Nesta terceira e última reportagem de uma série sobre o trabalho de Desenvolvimento Local em curso na região de Mato Grande, no Rio Grande do Norte, o destaque é o trabalho de um grupo de jovens que luta pela preservação da abelha jandaíra
Por Maristela Crispim
Editora
O Povoado do Cabeço, em Jandaíra, no Mato Grande, no Rio Grande do Norte, é oriundo de um assentamento dos anos 1980, que não por acaso foi batizado com o nome da mais famosa abelha nativa sem ferrão da Caatinga. Lá, há nove anos, o trabalho de resgate da jandaíra destaca a Associação dos Jovens Agroecologistas Amigos do Cabeço (Joca).
Em nossa visita, fomos recebidos por três jovens protagonistas desta história:
Jailza Oliveira Melo,33, atual presidente, é pedagoga e mobilizadora social da Associação de Apoio à Comunidade do Campo (AACC), organização ligada à Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Técnica agrícola e estudante de Letras, Francisca Cilene Teixeira da Silva, 32, é secretária da Joca e extensionista rural da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (Emater-RN).
Francisco Melo Medeiros, 33, tesoureiro, também já foi presidente, é meliponicultor, agricultor e secretário de Agricultura do Município. Formado em Pedagogia, é técnico agrícola e tem especialização em Economia Solidária e Desenvolvimento Territorial.
“No meio rural, o tempo de vida não é o único critério para definir se uma pessoa é jovem. Ter iniciativa, ser participativo, interagir ativamente com a comunidade na defesa dos interesses comuns são referências mais importantes”, resume Jailza.
Ela conta que, antes da Associação o assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tinha tradição de plantio de algodão herdada da fazenda anterior à desapropriação da terra. “Os presidentes das associações nunca eram da comunidade e só acessavam projetos para se beneficiarem. Nossos pais começaram a ficar desestimulados. Muitos foram embora. Nós pensamos na Associação de Jovens para dar uma visibilidade positiva ao Município”, relata.
A fundação foi em 2009, com o desafio da Agroecologia como uma construção social para retomar a produção anterior à cultura do algodão, antes da dependência dos agroquímicos, para resgatar os saberes da terra.
A ideia central foi construir uma nova forma de trabalhar e ter melhores condições de vida buscando a dimensão ética da economia no processo de organização e transformação social para o Desenvolvimento Local, com a missão de promover a Agroecologia, gerando solidariedade, protagonismo e respeito à diversidade cultural para transformação social, preservação da tradição local e do meio ambiente para proteção das abelhas nativas sem ferrão.
A jandaíra (Melipona subnitida) ocorre exclusivamente na Caatinga, no Semiárido brasileiro. A criação desse tipo de abelha é denominada Meliponicultura. A produtividade depende muito das chuvas. Nos melhores anos, pode-se obter até dois litros de mel por ninho. Ele tem uma grande variedade de cores, dependendo da florada e do regime de chuvas.
O preço, atribuído à raridade, propriedades medicinais e apreciação gastronômica, merece destaque. Chega a R$ 150, o litro, bem superior ao da abelha africanizada, em torno de R$ 10. Com a sua produção, a Joca já conquistou espaço na Central de Comercialização da Agricultura Familiar (Cecafes) e também participam de feiras e exposições.
Francisco explica que a atividade ainda carece de regulamentação no Brasil. Segundo suas informações, só há legislação estadual na Bahia, Pará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo. “A Meliponicultura ainda está em processo de reconhecimento, mas precisamos de legislação federal para comercializar no País e para exportar”.
Reconhecimento internacional
No movimento Slow Food, a Meliponicultura praticada em Cabeço conseguiu espaço por ser um patrimônio ambiental que pode se acabar. O movimento compreende 1.800 comunidades no mundo que compartilham experiências com o objetivo de proteger alimentos em risco de extinção e a produção local no contexto geográfico e cultural.
O princípio básico é o direito ao prazer da alimentação, utilizando produtos artesanais de qualidade especial, produzidos de forma que respeite tanto o meio ambiente quanto as pessoas responsáveis pela produção.
Dessa forma, em 2014, o Povoado do Cabeço foi escolhido como Comunidade do Alimento da Rede Terra Madre. Em 2015, Francisco participou da ExpoMilão, onde a Joca ganhou o Oscar Green, o primeiro concedido fora da Europa.
“Em várias partes do mundo as pessoas passam por dificuldades parecidas de ameaça de extinção de produtos locais. O que nos torna referência são os produtos locais. Estamos baseados nos princípios da Agroecologia como caminho para a emancipação e resgate da identidade rural, superação do complexo de inferioridade em relação à cidade. O melhor lugar para construir projetos é com a família, no seu lugar”, afirma Francisco.
A “Fortaleza da Abelha Jandaíra do Mato Grande”, em 2017, também foi uma grande conquista. O Fortaleza Slow Food é um programa desenvolvido para fortalecer a agricultura familiar, o extrativismo e os produtores artesanais, salvaguardando seus produtos e a sociobiodiversidade. A Fundação Slow Food apoia mais de 530 Fortalezas no mundo.
Filosofia do mel da Joca
• Bom – de sabor, fresco e sazonal
• Limpo – produzido sem agroquímico, sem causar danos aos recursos da terra e sem prejudicar a saúde humana
• Justo – para quem adquire e para quem produz
“Nós criamos a primeira Rota do Mel no Brasil para o mel da abelha jandaíra, em parceria com a Prefeitura de Jandaíra e o então Ministério da Integração Nacional, e pensamos em criar o Festival do Mel, na época da colheita”, acrescenta. Para isso, a Joca conta também com o apoio da chef Adriana Lucena, que mantém uma casa e um grande laço afetivo na comunidade.
Jardins Caatingueiros Melíferos
A proteção das abelhas nativas e sem ferrão e a divulgação do mel como produto de excelência são o foco do trabalho da Joca. Mas a realidade dos meliponicultores locais é de uma Caatinga bastante devastada, que dificulta a convivência com os efeitos da seca, incluindo a preservação do habitat das abelhas nativas.
O Programa de Pequenos Projetos Ecossociais (PPP-Ecos) é coordenado pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), com recursos do Fundo Mundial para o Ambiente (GEF), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
Ele implantou, na comunidade, a Tecnologia Social (TS) Jardim Caatingueiro Melífero, constituída por um meliponário matriz, para multiplicação dos enxames de abelhas nativa sem ferrão. Ele é abrigado por uma Cisterna Telhadão, com capacidade para armazenar 72 mil litros, usados na irrigação do jardim no período de estiagem.
Com as três linhas de ação (informar, educar e preservar), foi realizado curso de Desenvolvimento Comunitário e Gestão Participativa, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e de Marcenaria Básica. Não só sócios, mas colaboradores sociais da Joca puderam participar. “Queremos multiplicar para não tirar mais abelha da natureza”, reforça Francisco.
O Complexo Jardim Caatingueiro Melífero inclui a reforma na Unidade de Beneficiamento de Mel de Abelha Jandaíra, Cozinha Comunitária e Auditório.
Multiplicação da produção
Recentemente, o Programa EDP Renováveis Rural executado em parceria com a Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), implantou meliponários individuais, beneficiando oito famílias da comunidade, com plantação de espécies frutíferas, como goiabeiras, cujos frutos podem ser beneficiados na cozinha comunitária.
Organização sem fins lucrativos, a Adel é uma iniciativa de jovens da região do Médio Curu, no norte do Ceará com a missão de promover o Desenvolvimento Local de comunidades rurais do sertão Semiárido por meio do empreendedorismo e do protagonismo social de jovens e agricultores.
Um dos sócios colaboradores da Joca, Francisco Fernandes da Silva, 56, o Tiquinho, agricultor e marceneiro, começou a trabalhar com abelhas sem ferrão há cinco anos e conta que tomou gosto pela atividade. Ele já tinha 14 caixas e, com o novo projeto, se diz empolgado, pois conquistou mais 24, sendo a metade com enxame, para ampliar.
Em seu lindo quintal produtivo, Juvenal Melo de Medeiros, 62, tem um bosque salpicado de caixas para a multiplicação das jandaíras. Além das espécies frutíferas, ele planta milho e feijão no período de chuvas (Agricultura de Sequeiro) e está radiante com as cem mudas de goiabeira que acaba de conquistar pelo projeto, além das novas 24 caixas, como Tiquinho.
Por fim, visitamos o pequeno, mas diversificado quintal produtivo do casal Paulo Anísio Paes, 56; Maria Francisca dos Santos, 57. Eles produzem mel, leite, queijo, seriguela, limão, imbu, ata, goiaba, banana, cana-de-açúcar, coco, acerola, feijão, palma, galinha e estão felizes com o incremento na plantação de goiabeiras e na Meliponicultura.
Confira vídeo sobre o trabalho dos jovens de Jandaíra para o resgate à produção do mel de abelhas nativas: