Hoje é o Dia Mundial de Proteção aos Manguezais e o EcoMuseu Natural do Mangue, museu de ciências naturais, na Praia de Sabiaguaba, em Fortaleza (Ceará), na Área de Proteção Ambiental do Parque Municipal das Dunas de Sabiaguaba realizou seminário estadual e workshop nacional, on-line, nesses dias 24 e 25. Entre os participantes, professora Rafaela Maia (Ecomangue), professor Clemente Junior (Instituto Bioma Brasil), professora Erminda Couto (Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC), Pedro Belga (Projeto UÇÁ) e Rusty Sá Barreto (EcoMuseu Natural do Mangue).
Fortaleza (CE)/Ilhéus (BA). “No geral, o que vemos nos manguezais são degradações, desmatamentos, construções, esgotos, falta de educação de quem vive perto, de quem vive longe. Mas os manguezais do Cocó estão bem, crescendo. Aqui, na área da foz, eles tiveram uma recuperação muito importante. E temos contribuído para isso, na sensibilização para o conhecimento dessas áreas, por meio das nossas aulas de campo, recepção aos visitantes, ações nas comunidades e participação em eventos, principalmente junto à Rede Nacional de Manguezais (RENAMAM)”, afirma Rusty Sá Barreto.
O EcoMuseu Natural do Mangue já tem 19 anos. “Montei um bar de motociclistas na área da Sabiaguaba. Depois de dois anos, percebi que era também um degradador. Mas essa vinda para cá também foi também para entender o que poderíamos fazer pelo meio ambiente. Fechamos o bar e criamos uma ação cidadã, o Projeto Educar Sabiaguaba, a sensibilização para os visitantes. Daí conhecemos a museologia social, que trouxemos para a região. O EcoMuseu não é apenas a casinha com o seu acervo com mais de 200 peças, entre fósseis, arcadas, peixes dessecados, mas o que tem ao redor, a vegetação, a região, o clima, as comunidades, o Parque. Entre os projetos, temos aulas de campo, museu itinerante, reflorestamento, banco de estágio, canoagem ambiental e motociclista ambiental, formas de sensibilizar as pessoas”, acrescenta.
Segundo a professora Erminda Couto, os manguezais são considerados sistemas jovens, já que a dinâmica das áreas onde se localizam produz uma constante modificação nestes ambientes, o que resulta numa sequência de avanços e recuos da cobertura vegetal. “Entretanto cada vez mais surgem evidências de que estas áreas podem, em estado natural, serem bem mais velhas e duradouras do que pressupomos. Estudos desenvolvidos nos últimos 15 anos apontam para árvores com mais de 100 anos mesmo em manguezais já sob pressão”, pondera. “Para o litoral do Ceará temos, por exemplo, indicativos de que os bosques de mangue já foram bem mais desenvolvidos que atualmente, portando árvores de grande porte e, muito provavelmente, de bastante idade”, completa.
Ela destaca a carta, escrita em 1859, de Francisco Freire Alemão, um pesquisador que conhecia muito bem os manguezais do sudeste brasileiro e que, durante uma excursão científica ao Ceará, deslumbrou-se com a altura e espessura dos troncos. Foi na Foz do Rio Ceará, na divisa entre os municípios de Caucaia e Fortaleza, que ele escreveu:
“Uma boa parte desse alagadiço, à beira do rio, está coberta de mangues. Foi para mim de grande admiração e surpresa a vista desses mangues; e custou-me a acreditar que estas enormes árvores eram os mesmíssimos nossos mangues. Figure-se uma floresta de árvores de 80 pés de altura (>24m), um pouco tortuosas, grossas em proporção, e com as numerosas e gigantescas arcadas de suas raízes, emaranhadas de modo a [tornar] difícil [a] passagem a um cão e tal era o espetáculo que se me oferecia.”
“Nesta sua surpresa já podemos antever o efeito devastador da derrubada de árvores de mangue e das consequências destes atos nesta região”, afirma a pesquisadora.
Ações humanas e suas consequências
De forma geral, os impactos em áreas de manguezal são consequências de ações humanas que têm por objetivo utilizar a região para outros fins que não os de sua vocação natural. “Quando o ser humano induz um impacto de qualquer espécie, o bosque de mangue deixa de contribuir com muitos de seus benefícios, prestados naturalmente. Portanto, ao projetar uma obra em qualquer ambiente natural seria necessário verificar se os lucros do empreendimento serão maiores a curto, médio e longo prazo, em relação àqueles representados pelos serviços prestados pelo ecossistema, antes da intervenção”, ressalta.
Entre as atividades humanas que mais frequentemente afetam os manguezais, Erminda Couto destaca:
- Extrativismo vegetal e animal – caracterizado pelo desmatamento seletivo para retirada de madeira, coleta de frutos, caça e pesca
- Agricultura e pecuária – alteram o ambiente por meio de inundações, canalizações, barramentos de água para criação de peixes, camarões e ostras; aterros, movimentação e exposição do solo em áreas próximas do mangue, pisoteio do solo e uso de agrotóxicos (inseticidas e herbicidas)
- Portuária – provoca desmatamentos, aterros para expansão, lavagem e abastecimento de navios, armazenamentos e transporte de cargas tóxicas
- Estabelecimento de indústrias – promovem desmatamentos e aterros de expansão, além dos riscos devidos à descuidos com armazenamento, processamento, transporte e descarga de materiais tóxicos
- Imobiliária – provocam desmatamentos para construções de casas de palafitas sobre o manguezal, aterros de expansão, construções de residências, clubes, marinas e hotéis, trazendo como consequência as canalizações, dragagens e barramentos das águas nas margens e desembocaduras dos rios, além do despejo de efluentes (esgotos)
- Mineração – promove desmatamentos, aterros, dragagens, alterações do leito e margem dos rios, além do despejo de resíduos
- Estabelecimento de linhas elétricas – que pode requerer desmatamentos e aterros interceptando o manguezal, além de apresentar risco de descargas elétricas acidentais; movimento e exposição do solo em áreas próximas ao manguezal
- Construção de oleodutos / gasodutos – que requerem desmatamentos e aterros, interceptação do manguezal, com risco de vazamentos; movimento e exposição do solo em áreas próximas ao manguezal
- Construção de rodovias e ferrovias – que acarretam em desmatamentos, com movimentação de terras e exposição do solo, aterros com interceptação da drenagem, canalizações e barramentos para controle da drenagem, risco de acidentes com cargas tóxicas, trânsito de veículos, favorecimento ao acesso para caçadores e para a população em geral
- Estabelecimento de aterros sanitários – por desmatamentos, aterros para expansão e acúmulo de lixo
- Salinas – promovem desmatamento para expansão, canalizações e barramentos para criação de reservatórios para entrada e evaporação da água do mar
- Construção de barragens para o controle de enchentes e aproveitamento hidrelétrico – causa interferência na dinâmica geral do curso d’água e das áreas adjacentes, inundações de áreas, desmatamentos e movimentação de terras
- Funcionamento de usinas atômicas – que requer o uso de água para processos de esfriamento, apresentando riscos de acidentes catastróficos com radiação
Esses eventos, segundo a professora, podem resultar na ação de fatores ou forças, causando alterações nas propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, no qual também são incluídas as relações socioeconômicas. Essas alterações ou efeitos ecológicos são os impactos ambientais.
“Corte e aterro de manguezais para dar lugar a portos, estradas, agricultura, carcinicultura, ocupações urbanas e industriais são práticas frequentes ao longo de todo o litoral brasileiro. Derramamento de petróleo, lançamento de esgoto doméstico sem tratamento, efluentes industriais, agrotóxicos e resíduos sólidos (lixões) compõem uma paisagem desoladora dos estuários e manguezais do Brasil”, lamenta.
Outro problema grave destacado por Erminda Couto ocorrente na maior parte do litoral e nos estuários: a pesca acima dos níveis sustentáveis e/ou empregando métodos não apropriados como o uso de bombas explosivas e de inseticidas, além da captura de espécies em tamanho inadequado ao consumo ou durante fases vulneráveis, por exemplo, na época de reprodução.
“Na cidade de Fortaleza, por exemplo, a situação dos manguezais é bastante crítica no que se refere ao corte e aterro de áreas de manguezal e a ocupação destas, principalmente com a população de baixa renda, vivendo em condições subumanas e favorecendo a degradação desses ambientes com o lançamento de resíduos sólidos e esgoto sanitário sem nenhum tratamento”, conclui.