Agropecuária faz desmatamento ser maior no Cerrado que na Amazônia

Pela primeira vez, a perda de vegetação nativa no bioma ultrapassou os números da Amazônia. Em 2023, foram 1,1 milhão de hectares desmatados, 2,4 vezes mais do que na floresta tropical. Municípios do Matopiba são os campeões.

Foto colorida de trator em deslocamento em área de plantio tendo ao fundo vegetação nativa de Cerrado e um platô coberto de vegetação

Matopiba concentrou 47% de todo o desmatamento no Brasil. Sozinha, a região desmatou quase 2 vezes mais do que toda a Amazônia | Foto: Camila de Almeida

Dados da rede MapBiomas sobre desmatamento no Brasil divulgados dia 28 de maio pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) reforçam que o País precisa olhar para o Matopiba com urgência. Segundo o Relatório Anual de Desmatamento (Rad), a região liderou a perda de vegetação nativa no Cerrado, ao concentrar 74% de toda a destruição no bioma, com um total de 826.805 hectares de vegetação nativa perdida. 

O bioma teve um aumento de 68% no desmatamento, enquanto na Amazônia houve uma queda de 62%. Os dados são preocupantes, uma vez que o Cerrado é considerado o berço das águas no Brasil e abriga nascentes de 8 das 12 principais bacias hidrográficas do País. Além disso, as árvores desta que é a savana mais biodiversa do mundo possuem raízes capazes de armazenar grandes quantidades de carbono, que voltam à atmosfera quando a vegetação é suprimida.

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia -, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado, desde os anos 1980, como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação, não só do bioma Cerrado, mas do bioma Amazônia.

O Relatório aponta que a agropecuária, com abertura de cada vez mais áreas destinadas a pastagens e lavouras, foi responsável por 98% da supressão de vegetação nativa do Cerrado durante o ano de 2023. Tanto que mais da metade dos registros (65%) estão relacionados a alertas de grande porte, com mais de 100 hectares desmatados, um perfil possivelmente associado à expansão de fazendas.

O Matopiba se destaca em diferentes categorias do ranking: tem os dez municípios que mais desmataram o bioma – São Desidério (BA) é o primeiro lugar, com 40 mil hectares desmatados; e também os alertas de maior tamanho e velocidade. Alto Parnaíba (MA) teve o maior alerta de todo o Brasil, com um único caso de desmatamento removendo 6,6 mil hectares de vegetação; e Baixa Grande do Ribeiro (MA) teve o mais veloz, 944 hectares desapareceram em apenas oito dias. 

Municípios que antes não figuravam entre os maiores desmatadores também chegam como novatos entre os campeões: Alto Parnaíba (MA), que desmatou mais de 29 mil hectares, com um aumento de 295% em relação a 2022; Rio Sono (TO), que aumentou seu desmatamento em 864% ao ultrapassar 21 mil hectares; e Cocos (BA), onde a área devastada foi de mais que 20 mil hectares, com um aumento de 512%. 

“Combater o desmatamento no Cerrado se torna um desafio a mais em um contexto onde a legislação é permissiva no bioma. Por isso, precisamos ter mais transparência e controle sobre a questão da legalidade para que se possa aprimorar e desenhar politicas públicas e privadas, que acabem com o desmatamento ilegal e desincentive o desmatamento legal, visando um uso mais eficiente das áreas já desmatadas”, alerta Ane Alencar, diretora de Ciência do Ipam.

Especialistas defendem compensação
para incentivar proteção em áreas privadas

Um dos grandes desafios no Cerrado é que a maior parte das terras do bioma está em áreas privadas e, segundo o Ipam, são necessários mais incentivos econômicos para conseguir reduzir o desmatamento, com mecanismos de remuneração financeira para os proprietários que protejam áreas além da porcentagem mínima estabelecida pelo Código Florestal. Enquanto na Amazônia a legislação limita a 20% o permitido para ser desmatado em propriedades privadas, no Cerrado a permissão é de até 80%.

Um exemplo de incentivo financeiro desenvolvido pelo próprio Instituto é o Conserv, que compensa médios e grandes produtores rurais por conservarem o excedente de vegetação nativa. A iniciativa é feita em parceria com o Woodwell e com o EDF (Environmental Defense Fund). Já são 22 contratos firmados no Estado do Mato Grosso e um no Pará, somando 20.707 hectares de vegetação protegida que poderia ser legalmente suprimida.

“O Conserv surgiu com o intuito de provar a tese de que, por meio de uma compensação, os proprietários rurais podem renunciar ao seu direito de desmatar. Essa tese está comprovada. Agora, é preciso dar escalabilidade”, afirma o diretor executivo do Ipam, André Guimarães. Para isso, segundo Guimarães, é preciso que governo, setor financeiro, empresas e o agronegócio estejam mobilizados. “A urgência em mitigar as mudanças climáticas requer voltarmos também o olhar para o desmatamento legal”, conclui.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.  

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; Adriana Pimentel, edição da newsletter, e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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