Gilmar de Carvalho em exposição sobre Patativa do Assaré | Foto: Natinho Rodrigues

Fortaleza – CE. Nascido em Sobral, Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho, 71, foi mais uma vítima da Covid-19. Ele estava internado desde 20 de março de 2021 na UTI do Hospital Regional da Unimed (HRU), em Fortaleza. Os primeiros a darem a notícia foram o acadêmico Juarez Leitão, pelo Whatsapp do Instituto Histórico do Ceará; e a grande amiga do escritor, Dodora Guimarães, em suas redes sociais, desse sábado (17).

Bacharel em Direito em 1971 e em Comunicação Social em 1972 pela Universidade Federal do Ceará (UFC); mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) em 1991; doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1998; professor do Departamento de Comunicação Social da UFC desde 1984; era integrante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC desde 2004.

Sua área de interesse era o das relações entre a Comunicação e a Cultura. Fomentava e pesquisava atividades de ateliês xilográficos da região do Cariri cearense, como a Lira Nordestina, em Juazeiro do Norte, acompanhando a produção de diversas edições de livros de cordel, álbuns de gravuras e matrizes. Essa foi a minibio de Gilmar de Carvalho que usei para introduzi-lo como articulista da Eco Nordeste.

Gilmar de Carvalho era, sobretudo, professor, pesquisador e escritor. Em 2019, recusou receber o título de Doutor Honoris Causa da UFC devido à nomeação de Cândido Albuquerque como reitor da instituição. Para Carvalho, Cândido seria um “interventor” e sua nomeação teria ignorado a consulta à comunidade acadêmica.

No mesmo ano, doou arquivos de sua biblioteca pessoal para o Acervo do Escritor Cearense (AEC), onde são guardadas memórias de figuras importantes do Estado, como Antônio Girão Barroso e Natércia Campos. Correspondências trocadas com amigos, documentos históricos, livros, fotografias antigas e jornais estiveram entre os itens doados, escreveu o jornalista Eliomar de Lima em seu blog do jornal O Povo hoje.

Muito se pode escrever sobre sua extensa obra, mas Gilmar de Carvalho não cabe em palavras. Sua alma, inteligência, espírito crítico e gentileza extrapolam textos. E o vazio que deixa é tão grande que também é difícil preencher ou expressar.

Conheci Gilmar no Curso de Comunicação Social da UFC, que frequentei entre 1988 e 1991. Foi professor, amigo, conselheiro, mentor. Fez parte da minha banca de TCC, ao lado do saudoso Agostinho Gósson e de Ronaldo Salgado, meu orientador.

Mas ele não fez só parte da banca. Me ajudou a encontrar um objeto de estudo e me deu muitos subsídios para o trabalho. Gilmar era jornalista, publicitário, escritor, incentivador da cultura nordestina ao lado da qual caminhou toda a sua vida. No Jornalismo, tinha apreço pela área ambiental e, também por isso, me incentivou e me acompanhou.

Nós passávamos anos sem conversar. Mas, quando o procurava, fosse qual fosse o motivo, era sempre muito atencioso e disposto a colaborar. A conversa era sempre inspiradora, de apoio e confiança.

Em novembro de 2018, a Eco Nordeste foi colocada no ar. Em julho de 2019 convidei um grupo de pessoas para publicar artigos na nossa agência de conteúdo. Um dos primeiros foi Gilmar de Carvalho, que, duas horas depois de feito o convite, por e-mail, o aceitou com estas palavras: “aceito com prazer escrever para a Eco Nordeste”. Deste momento em diante foram cinco artigos exclusivos, entre 2019 e 2020. O último em 12 de julho de 2020. Confiram:

Ecologia, sempre

Um presente incômodo para o Theatro José de Alencar

A farra do lixo

A dinâmica dos festejos multiculturais de junho

O coração guerreiro de Alberto Nepomuceno

Gilmar era uma pessoa muito reservada e, até junho de 2020, a nossa comunicação era prioritariamente por e-mail, que eu guardo com muito carinho. Somente no dia 26 de junho de 2020 ele me mandou essa mensagem: “Maristela, capitulei!!! Estou com celular, e, pasme, com aplicativo que decidiu as eleições de 2018: WhatsApp”. Daí a conversa ficou mais fluida. Ele vinha usando o Instagram de forma crescente para a divulgação da cultura nordestina em suas variadas nuances. Eu acompanhava com alegria.

Quando soube que estava doente, primeiro fiquei paralisada. Depois pedi, nas redes sociais união em corrente por ele. Do mesmo jeito que reconheço o poder da Covid-19, sei que energias positivas, ainda mais de tantas amizades que ele cultivou, só poderiam fazer bem. Agradeço a cada um(a) que encontrou um tempinho que fosse para pensar nele com carinho.

Hoje, ao saber da sua partida, me enchi de tristeza por saber que não vou poder mais interagir com ele. Guardo, com um imenso carinho, as boas lembranças e ficarei feliz em ver seu legado render frutos. Procurei alguns colegas em comum para ouvir algo sobre Gilmar, afinal, ele não cabe nas palavras de uma só pessoa…

Do Gilmar, fui aluno e depois colega; dividimos uma mesma sala na UFC por um tempo. Hoje, a mesa dele é a que pouco uso, devido à pandemia. À minha volta, algumas obras materiais (escritas por ele) sobre a imaterialidade da cultura em geral, ainda que ela também deixe marcas. À minha mente, imagens típicas do Gilmar: um corpo pequeno para uma mente grande e para uma boca ora ferina e ácida, ora gentil e caridosa; ora falando muito, ora falando o mínimo necessário. Fez a gente perceber quando estava bonito para chover e quando o gerente endoidava. Tudo era pouco para o Gilmar. Gilmar? Talvez: Gilmares.
Ricardo Jorge
Professor

Tenho dois vídeos gravados, ainda em edição, um sobre Descartes Gadelha, outro sobre Estrigas, com depoimento do professor Gilmar de Carvalho. Fiz muito trabalhos com ele no Departamento de Comunicação Social da UFC. Ele era muito articulador, cheio de ideias. O Curso ganhou muito com isso. Também documentou muita coisa sobre a cultura cearense. Era um ícone, um grande pesquisador. É uma perda muito relevante.

Chico Peres
Cinegrafista do Curso de Comunicação Social da UFC aposentado

Conheci o Gilmar quando ele entrou no curso de Comunicação Social. Na real, foi ele que incentivou a gente a ver o Jornalismo além do lead, mostrando o caminho da pesquisa. Vamos sentir saudade e lembrar sempre dele com muito amor. Feliz dos que partem desse mundo é deixam um legado para a ciência, a arte, e, principalmente, muitos amigos. Gilmar é um mito, por isso é eterno. Foi descansar.
Iracema Sales
Jornalista

O melhor de tá por perto do Gilmar é que faltava tédio e sobrava criatividade crítica! Interessante é a relação que desenvolveu com aquelas e aqueles que sustentam o que se chama de cultura. Escuta atenta e escrita delicada. Mestres se entendem!
Edgar Patrício
Professor

Perda irreparável para a comunicação e para a cultura cearense! Foi meu professor em pelo menos duas disciplinas. Em uma delas tínhamos de fazer uma minimonografia. Escrevi sobre o 11 de setembro, aprendi muito sobre Islamismo e aumentei meu gosto por geopolítica. Ele era referência para todos nós! Notícia muito triste!
Adriano Queiroz
Jornalista

Também pesquei das redes sociais algumas outras palavras sobre Gilmar:

Francisco Gilmar Cavalcante de Carvalho (Sobral, 1949 - Fortaleza, 2021), o escritor que trocou a ficção pelo magistério, o nosso querido PROFESSOR GILMAR DE CARVALHO, deixa o mundo órfão de sua inteligência rara. A cultura brasileira perde um de seus mais dedicados colaboradores, e a cultura do Ceará o seu mais competente tradutor.
Dodora Guimarães
Curadora e presidente do Instituto Sérvulo Esmeraldo

Esta foi uma perda considerável. Não cabe em um simples registro de ocasião. Foge ao obituário formal, aos elogios de circunstância. É literalmente uma perda para a Cultura cearense. Foi-se, de leve, ao sopro perverso de uma partida pressentida, o maior e mais talentoso aprovisionador do acervo da nossa memória cultural.
Paulo Elpídio Menezes
Ex-reitor da UFC

Sobre Gilmar, seu analista, Henrique Figueiredo Carneiro, escreveu:

Gilmar de Carvalho resolveu fazer suas obras em outras paragens. Certamente ganha quem o acolher com suas letras, sua atenta leitura da realidade rústica e sua capacidade de tocar o cheiro da gente, de seus ofícios, e transformá-los em cores e tons impossíveis de captar por outro meio que não fosse pelo pensamento agudo, aposto na beleza de sua escrita.

Sua obra me foi contada hermeticamente e escutada por mim durante 21 anos, alguém eleito como seu primeiro leitor silencioso e agora silenciado.

Ficam os ecos de suas falas que compareciam assiduamente nas 3as-feiras, com um desejo de tocar tudo que ia dos sabores das frutas às cores dos sons das rabecas. Dos gestos autênticos daqueles que fazem a cultura com as mãos, com o paladar, com o aboio, com a fé, até ir ao encontro da vida com a morte.

Viveu como poucos a sensação de morrer a cada obra concluída e o desejo de viver em cada empreitada iniciada para uma nova etapa. Gilmar tinha sempre um novo livro.

A escrita foi sua vida, que segue em cada Parabélum, em cada Madeira Matriz…, em cada parágrafo oferecido a quem estiver disposto a seguir a vida pela memória fiel ao ato de sua descrição minuciosa.

A memória e a escrita servem aos que orbitam ou querem entrar em seu pensamento, este sim cunhado ao som de suas palavras belas e incisivas.
Que siga Gilmar, construindo novos textos por quem for tocado por suas frases múltiplas e sensíveis!

A escuta se cala, mas não se apagam seus ditos. Estes estão em seus livros. Fiquemos com o conforto de poder voltar a uma conversa com você sempre que desejar sensibilidade sincera.

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