Foto aérea panorâmica colorida de uma ponte sobre rio barrento e nas margens vegetação e moradias. Ao fundo, céu nublado
Balsas é o principal polo agroindustrial do Matopiba no Maranhão | Foto: Camila de Almeida

Lançada em agosto de 2023, a plataforma Diário do Clima oferece a pesquisadores, jornalistas e interessados o monitoramento de atos governamentais relativos a meio ambiente e questões climáticas publicados nos Diários Oficiais de municípios brasileiros. Das 356 cidades com dados já cadastrados, apenas duas entre as quinze maiores produtoras de grãos da região do Matopiba, a maior fronteira agrícola em expansão no País, estão na plataforma: Barreiras e Formosa do Rio Preto, ambas na Bahia. Uma iniciativa da Eco Nordeste, no entanto, promete mudar este cenário, ao permitir que o Diário do Clima seja também uma ferramenta para acompanhar o desmatamento e os conflitos socioambientais causados pelo agronegócio na região.

Uma das organizações fundadoras do Diário do Clima, a Eco Nordeste solicitou a inclusão de mais 13 municípios: Correntina, Jaborandi, Luís Eduardo Magalhães, Riachão das Neves e São Desidério (Bahia); Balsas e Tasso Fragoso (Maranhão); Baixa Grande do Ribeiro, Bom Jesus, Ribeiro Gonçalves, Santa Filomena e Uruçuí (Piauí); e Campos Lindos (Tocantins).

Denominado com as sílabas iniciais dos quatro estados que abrange – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia -, o Matopiba inclui 337 municípios e é apontado desde os anos 1980 como um celeiro mundial de commodities. Sobre a vegetação nativa e populações tradicionais desses três estados do Nordeste e um do Norte avançam plantações de soja, milho e algodão.

O Matopiba tem 73 milhões de hectares em três biomas: Cerrado ( 66,5 milhões de hectares, o equivalente a 91% da área), Amazônia (5,3 milhões de hectares correspondentes a 7,3%) e Caatinga (1,2 milhão de hectares que ocupam 1,7%). Reconhecida como área de franca expansão agropecuária pelo Governo Federal desde 2015, o Matopiba é uma porteira aberta para a devastação da Amazônia.  

Do total de 337 municípios que compõem a região, apenas oito estão no Diário do Clima, que ainda está consolidando a sua base de dados.

Na opinião da editora-chefe da Eco Nordeste, Maristela Crispim, a inclusão dos municípios com maior produção de grãos na plataforma Diário do Clima permitirá o cruzamento de dados para a produção de conteúdo jornalístico. “De um lado, temos os registros de onde ocorrem o desmatamento e os conflitos por território. De outro, teremos os atos administrativos dos principais produtores de grãos do Matopiba”, esclarece a jornalista. 

Maristela avalia um recorte do Diário do Clima para a região do Matopiba ainda como uma ferramenta de monitoramento popular também direcionada aos eleitores. “Os atos publicados nos Diários Oficiais dos municípios são elaborados pelas equipes dos prefeitos e dos vereadores. Acompanhar o que os políticos eleitos estão fazendo pelo meio ambiente, pelas comunidades e pela estabilização da crise climática fica mais fácil com o auxílio de uma plataforma como a do Diário do Clima”, explica.

“É um desafio aumentar a cobertura do Diário do Clima pela falta de padronização na publicação de diários oficiais. Porém, é nosso desejo facilitar o acesso a políticas ambientais dos municípios do Matopiba, então estamos priorizando a inclusão do maior número possível de cidades da região”,  complementa Giulio Carvalho, coordenador de Inovação Cívica na Open Knowledge Brasil (OKBR).

O Diário do Clima foi construído por uma coalizão especializada em temas sociais, ambientais e de transparência de dados. São seis organizações envolvidas: ((o))eco, Eco Nordeste, Agência Envolverde, InfoAmazonia, Open Knowledge Brasil (OKBR) e Projeto #Colabora.

Segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado (SAD Cerrado), a região do Matopiba é responsável por 75% de todo o desmatamento no bioma em 2023 e a perda de cobertura vegetal está em aceleração.

Com base na análise de dados do Diário do Clima, por exemplo, o município de Barreiras, “a capital do oeste” baiano, um dos principais produtores de grãos do Matopiba, emitiu autorizações para supressão de vegetação em uma área total de 3.482 hectares de propriedades particulares entre 2012 e 2016. 

Por outro lado, dados da plataforma TerraBrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam que o desmatamento acumulado no total no município foi de aproximadamente 43.200 hectares, no mesmo período. 

A grande diferença nos números pode instigar análises de possíveis ilegalidades na derrubada de vegetação, não só em propriedades particulares, mas também em terras devolutas, unidades de conservação e outras áreas sob gestão pública.

Um levantamento como esse, só que em âmbito estadual, foi feito pelo Instituto Mãos da Terra (Imaterra) em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), que resultou na publicação Desmatamentos irregulares no Cerrado Baiano: uma política de estado

A pesquisa analisou publicações do Diário Oficial do Estado (DOE) da Bahia e encontrou cerca de quatro mil portarias emitidas pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), entre 2007 e 2021, que autorizavam supressão de vegetação em mais de 800 mil hectares. Doze dos 20 municípios para os quais foram autorizadas as maiores áreas de supressão de vegetação nativa encontram-se na região de Cerrado do Oeste Baiano, que compõe o Matopiba.

A principal denúncia da investigação é que as autorizações de desmatamento são expedidas pelo órgão ambiental estadual baiano para solicitantes que não cumprem requisitos legais. De acordo com a publicação, a situação abrange conflitos com comunidades tradicionais, pareceres assinados por servidores sem qualificação técnica, técnicas para captura de fauna que podem ser fatais, entre outras. 

Dados como os da plataforma Diário do Clima podem complementar esse tipo de estudo ao revelarem também, de forma mais detalhada, o papel dos municípios no desmatamento das áreas que lhes compete o poder para autorizar supressão de vegetação nativa. Elementos como esses são importantes para conhecer o compromisso de gestores municipais na solução de problemas ambientais e na preservação do Cerrado no contexto de expansão do agronegócio no Matopiba.

“São os municípios que ficam com o ônus do desmatamento, seja autorizado pelas prefeituras ou pelo Estado, com os problemas de saúde pública, a escassez hídrica, a destruição do solo, questões sanitárias e pauperização da população. Eles têm o poder de adotar legislações ambientais mais restritivas nos seus territórios do que o Código Florestal e as legislações estaduais determinam, para reduzir índices de desmatamento, agir de forma preventiva, identificando áreas estratégicas para a conservação, próximas a nascentes, unidades de conservação, e isso teria que ser respeitado”, esclarece Tatiana Bichara, bióloga, doutoranda em Ecologia pela UFBA e integrante do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá).

O caso da Bahia demonstra que, apesar de ser um dos Estados onde o desmatamento mais cresceu em números absolutos em 2021, segundo o Relatório Anual de Desmatamento do MapBiomas, a expansão agrícola não correspondeu à melhoria em indicadores socioeconômicos de desenvolvimento humano e de redução de desigualdades. Municípios que perderam mais vegetação nativa não tiveram melhores indicadores de trabalho, saúde e educação do que os municípios que não suprimiram vegetação nativa. “Ou seja, as consequências negativas da perda da vegetação são externalizadas para toda a população e pouquíssimos proprietários têm retornos financeiros e econômicos disso”, conclui Tatiana. 

Para frear a perda de vegetação e incentivar a proteção do bioma, Tatiana sugere que os municípios invistam em sistemas de pagamento por serviços ambientais e no ecoturismo, com recompensas financeiras a quem mantém a floresta em pé.

Projeto ma.to.pi.ba.

Este conteúdo faz parte do Projeto ma.to.pi.ba., uma ação multimídia da Eco Nordeste, com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Com início em janeiro de 2024, traz matérias, reportagens, podcasts, webstories e newsletters que lançam sobre a região do Matopiba um olhar para além do agronegócio. Ao mesmo tempo que aborda os problemas socioambientais, a iniciativa multimídia aponta experiências que têm dado certo na região, seguindo a linha editorial de jornalismo de soluções adotada pela Eco Nordeste.  

O projeto é executado por uma equipe premiada composta pelos repórteres Alice Sales e  Camila Aguiar, a fotógrafa Camila de Almeida, com edição da jornalista Verônica Falcão e coordenação geral da jornalista Maristela Crispim. Líliam Cunha assume a Assessoria de Comunicação, Flávia P. Gurgel é responsável pelo design; Isabelli Fernandes, edição de podcasts; e Andréia Vitório faz o gerenciamento das redes sociais.

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