Por Alice Sales
Colaboradora
Fortaleza – CE. Neste cenário atual de pandemia que ameaça inúmeras vidas humanas, os povos indígenas estão entre as comunidades que mais enfrentam dificuldades para sobreviver. Para se proteger do vírus Covid-19 precisam estar isolados em suas aldeias e, por causa disso, seu trabalho está sendo prejudicado, inviabilizando renda para as necessidades mais básicas, como a alimentação das famílias. Esse é o caso de diferentes comunidades indígenas no Estado do Ceará.
Segundo Samuel Nascimento, liderança do Povo Tremembé, que vive no litoral oeste cearense, conseguir alimentos para as famílias de sua comunidade está sendo um desafio a se enfrentar. “Hoje nós temos quatro aldeias, são 150 famílias que precisam de apoio para se manter nesta quarentena. Estamos em isolamento social e essa questão da alimentação está sendo muito difícil, porque nós não estamos tendo acesso às cidades onde a gente compra alguns mantimentos para alimentação. Na cidade a gente busca arroz, café, macarrão e às vezes feijão, dependendo do tempo da colheita. Esse tipo de material não perecível hoje está faltando na nossa mesa para complementar com os alimentos que conseguimos da natureza.”
Muitas das pessoas que vivem nessas comunidades são pequenos agricultores, pescadores, coletores de frutas, extrativistas, artesãos, marisqueiros que enfrentam a impossibilidade de trabalhar e comercializar seus produtos, e com isso, estão vivendo em situação bastante precária. Além disso, Samuel ressalta que uma das formas de gerar renda nas comunidades são os festejos tradicionais que atraem visitantes e são momentos de venda de artesanatos e produtos produzidos nas próprias aldeias, contudo, por causa da necessidade de isolamento, esses festejos foram suspensos.
Estima-se que o Povo Tapeba, sitiado no município de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), tenha uma população de 9 mil indígenas, distribuídos em 19 comunidades diferentes. De acordo com Weber Tapeba, representante de seu povo e advogado, são pessoas que estão passando por dificuldade, como é o caso dos marisqueiros que trabalham no Rio Ceará e não estão conseguindo vender os mariscos coletados por causa dos efeitos do isolamento social. “Com isso há muitas pessoas com dificuldade de acessar dinheiro para complementar a renda de suas famílias. Há muita gente do Povo Tapeba passando por dificuldades”, afirma.
Lucas Guerra, assessor jurídico do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, engajado em campanhas que auxiliam essas comunidades, avalia que os povos indígenas estão estre os públicos que mais estão sofrendo com essa situação atual de pandemia, principalmente pelo fato de nos últimos anos ter havido desmontes nas políticas públicas voltadas para os povos indígenas, inclusive nas relacionadas com assistência social e segurança alimentar, além da fragilização nas políticas de saúde.
“Isso é somado ao fato de que no Ceará, de todas as terras indígenas, apenas uma encontra-se demarcada. Há uma insegurança jurídica muito grande, em que os povos não possuem a posse plena de seus territórios e que também não podem garantir a sua sobrevivência e autonomia alimentar. Algumas campanhas estão sendo desenvolvidas, mas o mais importante é que o Estado possa assumir e garantir o mínimo de segurança alimentar para as pessoas que vivem nessas comunidades”, ressalta.
Campanhas
Para conter as grandes dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas, campanhas estão sendo articuladas para a arrecadação de alimentos que deverão auxiliar muitas famílias, algumas inclusive sendo mobilizadas pelas redes sociais. O Centro de Estudos do Trabalho e Assessoria ao Trabalhador (Cetra), é uma das organizações que estão viabilizando estas articulações. 20 cestas básicas foram doadas a 20 famílias dos Povos Tremembés e a campanha segue.
O Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza também está à frente dessas articulações que vem ajudando comunidades indígenas, quilombolas e pessoas em situação de ruas. Além disso, há nas comunidades campanhas internas, como é o caso do Povo Tapeba que articula também uma campanha própria para que famílias ajudem umas as outras, tendo as escolas das comunidades como centros de arrecadação. Segundo Weber Tapeba, nas últimas semanas, 359 famílias receberam por meio de doações cestas de alimentos e o objetivo é que esta semana seja possível ajudar pelo menos mais 100 famílias.
“Nesse momento temos feito um esforço muito grande para garantir apoio àquelas famílias que estão passando por situações mais delicadas, por que há pessoas que não possuem renda nenhuma. Além das campanhas, como movimento indígena produzimos um documento pedindo para que o Governo Federal por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Ministério da Justiça e Ministério da Cidadania, que eles garantam a liberação de 4 mil cestas de alimentos em regime emergencial para as famílias indígenas do Ceará que estão em situação bastante delicada”.
E completa: “Nós estamos aguardando. Há a possibilidade de eles atenderem, mas concretamente nada foi feito ainda. Acionamos a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) requisitando, em juízo, medidas de prevenção de combates à pandemia dentro das nossas áreas. Dentro desse conjunto de reivindicações estão pautadas a necessidade de o Governo federal liberar cestas de alimentos para as comunidades indígenas, a realização de um Plano de Contingência e a liberação de material de proteção individual para profissionais indígenas que trabalham como técnicos de enfermagem, agentes de saúde e que estão na linha de frente com as comunidades, além das pessoas que estão adoentadas, as que estão sob suspeita de estar com o coronavírus, e aquelas que precisam sair de suas comunidades para resolver coisas prioritárias, como ir a banco, receber o auxilio emergencial e afins”.
Organizações Competentes
Em nota, a Funai informou que está “se articulando junto a diferentes setores do governo para a aquisição e distribuição de cestas básicas a indígenas em situação de vulnerabilidade”. Há duas semanas, a Funai recebeu R$ 10,840 milhões de recursos emergenciais para usar na proteção de indígenas contra o avanço do novo coronavírus. No entanto, até hoje, nenhum centavo desse recurso foi utilizado, quando o País já soma ao menos nove casos e três mortes de indígenas pela Covid-19.
Por sua vez, a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos (SPS) do Ceará disse que “está em constante contato com as etnias indígenas e adquirindo cestas básicas para serem entregues a grupos indígenas e outros que estejam com essa necessidade atualmente”.
Segundo a SPS, na última semana, houve a doação de duas toneladas de alimentos, além de itens de vestuário, higiene pessoal e material de limpeza. A secretaria, todavia, não especificou quantas famílias foram beneficiadas e em quais comunidades.
Plano de Contingência
Para assegurar o bem-estar das comunidades indígenas durante a pandemia, um Plano de Contingência Indígena foi lançado pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Governo Federal. Com base no documento, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) expediu uma recomendação à Prefeitura de Itapipoca visando a efetivação das orientações. De acordo com o Ministério Público, os órgãos responsáveis precisam “prover as comunidades tradicionais com apoio às necessidades básicas, notadamente a segurança alimentar”.