EFA Jaguaribana Zé Maria do Tomé é uma das cinco do Estado do Ceará a promover ensino com a Pedagogia da Alternância, na qual o tempo de ensino é dividido entre sala de aula e período de vivência comunitária. Sem internet para os alunos, a unidade havia paralisado atividades em 2020 e tenta retomar após um ano de pandemia.

Mística de acolhida, na sombra de uma oiticica, na aula inaugural da EFA Jaguaribana, em abril de 2018 | Foto: Alisson Chaves

Por Rose Serafim
Colaboradora

Tabuleiro do Norte – CE. A retomada das atividades escolares presenciais é tema polêmico nos países que enfrentam a segunda onda da Covid-19. A maioria das instituições tem aderido ao ensino remoto como alternativa. Mas, quando se trata de escolas do campo, onde o acesso à internet é escasso, a situação fica ainda mais difícil. Por isso, a Escola Família Agrícola (EFA) Jaguaribana Zé Maria do Tomé, uma experiência de Pedagogia da Alternância, que adequa atividades escolares com a rotina da agricultura familiar dos alunos, adiou até o início deste ano o retorno das atividades.

A EFA, localizada na Comunidade de Olho d’Água dos Currais, em Tabuleiro do Norte, no Vale do Jaguaribe, a 211 km de Fortaleza, é uma das cinco do Ceará a adotar a metodologia de Ensino Contextualizado com a realidade do Semiárido e que promove a Agroecologia. A experiência tem origem na França, em 1935, e foi trazida ao Brasil em 1969, com uma primeira experiência no Espírito Santo.

No Estado, promovem a pedagogia da alternância também as unidades EFA Dom Fragoso, no município de Independência, no Sertão dos Inhamuns; EFA Danilo Almeida, em Quixeramobim, no Sertão Central; EFA Ibiapaba Chico Antônio Bié, em Tianguá, na Chapada da Ibiapaba; e EFA Padre Eliésio dos Santos, em Ipueiras, na Região Norte, próximo à Chapada da Ibiapaba.

Diferenciais

“Qual é o diferencial? São vários. O primeiro é que é uma escola fundamentada na Agroecologia e na Convivência com o Semiárido, uma outra forma de viver no campo, de produzir, respeitando a natureza e suas leis, buscando conviver com o clima, com o bioma Caatinga e encontrando a possibilidade de viver com dignidade no campo. O segundo diferencial é que é uma escola integrada às lutas por terra, por território, por água, pelos direitos dos povos do campo na região do Vale do Jaguaribe. Então, todo o conjunto da EFA, desde coordenadores e coordenadoras, educandos, educadores e outros colaboradores são motivados, convidados, sensibilizados a se inserirem nas lutas pelos direitos dos povos do campo aqui na região”, destaca Thiago Valentim, diretor da EFA Jaguaribana.

O gestor explica que a unidade é mantida pela Associação Escola Família Agrícola, e surge da articulação de diversos movimentos sociais. A escola não recebe recursos do Estado ou da iniciativa privada, sendo mantida por editais, doações e voluntariado. Os estudantes não pagam mensalidades. Professores atuam voluntariamente, atendendo a duas turmas de Ensino Médio e Técnico em Agropecuária. São 16 jovens estudantes que têm entre 16 e 32 anos, oriundos dos municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré, Morada Nova, Tabuleiro do Norte, Potiretama e Iracema. Ele ainda fala sobre a importância da Educação para o Bem Viver, que aborda a interação saudável entre pessoas de diferentes etnias, crenças, gêneros e orientação sexual.

“O terceiro diferencial é que a escola procura uma nova forma de relação entre homens e mulheres, buscando respeitar as diversidades e as potencialidades das pessoas, estimulando relações mais sadias, mais harmoniosas, respeitosas entre as pessoas e dessas pessoas com a natureza”, conta o Valentim.

Pandemia e falta de internet

Na pedagogia da alternância, os períodos de ensino são divididos entre tempo-escola e tempo-comunidade. Os alunos da EFA Jaguaribana passam 12 dias vivendo na escola, cuidando das hortas coletivas, da manutenção da sede, assistindo aulas e participando de atividades. Depois, seguem por mais 18 dias nas próprias comunidades. Nesse período, recebem atividades do currículo tradicional para concluírem em casa e também demandas do curso técnico a serem realizadas em campo. O tempo-comunidade também é destinado à participação dos jovens na rotina de atividades rurais da família.

“Na medida do possível, nós buscamos integrar a família no processo de ensino-aprendizagem. As famílias são convidadas a visitarem a escola, a participarem dos momentos da escola, a acompanharem os filhos e filhas nas atividades do tempo comunidade”, narra o diretor Thiago Valentim.

Com a pandemia e a necessidade de distanciamento social, o tempo-escola foi inviabilizado. Além disso, como vivem em zonas rurais com difícil acesso à internet, atividades remotas também não puderam ser realizadas em 2020, conta o professor Leandro Cavalcante.

“No ano passado nós não tivemos condições de realizar nenhum tipo de atividade e foi realmente paralisado. É uma escola que trabalha com educadores voluntários. Então, todos os educadores ficaram muito sobrecarregados nos seus trabalhos. A gente teve um desafio imenso, que é a questão do acesso à internet e de ter um celular, de ter um computador, [há] uma exclusão digital muito grande, sobretudo porque a maioria dos educandos mora na zona rural e em determinadas comunidades, onde não há nem sinal para telefone, muitas vezes”, conta Leandro.

Alguns alunos, para ter acesso a atividades remotas, teriam que se deslocar até outra comunidade, onde houvesse sinal de internet, explica o professor. Até mesmo o contato via WhatsApp com os estudantes ficou mais difícil na pandemia, lembra. A escola ainda organizou a arrecadação e distribuição de alimentos e kits de higiene para as famílias dos estudantes, momentos em que também se buscava a manutenção do contato com eles. Mas as atividades escolares foram adiadas até 2021.

“A cada semana são realizados alguns encontros, com a metodologia também diferenciada, mais votada para partilha desses saberes, para o diálogo, tentando construir esses conhecimentos. Está sendo muito difícil porque acabou se perdendo também um pouco do contato direto com os educandos, o acesso à internet de qualidade ainda é um empecilho muito grande. Os educandos, em sua maioria, têm apenas o celular, às vezes compartilhado com outros membros da família. Então, por ser uma escola do campo, da zona rural, o ensino remoto também revela esse processo de exclusão digital que é muito latente e que vem, sim, dificultando a construção da aprendizagem que era realizada de maneira presencial antes. Até mesmo nas atividades práticas, foram prejudicadas. Mas ainda assim, há um esforço muito grande dos educandos de participar, de se fazerem presentes, de gravarem áudios, de gravarem vídeos. E aí, de alguma forma, manter, permanente contato e fazer com que o ensino-aprendizagem de fato se realize”, completa.

Permanência de jovens no campo

Diariamente os educandos realizavam atividades práticas e trabalhos manuais na horta | Foto: Alisson Chaves

Aos 22 anos, Júnior Freire decidiu repetir o Ensino Médio para aproveitar o curso técnico da EFA Jaguaribana. Natural de Potiretama, ele ia para o segundo ano em 2020, mas a pandemia impediu que as atividades fossem continuadas. Filho e neto de agricultores, o jovem estudante vive hoje na zona urbana do município, pois trabalha na Prefeitura. Assim, ele consegue realizar as atividades propostas pela escola. Mas sente a ausência da programação presencial.

Júnior lembra das aulas embaixo das árvores e de aprender sobre agroflorestas, além dos encontros com diferentes tipos de profissionais e intercâmbios com pessoas vindo de outros municípios. “A gente tinha uma aula chamada Serão. Às vezes, vinham psicólogos para esse momento, visitas de outras escolas, mas sempre eram atividades diferenciadas”, conta. O estudante diz que quer trabalhar no campo, aplicando os conhecimentos em Agroecologia. Por isso optou pela EFA.

“Estou trabalhando na área do esporte agora, devido à dificuldade, pois foi o que apareceu no momento. Mas, no futuro, pretendo trabalhar com Agricultura que é o que me identifico”, explica.

Uma vez por semana, é realizado o EFA Ao Vivo. Uma roda de conversa realizada no Youtube com profissionais da EFA e pessoas que fazem parte da comunidade escolar debatendo diversos temas. Nesta semana, no dia 12 de maio, a programação continua o “Seminário Questão Agrária e Resistência Camponesa” com uma live sobre Agroecologia e Educação do Campo, com a participação de Íris Carvalho, do Movimento Sem Terra – Ceará; Rosa Negra, do MST do Rio Grande do Norte; e Adelita Chaves e Leandro Cavalcante, ambos integrantes da EFA Jaguaribana.

Também foram realizadas visitas aos estudantes para a orientação sobre o Projeto de Vida Familiar, atividade necessária para a conclusão do curso técnico na EFA, conta Adelita Chaves, coordenadora da EFA. A ideia também visa manter o contato com as famílias e chamar a atenção para discussões importantes.

“Nos nos mantemos na luta, nos mantemos construindo os projetos que acreditamos necessários para transformações na sociedade e também convidamos as pessoas interessadas a acompanharem as atividades sociais, da escola. E, na medida do possível e do interesse, que possam colaborar com a educação do campo, Educação Contextualizada, com base na Agroecologia e na Convivência com o Semiárido, em apoio a uma Educação Libertadora e Emancipatória, conforme Paulo Freire nos ensinou e em busca do Bem Viver”, finaliza.

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