Só em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o País, quase 11 por dia | Foto: Cid Barbosa

Por Camilla Lima
Colaboradora

Enquanto chegamos perto da marca das três centenas de novos agrotóxicos liberados apenas neste ano, a nova classificação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) causa controvérsia e, na realidade agrícola em que vivemos no Brasil, desinformação. Pelas novas normas, venenos antes considerados “altamente tóxicos” podem passar para toxicidade moderada, enquanto os “pouco tóxicos” podem até ser liberados dessa classificação. Isso porque, pelo novo marco regulatório, o critério adotado será o risco de morte. Portanto, os dados de mortalidade é que irão embasar os riscos de um determinado produto. Hoje, são divididos em diversas categorias (diferentes tipos de exposição ao produto) e resultados “restritivo” quando realizados testes de irritação nos olhos e pele. Esse quesito será retirado.

Para o gerente de avaliação de segurança tecnológica da Anvisa, Caio Almeida, considerar essa escala de irritação (pele e olhos) faz com que a maioria dos agrotóxicos no Brasil seja classificada como “altamente tóxico”. A Agência de Vigilância defende que o novo marco regulatório se dá a caminho de um padrão internacional, o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos, adotado na União Europeia e na Ásia.

Na avaliação da Anvisa, a novidade informará a toxicidade “correta”. No entanto, isso não representará maior segurança à saúde. Na avaliação de especialistas de renomados órgãos de pesquisa no País, amenizar o grau de toxicidade expõe o trabalhador que manuseia o veneno a um maior risco. Dados do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam o crescimento do número de mortes e intoxicação envolvendo defensivos agrícolas no Brasil.

Só em 2017 foram registrados 4.003 casos de intoxicação por exposição a agrotóxicos em todo o País, quase 11 por dia. Em uma década, a estatística praticamente dobrou. No mesmo ano, 164 pessoas morreram após entrar em contato com o veneno e 157 ficaram incapacitadas para o trabalho, sem contar com intoxicações que evoluíram para doenças crônicas, como câncer e impotência sexual.

De acordo com pesquisas do Núcleo Trabalho Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (Tramas), da Universidade Federal do Ceará (UFC), os produtores brasileiros utilizam os agrotóxicos pensando em sua maior eficácia, portanto, mais tóxicos, aumentando o impacto no ser humano e no meio ambiente.

Ronaldo Nascimento, professor de química da UFC, explica que amenizar o grau de toxidade não diminui a possibilidade de intoxicação humana e nem ambiental: “Os pesticidas, sendo em sua maioria compostos orgânicos sintéticos, pertencem a diferentes classes químicas consideradas potencialmente tóxicas aos seres humanos e demais seres vivos. Quando aplicados de maneira inadequada nas culturas, sem a condução das Boas Práticas Agrícolas, resíduos destes compostos tóxicos podem persistir no meio ambiente, como também nos frutos e hortaliças, gerando uma rota de exposição humana via alimentação”.

De acordo com o químico, do total de produtos liberados (290) pelo governo em 2019, 41% são considerados extremamente ou altamente tóxicos e 32% são proibidos na União Europeia. O professor enumera alguns dos mais tóxicos da lista:

  • 2-4 D – herbicida classificado como extremamente tóxico e provável carcinogênico
  • Acefato – banido na Europa, é associado a danos na fertilidade masculina
  • Atrazina – associada a danos cardíacos em humanos, e pode prejudicar a vida sexual de sapos machos
  • Dibrometo de diquate – considerado extremamente tóxico pela Anvisa, sendo letal se inalado
  • Fipronil – foi banido na Europa desde 2013, tem alta toxicidade e letalidade para as abelhas, provocando danos à sua aprendizagem e memorização.
  • Glifosato – agrotóxico mais usado no mundo, é classificado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) como potencialmente cancerígeno para humanos
  • Sulfoxaflor – princípio ativo que controla insetos, por outro lado ataca as abelhas polinizadoras

Suposta economia

O argumento de que a liberação de agrotóxicos possa baratear o preço dos alimentos, corroborado por setores do agronegócio e indigesto a grupos científicos das áreas de saúde e meio ambiente, lembra o barateamento nas passagens aéreas prometido quando se alterou a legislação para cobrar o despacho de malas nos aviões, pelo qual até hoje o brasileiro aguarda, com o agravante de que a suposta economia pode afetar o equilíbrio do meio ambiente e a saúde de trabalhadores e consumidores.

O uso de pesticidas no Brasil se encontra nas regiões em que se tem a predominância de produção em larga escala de produtos como o milho, a cana-de-açúcar e a soja, sendo que esta última consome sozinha 55% do total de agrotóxicos utilizados no Brasil.

Os novos registros liberados de agrotóxicos dizem respeito, em sua maioria, a produtos genéricos, mas utilizados no mercado brasileiro, ainda assim proibidos em outras partes do mundo, como é o caso do Fipronil, um inseticida que age nas células nervosas dos insetos. Desde 2004 é proibido na França, acusado de dizimar enxames de abelhas. Um outro agrotóxico recém-autorizado no Brasil é o Sulfentrazona. Banido em 2009 em toda a União Europeia, aqui teve o registro deferido em dezembro de 2018 para três empresas brasileiras. Em 2019, o seu genérico teve mais três permissões no País.

No ano de 2015 foram registrados 139 agrotóxicos. Em 2018 foram 450, um aumento de 323%. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mostrou apenas pequenas oscilações nos preços dos vegetais, com uma queda mais expressiva, de aproximadamente 5%, por conta de uma grande safra ocorrida em 2017. Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima em 193 mil mortes por ano no mundo causadas por exposição aos agrotóxicos, um custo-saúde que não entra nos índices da economia agrícola mundial.

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