Por Alice Sales
Colaboradora

A partir de amostras de material recolhido na praia de Arraial d’Ajuda, os pesquisadores do Coral Vivo observaram as reações dos corais em aquários com água do mar

Resiliência de corais é observada em diferentes casos no laboratório do Projeto no extremo Sul da Bahia, área de maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul

A Rede de Pesquisas Coral Vivo está realizando experimentos científicos em parceria com diferentes instituições, expondo espécies de corais em laboratório ao material coletado em praias após o derramamento de petróleo cru nos mares do Nordeste, para observar o possível tempo de morte e as estratégias para minimizar os impactos nocivos. A ideia é avaliar quais são os efeitos do óleo sobre os corais que ocorrem exclusivamente no Brasil.

O oceanógrafo Miguel Mies, coordenador de Pesquisas do Coral Vivo, explica que o petróleo tem duas formas que são preocupantes para os corais: a borra preta que boia e causa um dano mecânico e a fração solúvel. Essa segunda possui substâncias que começam a se dissolver no momento em que o óleo entra em contato com a água e que têm uma composição extremamente tóxica. Foi constatado que as duas formas matam, mas que o coral consegue se proteger em alguns casos da borra.

A partir de amostras de material recolhido na praia de Arraial d’Ajuda, os pesquisadores do Coral Vivo observaram as reações dos corais em aquários com água do mar. A borra preta foi depositada sobre toda a estrutura do coral. Em um dos experimentos, após 24 horas, eles retiraram o material e, no decorrer de 48 horas, esses corais morreram. Outras amostras foram colocadas em contato durante quatro dias e eles já estavam mortos quando o petróleo foi retirado.

“A boa notícia é que foi observado que o coral Mussismilia harttii, conhecido popularmente como coral-vela, consegue remover essa borra preta de sua superfície entre duas e seis horas, quando não está embebido completamente. Essa espécie produz bastante muco e junto a movimentos ciliares conseguem retirar o óleo de cima de seu disco oral”, comemora Miguel Mies que também é pesquisador do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). “Em contato com o óleo, o coral-vela solta essa quantidade considerável de muco para se proteger”, explica o pesquisador associado à Rede de Pesquisas Coral Vivo, Henrique Santos.

Quando essa mancha de óleo está na água, a fração solúvel dá à sua superfície uma aparência transparente e brilhante, como um filme. Em outro experimento, os pesquisadores reproduziram um estudo da Rede de Pesquisas Coral Vivo, desenvolvido pelo pesquisador Henrique Santos,  publicado em 2015 em revista do grupo Nature. Nesse estudo foi observado que a espécie Mussismilia harttii começa a sofrer bastante em quatro dias de contato com a fração solúvel e em dez dias ela morre. Essa pesquisa fez parte do doutorado em Microbiologia do pesquisador, que atualmente é também professor do Departamento de Biologia Marinha da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Uma reação diferente foi observada com o uso da fração solúvel desse óleo encontrado agora nas praias do Nordeste: em dez dias os corais continuaram vivos. “Isso pode sugerir que esse óleo no estado atual de intemperismo já não libera mais uma grande quantidade de fração solúvel, gerando menos dano para essa espécie de coral em comparação ao óleo usado no estudo anterior”, avalia Santos. Ainda serão realizadas análises mais específicas, por exemplo, de biomarcadores de estresse, microbiota e calcificação, para uma avaliação mais aprofundada do real dano à saúde do coral.

Para avaliar como minimizar os impactos do óleo foi testado também no laboratório do Projeto Coral Vivo, no Arraial d’Ajuda Eco Parque, os efeitos de um “biogel” nas espécies de corais brasileiros, que age como um detergente natural biodegradável. Feito com base vegetal, ele tem a capacidade de quebrar a cadeia de hidrocarbonetos do petróleo, transformando esse material denso em fluido. Esse produto foi desenvolvido há mais de 20 anos pela professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pesquisadora do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (IATI), Leonie Sarubbo.

Efeitos do branqueamento pelo El Niño

O branqueamento estava seguido de grande mortalidade, entretanto, em outubro, os dados começaram a apontar para uma recuperação parcial de algumas colônias dessa espécie.

Apesar de ainda não estarem totalmente recuperadas do forte estresse causado pelo El Niño, algumas colônias ainda branqueadas desovaram neste ano. A resiliência dos corais brasileiros, já conhecida na literatura científica, tem sido observada pelo Projeto Coral Vivo em estudos além desses relacionados ao óleo.

Entre setembro e outubro, a equipe monitorou a reprodução dos corais-cérebro Mussismilia harttii e Mussismilia hispida, assim como realiza desde 2004, quando descobriu a data e os horários da desova. O monitoramento continuou e o Coral Vivo acompanhou a desova de Mussismilia harttii também no início de novembro.

“Não é a primeira vez que registramos a reprodução em corais que sofreram branqueamento”, destaca a bióloga Débora Pires, fundadora do Coral Vivo e professora do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse comportamento também aconteceu durante rodada experimental realizada anos atrás no Mesocosmo Marinho do Coral Vivo, uma espécie de máquina do tempo na qual são realizadas rodadas experimentais, simulando as previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), criado no âmbito das Nações Unidas.

O impacto do fenômeno climático El Niño em 2019 foi danoso principalmente para o coral-de-fogo (Millepora alcicornis). O Coral Vivo, projeto patrocinado pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, monitora continuamente a saúde dos recifes, o que possibilitou o registro inédito de branqueamento do coral-de-fogo acima de 90% em alguns recifes do Sul da Bahia, noticiando o fato no dia 6 de julho de 2019.

O branqueamento estava seguido de grande mortalidade, entretanto, em outubro, os dados começaram a apontar para uma recuperação parcial de algumas colônias dessa espécie. Nesses monitoramentos, realizados desde 2015, é acompanhada uma série de parâmetros ambientais, e vários dados têm sido publicados em periódicos científicos.

Um deles é de outubro de 2019, publicado na revista “Microorganisms”. Esse artigo mostra os mecanismos fisiológicos envolvidos no fenômeno de branqueamento em corais e hidrocorais quando estão sob condições de estresse térmico, assim como ajuda a entender melhor por que algumas espécies são mais sensíveis do que outras.

Projeto Coral Vivo

O Projeto Coral Vivo nasceu no Museu Nacional/UFRJ e é realizado por 14 universidades e institutos de pesquisa. Trabalha para a conservação e a sustentabilidade socioambiental dos recifes de coral e ambientes coralíneos.

Ele é um dos seis projetos ambientais que compõem a Rede de Projetos de Conservação de Biodiversidade Marinha (Biomar), criada em 2007 pela Petrobras em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e projetos patrocinados. São eles: Projeto Albatroz, Projeto Baleia Jubarte, Projeto Coral Vivo, Projeto Golfinho Rotador, Projeto Meros do Brasil e Projeto Tamar.

Petróleo no Delta do Parnaíba

No último sábado (16), a Marinha do Brasil confirmou a chegada da mancha de petróleo cru ao Delta do Parnaíba, santuário ecológico situado entre os estados do Piauí e Maranhão. O local é composto por dunas, mangues, ilhas e igarapés que abrigam uma rica biodiversidade.

A substância foi encontrada em seis localidades do Delta: Ilhas das Canárias, Poldros, Caju, Praias do Pontal, Caiçaras e Barra das Melancias.

A retirada do material teve início no último domingo (17), com apoio da Marinha, Exército e ICMBio. O esforço está voltado para barrar a chegada das manchas ao Rio Parnaíba, muito importante para o abastecimento de água da região.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o petróleo cru já afetou dez estados, 116 municípios e 643 pontos.

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