A atividade pesqueira é a principal fonte de alimento e renda para as comunidades quilombolas de Alcântara, que teme as remoções | Foto: Eduardo Queiroz

Alcântara – MA. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o Governo Federal publicou, no Diário Oficial da União (DOU) da última sexta-feira (27), a Resolução Nº 11/2020, onde estão dispostos os termos de remoção e reassentamento de famílias quilombolas de Alcântara, no Maranhão. A medida poderá atingir 800 famílias de 30 comunidades dos descendentes de escravos que vivem no local desde o século XVII.

Segundo a Resolução, a União avançará por mais 12.645 hectares além da área já utilizada pelo Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA). O objetivo é abrir a possibilidade de exploração da base para diversos países, cobrando uma contrapartida pela parceria. Com os Estados Unidos já foi assinado acordo de cooperação no ano passado.

A Resolução foi assinada pelo general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), na condição de coordenador do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), criado em 2018 e remodelado em 2019. O documento destaca deliberações da sétima reunião plenária do Comitê, realizada no dia 4 de março.

O anúncio chocou a comunidade quilombola de Alcântara. “Nós fomos pegos de surpresa por essa Resolução que já dá como certo o remanejamento. Estamos bastante tensos porque não houve qualquer tipo de contato e tampouco houve consulta prévia, livre e informada, nos termos da Convenção 169 da OIT. É uma decisão extremamente verticalizada sobre as nossas vidas e nos rouba o direito de decidir”, afirmou com exclusividade à Agência Eco Nordeste Danilo Serejo, assessor jurídico do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe).

O Brasil é signatário da Convenção 169 da OIT, que prevê uma consulta prévia, livre e informada, e já introduziu a medida no seu ordenamento jurídico. Para os quilombolas, porém, o governo desconsiderou a Convenção. Segundo Serejo, o Brasil já responde na OIT por uma reclamação apresentada em função do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) Brasil-EUA, assinado no começo do ano passado.

No artigo 4º, o documento resolve “Aprovar as diretrizes destinadas a orientar a elaboração do Plano de Consulta às comunidades quilombolas do município de Alcântara, Estado do Maranhão, com vistas a atender ao estabelecido na Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho”.

Mas, ao mesmo tempo, já resolve “Aprovar a Matriz de Responsabilidades dos órgãos que integram o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro”. O Comando da Aeronáutica ficará encarregado da “execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações”.

“Nós vamos reunir todos os esforços possíveis para tentar impedir essa tragédia. Porque essa Resolução, na prática, implica remover aproximadamente 30 comunidades e 800 famílias que moram no litoral do município de Alcântara e ninguém sabe quais são os planos, para onde irão ou quando isso será feito. Tudo está muito obscuro. Nós estamos bastante tensos, mas bastante firmes e vamos resistir”, afirma Serejo.

Comunidades dependem do mar

Em maio de 2019, uma equipe da Agência Eco Nordeste esteve em Alcântara para ouvir as comunidades sobre o AST Brasil-EUA e suas apreensões e produziu a reportagem especial “Quilombolas de Alcântara estão apreensivos com decisão do governo que libera Base Espacial aos EUA” para a Amazônia Real.

Uma das principais preocupações das lideranças e famílias ouvidas foi a possibilidade de saírem de perto do mar, de onde retiram alimento e sustento. Dorinete Serejo Morais, liderança do Mabe, nos recebeu em Canelatiua, a 34 Km da sede de Alcântara, onde é auxiliar de enfermagem no posto de saúde.

“Se nós formos retirados, será mais um povo que vai passar necessidade”, afirmou na ocasião, referindo-se às comunidades afastadas do mar na primeira fase de instalação da Base, no início da década de 1980.

Vida ao ritmo das marés

Alcântara é um lugar com ritmo próprio. Para chegar à península onde o município está localizado, a partir de São Luís, a capital do Maranhão, o acesso mais rápido e simples depende da maré. A viagem é feita em barcos de passageiros duas vezes ao dia e dura aproximadamente uma hora.

A maior parte dos cerca de 22 mil habitantes do município – que surgiu a partir de uma pequena vila colonial do século XVII –, mora na zona rural. A população, em sua maioria, é formada por remanescente de quilombolas.

Segundo a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), no município existem 210 comunidades. A renda vem da pesca, agricultura, venda do artesanato, programas sociais como Bolsa Família e de aposentadorias rurais.

Sem Comentários ainda

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Pular para o conteúdo