Retrato de Alberto Nepomuceno, de Eliseu Visconti

Gilmar de Carvalho
Jornalista, publicitário, professor, pesquisador e escritor
gilmarcarvalho15@gmail.com

Os cem anos de morte de Alberto Nepomuceno, neste 2020, é um indicativo interessante para a memória cearense. A partir daí, pode-se discutir a ênfase dada a determinados personagens, em detrimento de outros, e à falta de políticas culturais que nos levem a uma efetiva valorização do que contou para o Ceará. Isso se torna mais premente quando a moda é dar nomes de ricos aos bairros, é “vender” praças que terão o nome dos ascendentes dos mecenas, e outras coisas do mesmo tipo.

Alberto Nepomuceno não pode ser acusado de ser menos importante. Ao lado de Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, ele forma a elite dos compositores brasileiros, com formação erudita. Gravado no exterior, ponto de partida para muitas dissertações, teses e pesquisas, Nepomuceno é uma referência quando se fala de música brasileira.
Não se pode dizer que apenas tenha nascido aqui. Manteve durante a vida inteira, seus vínculos com o Ceará. Aos dez anos, trazido pelo pai, Victor, regente do órgão da Sé de Fortaleza, que decidiu se mudar com a família para o Recife, em 1872, voltou em 1874, para uma apresentação cuja renda reverteria para um rabequista que devia atravessar problemas financeiros. Está no jornal “Constituição“.

Alberto e Emília tocaram a quatro mãos um “Morceau de Salon“, peça sem maior importância, mas uma mostra de como a carreira dele foi modelada pelo pai. A mãe era irmã do escritor Oliveira Paiva, autor de “Dona Guidinha do Poço”, publicado em folhetins no século XIX, e em livro apenas em 1952, depois de “descoberto” pela escritora e crítica Lúcia Miguel Pereira.

Victor morreu cedo e o filho teve de passar a ser arrimo da família, trabalhando em gráficas do Recife, para manter o sustento das duas. Também dava aulas de música. Nesse ínterim, conviveu com jovens que estudavam na Faculdade de Direito da capital pernambucana, foco de irradiação e ideias filosóficas, onde foi convencido a estudar alemão.

Em 1824, eles voltaram ao Ceará. Alberto se ligou aos abolicionistas. Dizem que escreveu em jornais locais, ainda que estes artigos não estejam à disposição dos leitores de hoje.

Ele regeu o Concerto da Abolição, dia 25 de março, na Assembleia Provincial, onde hoje funciona o Museu do Ceará. Este Concerto não faz parte do currículo do compositor, organizado por seu neto Sérgio Nepomuceno Alvim Correia.

O programa foi publicado pelo jornal “O Libertador” e dele faziam parte composições sem autores, que nos levam à conclusão de que poderiam ser peças do próprio Nepomuceno, que talvez tenha preferido não assumir a autoria, tão jovem e imaturo que era.

Ele se fixa no Rio de janeiro, em seguida, e tem uma bolsa para a Europa negada pelo Imperador, por conta de suas ideias republicanas.

Volta a Fortaleza, em 1888, para a apresentação de uma peça importante de seu repertório, o “Batuque – Dança de Negros“. Era seu manifesto abolicionista e, quem sabe, influência dos maracatus e congos que desfilavam pelas ruas de Fortaleza.

Depois de oito anos de Europa, passando pelos grandes centros musicais, ele volta ao Brasil e se fixa no Rio de Janeiro e não poderia ser diferente.

Compôs, foi diretor do Instituto Nacional de Música, e provocou um mal-estar em 1908, quando levou Catulo da Paixão Cearense, violonista e compositor popular, para uma apresentação naquele templo conservador.

Catulo era outro “exilado”. Saiu do Maranhão, onde nasceu, depois de problemas com a família, passou pelo Ceará, e gostou tanto que passou a ser Catulo da Paixão Cearense, o autor do “Luar do Sertão“, clássico da música sertaneja.

Nepomuceno fez uma grande ruptura quando começou a compor canções em língua portuguesa. Disse “não ter pátria um povo que não canta em sua língua”. Fez mais de 80 canções a partir de poemas de grandes nomes como Olavo Bilac, Machado de Assis, Coelho Neto, e dentre seus parceiros se destacou o poeta cearense Juvenal Galeno, chamado “pai” da poesia a partir das tradições populares.

A última canção composta por Nepomuceno foi “A Jangada“, um poema de Galeno. Foi sua despedida do Ceará, antes de morrer, aos 56 anos, deixando um legado formidável que precisava ser melhor trabalhado pelo Ceará.

Ele é autor do Hino Do Estado do Ceará, com letra de Thomaz Lopes, composto em 1903, para os festejos do terceiro centenário do Ceará, contados a partir de Pero Coelho. “Tua jangada afoita enfune o pano / Vento feliz conduza a vela ousada / Que importa que o teu barco seja um nada / Na vastidão do oceano / Se à proa vão heróis e marinheiros / E vão no peito corações guerreiros?”.

De acordo com a lei, o Hino tocará antes dos mais importantes eventos esportivos, o que poderá levar a uma maior disseminação dele, o que não se conseguiu ao gravá-lo na versão baião, torém, coco, toada, choro, xote maracatu e pop-rock, anos atrás (2004).

Depois de uma enumeração longa de seus feitos, fica a pergunta, o que fizemos, além da ereção de uma estátua ao lado da Secretaria da Fazenda? Na escultura em bronze, ele olha para o centro, a partir da avenida que ganhou seu nome e leva à Sé, demolida, em 1934, para a construção do templo que temos hoje.

Faz tempo que se desenrola uma briga jurídica entre uma sociedade com fins lucrativos, que dirige o Conservatório Alberto Nepomuceno, e a Universidade Federal do Ceará (UFC), dona do prédio no Benfica, onde a associação educativa musical se instalou.

Fora isso, o silêncio em torno de Nepomuceno.

Por que não se pensar uma política de tornar suas composições acessíveis? As tecnologias estão aí para facilitar isso tudo. Não precisamos mais de estúdios ou de suportes físicos para a música. desde que tudo passou a ser ouvido “on-line”.

E as escolas, onde ficam nisso tudo?

Em tempo de destruição de monumentos, Alberto Nepomuceno não foi escravagista, não foi amigo do Rei, e não defendeu a Guerra do Paraguai.

Por falar nisso, o auditório da Reitoria continua a se chamar Castelo Branco, conforme placa em metal dourado, na porta de entrada, o que mostra como está sendo difícil remover o entulho autoritário, se é que existe este propósito.

Importa agora ver Nepomuceno não com herói, mas como o cearense e brasileiro notável que ele foi, merecedor de uma maior atenção dos nossos gestores.

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