Fumaça de uma das 3 chaminés da Galvani Fertilizantes em funcionamento vista do lado direito do complexo onde fica a plataforma de inspeção dos caminhões de carga e descarga | Foto: Genilzia Pereira

Por Genílzia Pereira *

Não dá para se pensar, a curto prazo, num mundo sem fertilizantes com a atual população e a demanda cada vez mais alta por alimentos. O efeito imediato de se parar o uso de fertilizantes minerais é a diminuição drástica das culturas alimentícias devido à insuficiência de materiais orgânicos do próprio solo para crescimento e manutenção das plantas e, com isso, populações inteiras seriam atingidas pela fome. Esta é a lógica da produção de alimentos em escala.

Então, se não dá para se pensar num mundo sem fertilizantes, não dá para pensar também numa indústria de fertilizantes em conformidade com o bem-estar da população e preservação dos recursos naturais que a cerca? Esta parece ser uma conta difícil de fechar numa cidade do oeste baiano.

Quem passa pelo KM 526 das BRs 020 e 242, na Bahia, inevitavelmente tem a visão da fumaça ininterrupta de cor branco-acinzentada que corta os céus de Luís Eduardo Magalhães. A fumaça sai das chaminés do centro industrial da Galvani Fertilizantes, empresa líder na produção e comercialização de fertilizantes fosfatados na região agrícola denominada Matopiba que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, cujo lucro líquido foi de R$ 122,4 milhões em 2021. Essa fumaça, considerada tóxica, tem causado problemas que não são vistos nos dígitos dos lucros e nem na vastidão das lavouras sustentadas pelos fertilizantes.

“Tosse, bronquite, alergias, rinite e a gente conclui que era o pó da fumaça da Galvani que poderia estar causando esses males”, diz Iara Santos Pereira Silva, professora da rede municipal, que morou próximo a Galvani de 2007 a 2017. A casa da professora fazia parte da quadra 4, onde, além dela, residiam um primo com a família, uma empresa autônoma de conserto de automóveis e um microempresário, também com família, que vendia gás de cozinha. Este último, “por conta até da poluição (…) teve que se mudar. (…) e, como nós não tínhamos condições de adquirir um outro imóvel e nem condições de pagar um aluguel, permanecemos ali”.

Durante os 10 anos em que foi vizinha do centro industrial da Galvani Fertilizantes, Iara e sua família tiveram problemas de pele, como irritações. “A gente fazia exame e era determinado como causa contaminações externas”. Em março de 2018, a empresa alugou as casas e lotes da quadra 4 e em 2022 selou um acordo de compra com os moradores.

A saga vivida pela professora foi continuada por Renílson Lima de Jesus, 46, trabalhador no ramo de reciclagem que se mudou, em 2013, da cidade baiana Baixa Grande para Luís Eduardo Magalhães “atrás de dias melhores”. Segundo ele, a proximidade de sua casa com a Galvani “prejudica a casa e a saúde”. O reciclador atribui a falta de ar constante dos três filhos à fumaça diária expelida pela empresa de fertilizantes, “É difícil pra a gente. Não moramos aqui por querer. É falta de opção, por necessidade”.

O estudo “Influência das fábricas de fertilizantes na composição das águas da chuva e subterrânea”, elaborado por pesquisadores da Laboratório de Oceanografia Geológica da Universidade Federal do Rio Grande/RS, em 2000, sobre a influência das empresas de fertilizantes na composição das águas da chuva, aponta que um dos poluentes mais característicos dessas indústrias são os fluoretos, resultantes da conversão de rochas fosfatadas em fertilizantes e é possível ocorrer sérios danos aos animais, às plantas e ao ser humano, pois, ao ser assimilado pelos organismos, este elemento provoca efeitos tóxicos.

Para se verificar a quantidade de fluoreto e outros compostos químicos na fumaça liberada pela Galvani foi solicitado à Secretaria Municipal de Sustentabilidade o resultado do monitoramento da qualidade do ar naquela região, no entanto a Secretaria declarou não realizar esse procedimento. Foi, então, pedido o relatório anual de monitoramento atmosférico enviado pela própria empresa ao órgão, mas não foi enviado até o fechamento desta reportagem.

A qualidade do ar, assegurada pela Lei Nº 251/07, de 30 de maio de 2007, que institui o Código do Meio Ambiente de Luís Eduardo Magalhães, enfatiza que se deve seguir critérios e padrões de qualidade com controle dos níveis de poluição atmosférica por meio do monitoramento sistemático das atividades que afetam quantitativa ou qualitativamente os recursos naturais.

Em entrevista, o titular da Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Renato Faedo disse, “às vezes, a pessoa está reclamando e, se a empresa tiver as condicionantes que aqueles níveis de poluição (…) estão dentro do aceitável, dos parâmetros, aí não tem o que fazer. Mas a gente está aqui para atender o cidadão. Então, qualquer reclamação que chegar, nós automaticamente vamos procurar ouvir da empresa, no caso a Galvani, se realmente está acontecendo”.

A dona de casa M.D.A, 62, moradora do entorno da empresa, declara: “logo quando eu mudei para perto da Galvani, a gente sentiu um impacto muito forte. Sentia dores abdominais, falta de ar. A minha filha mudou para Brasília e teve que fazer uns exames e um médico perguntou se ela já tinha trabalhado em empresa que tinha produtos químicos. Ela disse que não. E eu creio que foi por causa do tempo que ela morou aí que prejudicou”.

Após as entrevistas com os moradores, no dia 23 de junho foi enviado e-mail à Assessoria de Comunicação da Galvani Fertilizantes com a solicitação do posicionamento da empresa sobre a situação, porém não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

Zona residencial e/ou industrial?

O Plano Diretor de Luís Eduardo Magalhães orienta que nas zonas residenciais pode haver o uso misto de serviços e produção de fábricas e indústrias de pequeno porte, que não resultem em impactos locais de vizinhança. No entanto, a Galvani Fertilizantes não se enquadra mais no quesito “pequeno porte” e foi isso que o morador Renílson presenciou ao longo dos anos, “a Galvani era recuada para frente, mas a Prefeitura cedeu o local que era para ser área verde e a Galvani se aproximou mais da gente”.

Mateus Silva Nascimento, pintor, que morou perto da Galvani entre 2004 e 2021, alega: “quando a gente construiu, a Galvani era mais afastada, bem mais perto da BR. Não tinha os pavilhões que tem agora. Naquele tempo a gente não reclamava, começamos a reclamar quando veio mais para perto da gente”.

O professor de Química Analítica da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), José Domingos da Silva, declara que, “os governos têm obrigação de prover o crescimento industrial separado do aglomerado urbano”. Ele também observa que, pela ocupação residencial ao redor da Galvani ter sido feita de forma ordenada, o Poder Público foi conivente com a situação. O secretário Faedo defende que “deve ter havido esse estudo de impacto socioambiental com a vizinhança, justamente porque (…), se ela não atendesse a esses condicionantes, com certeza não seria autorizada ampliação ou mesmo concretização desse aumento do tamanho da indústria”.

O morador Renílson acrescenta: “ela vai construir mais. Vai vir mais perto para apertar a gente. Cada hora que passa a gente fica mais sufocado”.

Risco inerente, risco sofrido

O professor José Domingos enfatiza que a proximidade entre indústria e residências acarreta um “risco inerente, pois pode ocorrer um acidente industrial na vizinhança”. Este risco já foi vivido pelos moradores próximos à empresa de fertilizantes. “Há pouco tempo soltaram um produto aí que todo mundo passou mal, tipo um gás. Ainda bem que foi rápido, se fosse uns 10 minutos a gente tinha morrido. Sentimos falta de ar, olhos ardendo. Tem uns sete meses já. Entramos em contato com a Galvani e vieram ver se a gente precisava de um auxílio médico e tudo, mas daí para cá sumiram. Disseram que um técnico iria verificar e voltava a se comunicar com a gente, mas isso não foi feito”, relata o morador Renílson.

Questionado sobre esse episódio, o secretário Renato Faedo disse, “há uns 7, 8 anos, não lembro, aconteceu um acidente desse. Uma válvula desses filtros travou e deixou escapar esse gás porque eles trabalham lá com amônia, que causa essa questão da asfixia porque ela retira o oxigênio e você sente aquela sensação de falta de oxigênio. É um problema sério, grave e que, na época, eles já solucionaram de imediato e hoje acredito que eles devam ter equipamentos bem sofisticados para detectar qualquer tipo de vazamento”.

Foto de homem branco um pouco calvo com cabelos grisalhos vestindo uma camisa de gola polo azul e braços apoiados sobre uma mesa branca onde há documentos que ele lê
Titular da secretaria Municipal de Sustentabilidade de Luís Eduardo Magalhães, Renato Faedo | Foto Genilzia Pereira

No e-mail enviado, no dia 23 de junho, que até o momento não teve resposta, foi questionado à Galvani sobre o incidente de vazamento de gás.

Passivos da indústria de fertilizantes

Um outro estudo, “O passivo ambiental do fosfogesso gerado nas indústria de fertilizantes fosfatados e as possibilidades de aproveitamento”, de pesquisadores do Curso Engenharia Ambiental da Universidade de Uberaba/MG, publicado em 2013 pelo Centro Científico Conhecer – Enciclopédia Biosfera, aponta que o fluoreto resultante das emissões atmosféricas de empresas de fertilizantes fosfatados também causa uma considerável degradação na qualidade atmosférica e, consequentemente, no restante do ecossistema da região. As plantas atingidas pelo composto químico sofrem danos, como diminuição do seu crescimento e rendimento.

Enquanto morou ao lado da Galvani Fertilizantes, Mateus observou: “geralmente, a minha mãe planta muito e você vê pelas plantas que elas se desgastam muito rápido. Não é nem pelo sol. É pela fumaça. Não sei a química que tem na fumaça da Galvani, mas aquela fumacinha que cai ali acaba prejudicando as plantas”.

No contexto atual de crise hídrica com a instabilidade das chuvas, uso desregulado e demanda crescente por água potável, outra preocupação é a produção do passivo ambiental do fosfogesso gerado pelas indústrias de fertilizantes fosfatados. Este resíduo causa um grande impacto visual com suas enormes montanhas de armazenamento, além de ser causa potencial de contaminação de lagos, rios, solo e até mesmo o lençol freático, quando a disposição é feita sem a impermeabilização do solo.

A composição química da fumaça, bem como a existência e destinação de rejeitos ou passivo ambiental resultante de sua produção de fertilizantes, também foram questionadas à Galvani, porém, como as outras perguntas, não teve resposta.

Moradores vem e vão,
os problemas continuam

Iara e Mateus não moram mais perto da Galvani. A professora diz que o acordo de venda da sua casa para a empresa “foi benéfico para os dois lados”. Já o pintor se casou e seguiu seu caminho: “a gente comprou uma casa em outro bairro, pois minha esposa sempre quis mudar por conta da Galvani, do pó e das doenças que ela tinha. Isso me motivou mais ainda para mudar. Agora minha esposa está melhor”.

Enquanto isso, a dona de casa M.D.A, moradora do local há 18 anos, lamenta: “é tão terrível essa fumaça que minha filha, que mora em Brasília, quando vem para Luís Eduardo, arruma outros lugares para dormir, porque ela se sente prejudicada”. O reciclador Renílson espera: “a gente pede que alguém da Galvani apareça aqui, converse com os moradores sobre o que está prejudicando para melhorar”. E, do outro lado, a Galvani permanece em silêncio.

* Genílzia Pereira elaborou esta reportagem com bolsa de jornalismo fornecida pelo ClimaInfo com o apoio financeiro do Instrumento de Parceria da União Europeia com o Ministério Federal Alemão para o Meio Ambiente, Conservação da Natureza e Segurança Nuclear (BMU) no contexto da Iniciativa Climática Internacional (IKI). Os conteúdos desta publicação são de inteira responsabilidade dos seus organizadores e não necessariamente refletem a visão dos financiadores.

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