Pesquisadores encontraram vestígios e relatos da presença da anta brasileira no Oeste da Bahia, uma demonstração de que a espécie não está extinta na Caatinga. Porém, agronegócio no Matopiba a põe em risco

Foto colorida de pegadas de animal em areia marrom molhada com duas mãos de mulher branca espalmadas ao lado, destacando as marcas na areia. No pulso da mão esquerda há um relógio digital preto e no dedo médio da mão direita um anel preto
Mesmo sem encontrar a anta, os pesquisadores atestam que as pegadas são do animal | Foto: Incab/Ipê

Depois de percorrerem mais de 5 mil quilômetros durante 20 dias de expedição, os pesquisadores da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab/Ipê) encontraram evidências contundentes da presença da espécie na Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Preto, na Bahia, e no entorno do Parque Nacional Serra das Confusões, no Piauí. A anta era considerada “regionalmente extinta” na Caatinga pela Lista Vermelha Nacional do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), desde 2012.

A investida mais recente é um desdobramento de outra realizada em março de 2023: a Expedição Caatinga – Em busca da Anta Perdida. Naquele momento, em 30 dias de jornada, foram identificados 43 registros históricos da espécie, além de 53 localizações recentes do animal nas bordas entre Caatinga e Cerrado, nos estados de Minas Gerais, Bahia e Piauí. Os locais onde agora a existência da anta foi confirmada estão no Matopiba, região de expansão da fronteira agrícola brasileira, onde a espécie pode estar ameaçada devido ao desmatamento para monoculturas de grãos e à destruição de seu habitat.

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 80 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.  

Espécie semeia território

A “jardineira da floresta”, como é conhecida entre os especialistas, não só precisa da natureza conservada para sobreviver como também ajuda na manutenção e ampliação da biodiversidade vegetal. Isso porque a anta é um animal herbívoro que se alimenta predominantemente de frutos nativos (cerca de oito quilos por dia) e elimina em suas fezes as sementes desses frutos, que são disseminados ao longo das grandes distâncias que costuma percorrer. 

Assim, ela “brinca com o transporte de biodiversidade de uma área para a outra”, como explica a engenheira florestal Patrícia Medici, coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab), do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). “Uma floresta onde a anta está presente, desempenhando esse papel, é infinitamente mais biodiversa, tem um estrutura florestal bastante mais íntegra do que uma floresta onde esse animal não existe mais”, conclui.

Foto colorida de pegadas de animais na areia bege e molhada cercada de vegetação e com a silhueta de um homem vestido roupa camuflada esverdeada agachado na beira ao fundo da imagem
Pegadas deixadas nas margens de riacho foram identificadas como de antas | Foto: Incab/Ipê

Segundo Medici, o fato de ainda existirem antas no Oeste da Bahia também demonstra a capacidade de resiliência desse animal, que está conseguindo persistir em áreas fortemente antropizadas. Porém, “os riscos que a espécie corre nesse contexto do Matopiba são imensos, porque a região está passando por um processo de conversão da pecuária para a agricultura em larga escala, de soja, milho e algodão e o pouco habitat que ainda existe certamente está em alguma categoria de prioridade no que diz respeito ao desmatamento para a abertura de fronteiras agrícolas”, afirma a engenheira florestal.

Se acreditava na extinção local

Além de procurar por vestígios físicos, como pegadas e fezes, os pesquisadores também fizeram entrevistas com moradores de comunidades locais para resgatar as memórias de avistamento do animal. A existência de localidades com nomes de Rio das Antas, Povoado de Anta Podre e Fazenda Anta Magra atestam que a espécie era comum no passado.

A maioria dos entrevistados eram pessoas mais velhas, com aproximadamente 70 anos de idade, que tinham elas mesmas se deparado com a anta alguma vez ou ouviram histórias ainda mais antigas, de seus antepassados. Na maioria das vezes, as antas eram vistas próximo a áreas onde havia disponibilidade de água ou enclaves de floresta mais úmidas, características essenciais das áreas de ocorrência da espécie.

A principal causa do desaparecimento da anta foi a caça, que levou a uma drástica redução das populações, ao ponto de passarem despercebidas pelos humanos. Além disso, Medici conta que os entrevistados também apontaram a perda de habitat, a desertificação, a diminuição das chuvas e das águas na região do bioma Caatinga como possíveis causas.

Próximos passos

A equipe do Incab deve seguir investigando novas áreas no Oeste da Bahia e vai disponibilizar as informações coletadas até agora para os órgãos responsáveis pelas listas vermelhas de espécies ameaçadas: no Brasil, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e, em âmbito internacional, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Os dados também serão importantes para a elaboração de estratégias conservacionistas, como o Plano de Ação Nacional (Pan) para a Conservação dos Ungulados, grupo do qual a anta faz parte. 

Foto colorida de uma anta marrom de olhos escuros e orelhas arredondadas apoiada sobre as patas traseiras em pé em meio à vegetação seca e rasteira
A anta é o maior mamífero terrestre da América do Sul e pode pesar até 300 quilos | Foto: Jason Woolgar / Incab/Ipê

Este conteúdo faz parte do Projeto Ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.  

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, a fotógrafa Camila de Almeida, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts, e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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