Por Líliam Cunha
Colaboradora

Quase dois anos após o primeiro registro, em Alagoas, origem do material, que já foi encontrado em oito dos nove estados nordestinos, segue desconhecida

Desta vez, os achados foram nas praias do Cupe, Muro Alto e Serrambi, em Ipojuca; Boa Viagem, em Recife; na Orla de Aver-o-Mar, em Barra de Sirinhaém; na Praia de Conceição, município de Paulista; e na Praia da Piedade, em Joboatão dos Guararapes | Foto: Clemente Coelho Junior

Recife – PE. Elas reapareceram e o mistério que envolve a sua origem continua. As “caixas misteriosas” desde outubro de 2018 são encontradas nas praias nordestinas. Com exceção da Bahia, todos os estados da região registraram o aparecimento do material, que de misterioso só tem mesmo a sua origem. Desde o último dia 19, o “objeto”, que intriga moradores e pesquisadores, voltou a aparecer no litoral pernambucano.

Desta vez, os primeiros registros ocorreram nas praias do Cupe, Muro Alto e Serrambi, em Ipojuca; e desde a última segunda-feira (29) também foram encontradas em Boa Viagem, em Recife; na Orla de Aver-o-Mar, em Barra de Sirinhaém; na Praia de Conceição, município de Paulista; e a mais recente foi encontrada, nesta terça-feira (30), na Praia da Piedade, em Joboatão dos Guararapes.

Embora tenham ficado conhecidas como sendo “caixas misteriosas” o artefato encontrado trata-se em verdade de fardos de látex, material originário da seringueira, matéria-prima utilizada na indústria da borracha, especialmente na produção de pneus, preservativos e luvas de proteção, conforme especificado no laudo técnico emitido pela Polícia Federal (PF), em abril de 2019.

De acordo com o professor Clemente Coelho Junior, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE), o reaparecimento dos fardos se dá em função da ressaca ocorrida nos últimos dez dias.

“Não sabemos quantos fardos já surgiram e quantos ainda hão de aparecer. O que sabemos é que eles chegam trazidos pela Corrente Sul Equatorial, que é a mesma que na semana passada trouxe de volta o óleo e que é responsável por trazer de volta o lixo que é jogado no mar. O retorno desse material à superfície está diretamente ligado a essa corrente e às condições meteorológicas. Quanto mais agitado fica o mar, mais chances de elas serem trazidas, principalmente para as praias de Pernambuco e Alagoas, que é por onde atua a corrente”, explica o professor.

Segundo Coelho Junior, o material encontrado agora é o mesmo visto anteriormente e, pelas características e condições em que se apresentam, algumas com organismos marinhos encrustados, acredita-se que estejam há bastante tempo no fundo do mar.

O material é o mesmo visto anteriormente e, pelas características e condições em que se apresentam, algumas com organismos marinhos encrustados, acredita-se que estejam há bastante tempo no fundo do mar | Foto: Clemente Coelho Junior

Ele lembra que uma possível explicação para a origem das caixas foi sugerida por estudos feitos por pesquisadores do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), que investigou a relação das misteriosas caixas com o óleo que atingiu todo o litoral nordestino e parte do Espírito Santo. “Nesse estudo ficou concluído que os dois eventos não estavam relacionados um com o outro e o Labomar sugeriu que os fardos poderiam ser oriundos de um navio alemão afundado em 1944 no litoral nordestino”, diz.

O estudo citado por Coelho Junior, concluiu com 99% de certeza que estes fardos pertenciam à carga navio SS Rio Grande. De origem alemã, a embarcação foi afundada em 1944 por forças aéreas dos Estados Unidos e, segundo os pesquisadores do Labomar, tinha o nome em português para se disfarçar dos inimigos durante a Segunda Guerra Mundial.

Mas, ainda que se saiba que estas caixas estejam afundadas junto a este navio, a origem do látex segue desconhecida. De acordo com o laudo técnico da PF a ausência de marcas ou inscrições na parte externa dos fardos impossibilita a identificação do local onde foram produzidos.

Mas, mais importante que saber de onde vêm, é saber dos riscos que elas trazem para o meio ambiente e para as pessoas, é o que alerta Clemente Junior. Ele explica que embora o látex seja um material atóxico (que não apresenta riscos à saúde), os materiais utilizados para a cura e formação destes fardos podem trazer riscos. De acordo com a PF, no processo de cura dos fardos foram utilizados enxofre, zinco, óleos e outros compostos, prejudiciais se liberados no meio ambiente.

Além disso, tanto o professor, quanto o laudo da PF, chamam a atenção para o fato de esse material representar riscos reais aos animais marinhos, como tartarugas e tubarões, que podem morrer ao se alimentar de fragmentos desse material. “O látex não se decompõe, mas ele se fragmenta e esses pedaços podem ser ingeridos por animais marinhos podendo gerar a morte deles”, explica.

Procurada, a Agência Estadual de Meio Ambiente de Pernambuco (CPRH) informou que a responsabilidade pelo acompanhamento do ressurgimento das caixas é feito pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Capitania dos Portos. Em nota, o Ibama informou que a investigação em relação a esses fardos está sendo conduzida pela Marinha do Brasil.

Também por meio de nota, a Marinha do Brasil relatou que não houve registros de acidentes náuticos na região que justifiquem o aparecimento dos “pacotes sem identificação” que estão sendo encontrados no litoral do Nordeste desde 2018 e que o acompanhamento do caso está sendo feito pelas Capitanias dos Portos envolvidas.

O que fazer se encontrar os fardos?

A orientação para as pessoas que encontrem alguma dessas caixas é de que de maneira alguma peguem nelas. “Ao encontrar estes fardos, a pessoa deve imediatamente informar aos órgãos públicos locais para que o material seja recolhido e enviado a destinação adequada”, diz Coelho Júnior.

Ainda segundo o laudo da PF, o material recolhido deve ser encaminhado, de acordo com as possibilidades, para as seguintes possíveis destinações em ordem preferencial: usina de reciclagem capaz de reutilizar a borracha; empresa consumidora de borracha natural que possa utilizar o material para o fim que se destina, considerando a permanência deste na água marinha, com possíveis alterações e sujidades advindas deste período e, por fim, em aterro sanitário.

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