundidade. Uma expedição para mandar um ROV até essas profundidades custa na casa do milhões de dólares. Esses fardos vieram à tona e chegaram às praias porque, com o tempo, o navio se deteriorou, os fardos se soltaram e subiram à superfície, onde boiaram e foram carregados pelas correntes até as praias.