Porteiras/Jardim (CE). O pequi, fruto do pequizeiro, é nativo do Cerrado, típico na Chapada do Araripe, e bastante popular para a culinária local e medicina popular. A extração do óleo permite o uso como condimento no preparo de comidas, além de conter efeitos medicinais. É utilizado também para fazer molhos e cosméticos. O extrativismo do fruto, que corre perigo de extinção, é cultural na vida de mulheres sertanejas da região do Cariri cearense, onde a produção ajuda a garantir renda para as famílias das comunidades dos arredores. Essa relação entre as mulheres extrativistas e o fruto, assim como a lida delas na coleta do pequi e seus aspectos culturais se tornou inspiração para o documentário ‘Caryocar Coriaceum – Piqui e as mulheres da Chapada do Araripe’.
O filme é um trabalho de pesquisa e registro audiovisual que traz à tona a lida das mulheres nas áreas onde o pequi sempre fez-se abundante, mas hoje encontra-se em extinção por causa da devastação da Floresta do Araripe. O material parte do dia a dia das comunidades na Chapada do Araripe e territórios quilombolas que sobrevivem dessa colheita e onde famílias se instalam durante alguns meses, todos os anos, para colher, produzir o óleo e vender o fruto.
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A iniciativa faz parte do Projeto Ponto de Cultura ABCVATÁ, com produção executiva da coreógrafa e produtora cultural Valéria Pinheiro, tendo ainda na equipe o cineasta e professor Marcelo Paes de Carvalho e a fotógrafa cearense e hoje residente na Espanha, Adriana Pimentel. O documentário busca levar seus espectadores a paisagens únicas com o objetivo de acompanhar a luta diária de mulheres que fazem do fruto fonte de renda. Além disso, o material induz a reflexão sobre os processos sociais envolvidos nessa prática, e acima de tudo, nos encanta com as personagens riquíssimas em histórias encontradas nesses territórios.
O documentário traz como norteadora da narrativa a relação das personagens com a cultura local e as memórias afetivas do fazer artístico dessas mulheres que relatam as lembranças da rotina diária, das alegrias, das cantorias e dos desafios de caminhar léguas para “caçar” o pequi. O projeto evidencia os elementos culturais da narrativa entrelaçada com a lida do campo e traz como exemplo dessa riqueza cultural as músicas cantadas por essas mulheres durante suas atividades, como o coco, as “modinhas” e outras músicas passadas de geração para geração.
Para a coreógrafa e produtora cultural Valéria Pinheiro, falar sobre as mulheres catadoras de pequi da Chapada do Araripe é como voltar à sua ancestralidade. Seus avós são da Chapada do Araripe e sua avó, em algum momento da vida, foi catadora de pequi. Ela conta que sua inspiração teve início quando, em 2018, voltou a morar no sertão.
“Comecei a buscar coisas que estavam diretamente relacionadas aos meus pais e meus avós. E, numa dessas vezes que eu subi a serra, eu encontrei um quilombo onde, na minha infância, andei muito de cavalo. Comecei a conversar com essas mulheres e a entender que ali as bases das famílias provém das mulheres e muitas delas são catadoras de pequi. Enquanto isso, vinha vendo uma devastação absurda na Chapada do Araripe, onde os pequizeiros estão sendo dizimados”, detalha.
E completa: “comecei a buscar a rota do pequi desde a extração até chegar no mercado de Juazeiro do Norte, na Rua São Paulo, onde as mulheres vendem. A inspiração para o documentário nasceu aí. O que buscamos com este filme é mostrar que a principal fonte de renda dessas famílias que dependem do pequi está sendo devastada e substituída por pastos de grandes fazendeiros”.
Francisca Soares da Silva é uma dessas mulheres que dedica a vida ao extrativismo do Pequi. Ela lamenta ter que se desfazer dos pequizeiros em um terreno na região onde casas serão construídas: “Enquanto eu tiver aqui nesse mundo, eu não gostaria não de ver nenhuma máquina passando por cima de um pequizeiro desse não, vai doer muito em mim”. Além disso, dona Francisca observa que ao longo dos anos a produção vem diminuindo:
“Teve ano que cheguei a tirar daqui de baixo 2.000, 2.500 caroço de pequi, num dia, hoje não. No ano passado mesmo, mas que a gente juntou num dia foi um milheiro (…) E esse ano tá mais fraco ainda. Aí assim, é muita diferença, eu não sei se é devido a poluição do tempo, que tem feito isso com o nosso pequi.”
O cineasta Marcelo Paes relembra que para ele essa foi uma experiência muito forte: “entender e conhecer a luta dessas mulheres que têm na colheita (que elas chamam curiosamente de “caça”) do pequi seu principal meio de sustento. Soma-se a isso os cenários deslumbrantes e a energia inexplicável que brota da terra daquela região da Chapada do Araripe, pela qual eu sou apaixonado… Foi uma experiência muito forte para além do audiovisual, mas para dentro dos terreiros, para dentro das casas das pessoas que dividiram seus sofás e suas redes para nós dormirmos e se desnudaram ali, diante das câmeras, de forma tão simples, mas ao mesmo tempo tão poderosa e verdadeira”.
A fotógrafa e jornalista Adriana Pimentel, também colaboradora da Eco Nordeste, apesar de já viver há muitos anos em Barcelona, na Espanha, cresceu no Cariri cearense, muito próxima à cultura do pequi. Esse trabalho lhe trouxe a oportunidade de voltar ao Brasil para retratar a história dessas mulheres na lida da coleta do fruto.
“É um fruto que eu amo e que convivo desde criança. Estar nessas comunidades conhecer as histórias dessas senhoras me trouxe muitos aprendizados. Eu conhecia o pequi, mas não conhecia essa realidade das mulheres que coletam. Ver a importância desse fruto para essas famílias e ver que essa cultura passa de geração para geração foi algo que me trouxe muitas emoções, por ver a vida simples do campo, a vida real dessas mulheres e a alegria que elas têm em fazer esse trabalho. Foi gratificante conhecer essas histórias e exercitar o meu olhar fotográfico com toda essa riqueza e beleza, esse colorido em meio ao amarelo forte do pequi”, relata.
A produção começou a ser pensada em 2020 e em 2022 foi beneficiada com o apoio do Edital Cultura Viva, para Pontos de Cultura certificados da Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. As gravações foram realizadas nos municípios cearenses de Crato e Porteiras. O pré-lançamento foi na última semana, no Quilombo dos Sousas, na zona rural de Porteiras (CE). A partir deste dia 15 de junho, o filme estará disponível no canal do YouTube do Ponto de Cultura ABCVATÁ e no site https://www.teatrodasmarias.com/.