Segundo maior bioma do Brasil, o Cerrado é chamado de floresta invertida, tão longas são as raízes quanto os caules de suas árvores, que ajudam o solo a transportar a chuva para os aquíferos que fazem dessa região o berço das águas do País. Mas, além de água, a vegetação da savana brasileira retem da atmosfera também gases do efeito estufa. Uma análise divulgada recentemente pelo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) calculou que o desmatamento no Cerrado, entre janeiro de 2023 e julho de 2024, foi responsável pela emissão de mais gás carbônico do que, anualmente, lança o setor industrial.
Cerca de 80% (108 milhões de toneladas) das emissões de gás carbônico do Cerrado são originários da supressão de vegetação nativa no Matopiba, território agrícola denominado pelas iniciais dos quatro Estados que o integram: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Sozinho, o desmatamento no Matopiba equivaleu a 50% das emissões totais do setor de transportes brasileiro, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). No Maranhão, líder do desmatamento no bioma entre janeiro de 2023 e julho de 2024, foram emitidas 35 milhões de toneladas como resultado dos mais de 301 mil hectares de vegetação nativa desmatada. Além de líder nas emissões no bioma, o Estado também lidera as emissões em formações campestres, que corresponderam a 6 milhões de toneladas.
No Tocantins, segundo colocado no ranking, os 273 mil hectares desmatados no Estado resultaram em 39 milhões de toneladas de emitidos. Tanto em 2023 quanto em 2024, liderou a lista de emissões decorrentes de formações savânicas e florestais, que totalizaram, juntas, 38 milhões de toneladas emitidas – 98% do total do Tocantins.
O desmate no Cerrado da Bahia, que ocupa a terceira posição na lista de maiores desmatadores do bioma no período, foi responsável pela emissão de 24 milhões de toneladas de CO2. O Piauí, por sua vez, completa a lista de estados do Matopiba que ocupam as quatro primeiras posições do ranking de desmatamento e emissões, com 11 milhões de toneladas emitidas.
Segundo o Ipam, as estimativas de emissão de desmatamento no Cerrado variam de acordo com o tipo de vegetação – se formações savânicas, campestres ou florestais – e são feitas pelo SEEG. As áreas de savana desmatadas emitem em média 152 tCO2 por hectare. Já áreas campestres emitem por volta de 92 tCO2/ha e áreas de floresta, 240 tCO2/ha.
Fernanda Ribeiro, pesquisadora do Ipam e coordenadora do Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), afirma que o desmatamento, realizado em larga escala no Brasil, é a principal atividade humana responsável pelas emissões de CO2. A especialista explica como o gás carbônico armazenado nas savanas e formações florestais alcança a atmosfera quando o Cerrado sofre desmatamento:
“O CO2 (gás carbônico ou dióxido de carbono) é um gás natural presente na atmosfera, que faz parte do que chamamos de Gases de Efeito Estufa, que tem esse nome por terem a habilidade de reter no Planeta parte do calor que é emitido pelo sol e também pelo calor irradiado pela superfície terrestre. Apesar da sua ocorrência natural, as atividades humanas em larga escala aumentam a concentração desses gases na atmosfera. O aumento do CO2 na atmosfera, juntamente com outros gases de efeito estufa, aumentam as temperaturas no Planeta e são uma das principais causas do desequilíbrio climático. O desmatamento remove a vegetação nativa, que tem um papel central de absorver parte dos Gases de Efeito Estufa (dentre eles o CO2) e promover o equilíbrio climático”.
Caracterizadas pela predominância de árvores retorcidas e arbustos, as savanas do Cerrado concentraram 65% do total de emissões associadas ao desmatamento do Cerrado desde o começo de 2023. A formação savânica é o tipo de vegetação predominante no Cerrado, e ocupa 62% de toda a área de vegetação remanescente do bioma, e foi também a que concentrou a maior parte das emissões decorrentes do desmatamento: 88 milhões de toneladas de CO2 emitidas no período analisado.
“Mais de 60% da vegetação remanescente do Cerrado está dentro de áreas privadas e, pelo Código Florestal, essas propriedades podem legalmente desmatar até 80% da vegetação nativa em seus terrenos. É um cenário sensível para a proteção do bioma, que expõe a lacuna de políticas de incentivo para evitar o desmatamento, ainda que legal, e demanda também, mais fiscalização para averiguar o desmate ilegal”, avalia Fernanda Ribeiro, no comunicado do Ipam.
SAD Cerrado
O Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado, do Ipam é um projeto de monitoramento mensal e automático que utiliza imagens de satélites ópticos do sensor Sentinel-2, da Agência Espacial Europeia. O SAD Cerrado é uma ferramenta analítica que fornece alertas de supressão de vegetação nativa para todo o bioma e levanta informações sobre desmatamento desde agosto de 2020.
A confirmação de um alerta de desmatamento é realizada a partir da identificação de ao menos dois registros da mesma área em datas diferentes, com intervalo mínimo de dois meses entre as imagens de satélite. A metodologia é detalhada no site do SAD Cerrado.
Relatórios de alertas para o mês de julho e períodos anteriores estão disponíveis neste link. No painel interativo, é possível selecionar estados, municípios, categorias fundiárias e o intervalo temporal para análise.
O objetivo do sistema é fornecer alertas de desmatamentos maiores de 1 hectare, atualizados mês a mês. Pesquisadores entendem que o SAD Cerrado pode se constituir como uma ferramenta complementar a outros sistemas de alerta de desmatamento no bioma, como o Deter Cerrado (Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que otimiza o processo de detecção em contextos visualmente complexos.
Projeto ma.to.pi.ba.
O Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três Estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão. Ocupa 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Sendo reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.
Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo em que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.
O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelas repórteres Alice Sales e Camila Aguiar, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.