Por Márcia Dementshuk
Há duas semanas, no Dia Mundial do Meio Ambiente, a Paraíba ganhou seu primeiro Parque Nacional, o da Serra do Teixeira, uma formação montanhosa localizada ao sul do sertão paraibano. Com altitudes médias de 700 metros, a região fica no limite com o estado de Pernambuco e serve como divisora natural dos rios que correm em direção às bacias do Piranhas-Açu, do São Francisco e do Paraíba. A vegetação predominante é mata serrana, com elementos florísticos característicos da mata úmida e da caatinga.
O turista que chega à Serra do Teixeira hoje já encontra uma estrutura de hospedagem e alimentação e pode ter vivências lendárias entre pinturas rupestres, trilhas pela mata úmida e pela caatinga, onde pode visualizar várias espécies de animais e plantas; visitar cachoeira, nascentes e vistas de tirar o fôlego.
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Há um lugar incomum nos folhetos ou slides de divulgação dos roteiros turísticos, o Buraco do Véio Ciço, em Maturéia. Ciço é um jeito abreviado de chamar Cícero. Pois conta-se que o dito cidadão saiu do Brejo paraibano, pelos idos de 1940, e se instalou em um povoado do Sertão, na Serra do Teixeira. Sem dar muitas pistas a seu respeito, contratou alguns trabalhadores para escavar um túnel rocha à dentro, onde fica hoje o Sítio São José de Belém. De repente, cerca de três meses depois, dispensou o pessoal e seguiu cavando sozinho. Passados alguns dias, sumiu. Ficou o túnel intocado, provando que Véio Ciço encontrou o que procurava, seja lá o que fosse. Muito provavelmente uma grande pedra preciosa?
Esta é uma das experiências turísticas exóticas na Serra do Teixeira. A história é contada pelos moradores locais; pode-se visitar o túnel chegando de carro e percorrendo um trecho a pé. A aventura de descer a caverna é singular; o túnel é escuro, quente e úmido, morada de aranhas de cavidade e morcegos. O final é na cripta, onde o Véio Ciço, ou Velho Cícero, deve ter encontrado sua preciosidade.
A Serra do Teixeira revela outras joias, como a Pedra do Tendó, com cerca de 800m de altitude. Lá de cima, a visão é para os lados de Patos; montes pontiagudos se elevam no solo plano a comprovar que um dia o relevo era mais elevado e foi-se desgastando com o tempo: são os inselbergs, testemunhas desse efeito geológico que levou à atual depressão. Outro rumo leva para Pedra do Caboclo. Ao escalar as rochas chega-se ao Portal do Cangaceiro (nome inventado agora), um lugar onde a aglomeração rochosa formou um chapéu de cangaceiro, ao estilo Lampião.
É nessa serra o pico de maior altitude da Paraíba, o Pico do Jabre, em Maturéia, com 1.208 m de altitude (IBGE/2023). Foi o local escolhido para a instalação de torres para transmissão de telecomunicações desde o século passado. Local distinto, de conservação e grande potencial turístico, moradores e ambientalistas se mobilizam há cerca de uma década (ou mais) em diversas manifestações pedindo a retirada das torres.
Finalmente, a vista panorâmica que alcança os estados do Rio Grande do Norte e Pernambuco no pico está livre dos ferros, retirados com a criação iminente do Parque Nacional da Serra do Teixeira, anunciado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, no último Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, em solenidade, no Distrito Federal com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o governador da Paraíba, João Azevêdo, a secretária Estadual do Meio Ambiente e Sustentabilidade, Rafaela Camaraense e comitiva.
Na solenidade de abertura da Semana do Meio Ambiente no Estado da Paraíba o governador João Azevêdo e representantes de instituições acadêmicas e de pesquisa assinaram os protocolos de intenções entre o Governo Estadual e a Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e o Instituto Nacional do Semiárido (Insa) voltados para a democratização, orientação e implementação de ações voltadas ao meio ambiente e sustentabilidade. Por meio deste instrumento, projetos de pesquisa poderão refletir em programas de políticas públicas do governo. O governador mencionou ainda a importância da criação do Parque Nacional da Serra do Teixeira para a conservação e turismo sustentável.
Unidade de Conservação na categoria de Parque Nacional (Parna), a área delimitada na Paraíba de 61.158 hectares (maior que o município de Campina Grande) terá preservados os ecossistemas naturais, possibilitará a “realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”. As determinações constam na Lei Nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc).
Com os protocolos de intenção, o desenvolvimento de projetos de pesquisa científica pode ganhar força, como afirma o cientista e pesquisador José Etham Barbosa, professor na UEPB e coordenador do Projeto Ecológico de Longa Duração Rio Paraíba (Peld Ripa). O projeto integra o programa Peld oriundo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e é financiado pelo Governo da Paraíba por meio da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq).
“O Parque Nacional é uma unidade de proteção integral na qual é permitido o uso sustentável, mas não permite a extração ou exploração do território. E, sendo uma unidade reconhecida oficialmente, ela passa a constar nas políticas públicas para financiamento de pesquisa não só nas agendas das agências públicas como também privadas, como a Fundação Boticário, entre outras; e ainda entidades multilaterais internacionais. Passa a ter um status oficial extremamente importante”, salienta Etham Barbosa.
O cientista José Etham Barbosa concedeu uma entrevista na qual amplia questões relevantes à sociedade a partir desta nova unidade de conservação.
Márcia – Com a publicação do Decreto que cria o Parque Nacional da Serra do Teixeira, o que precisa ser resolvido localmente a partir de agora?
Etham – Os usos precisam ser normatizados; o objetivo principal é a proteção das espécies endêmicas do bioma Caatinga, proteger os sítios geográficos de beleza cênica, pinturas rupestres, remanescentes arqueológicos, pedológicos e garantir serviços ecossistêmicos. Deve-se estabelecer a desapropriação dos imóveis rurais ou privados que estão na serra, o ordenamento jurídico das propriedades, que passam a ser consideradas de utilização pública, a execução do plano de manejo, o cercamento da área, entre outros.
Márcia – Qual será o ente responsável por essas ações?
Etham – Será o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que deverá ter uma unidade no local.
Márcia – A criação do Parna vai incentivar mais pesquisas no local?
Etham – Certamente. No momento em que se estabelece uma unidade de conservação, as agências de financiamento priorizam projetos nestes locais. Na região há mais de 40 nascentes que irão formar o Rio Paraíba, na face ao sul da serra, e ao norte corre para o Rio Piranhas-Açu. É uma região onde ainda se encontram carnívoros grandes, onças, espécies endêmicas de pássaros… Por ser uma área montanhosa, de acesso complicado, os animais se sentem protegidos. Há mais de 200 espécies de animais, pelo que se tem conhecimento, mas isso não é nem a metade do que se pode encontrar porque agora é que as pesquisas poderão ser feitas de forma mais sistemática, acadêmica.
Márcia – De que maneira o Protocolo de Intenções assinado com o Governo da Paraíba irá beneficiar a execução de pesquisas?
Etham – Projetos temáticos que essas universidades executam, o caso do Peld, por exemplo, o Nexus, da UFPB, e outros, reflitam em programas das secretaria, ou seja, assessorar, suprir o governo de dados e informações de forma que este fique com a responsabilidade de executar a política pública, que é sua função primordial.
Márcia – Como está o nível de pesquisa na Paraíba? É possível suprir essa necessidade na área da gestão pública?
Etham – Não precisamos mais sair da Paraíba para a geração de conhecimento. Temos as expertises necessárias, as instituições estão equipadas para suprir a necessidade do governo do Estado; para assessorar na governança destas políticas. Precisa apenas de manutenção. É fundamental fazer essa ligação da governança ambiental e políticas públicas assessorada por dados fidedignos, pesquisas, programas sérios de longo prazo que tenham a chancela das universidades.
Márcia – Como o Parque Nacional pode ser autossustentável?
Etham – O principal desafio para isso será a gestão, a administração do parque. O Parque Nacional das Cataratas do Iguaçu é o melhor exemplo de gerenciamento. Arrecada-se lá mais do que o dobro de todos os 74 Parnas do Brasil. Mas o ideal é criar a sua própria identidade, de acordo com as pessoas que estão lá. O Parque pode ser também o destino de muitas das multas das compensações ambientais. Esse dinheiro pode ser investido na estrutura. Os parques precisam se auto manter. Eu digo que os parques não são a melhor política para a proteção da biodiversidade, mas é a única que temos primeiro para depois podermos pensar em alternativas.
Márcia – O turismo é uma forma para esse autossustento?
Etham – Certamente. O secretário municipal de Maturéia, que esteve no evento disse-me que já existem seis boas pousadas na cidade, sinal de que tem turismo por lá. O turismo é uma porta de entrada para esse uso. É um local de paisagem única, é altitude, tem um clima agradável.