Durante a tarde da última quarta-feira, 27 de março, sociedade civil e órgãos do governo do Ceará debateram sobre pontos críticos das alterações nas normas de licenciamento ambiental do Estado, em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa

Por Monique Linhares
(Colaboradora)

Promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido da AL (CMADS), a audiência atendeu a um requerimento do deputado Renato Roseno (Psol), que mobilizou representantes da gestão estadual, instituições públicas e organizações não governamentais para o debate.

Simplificação e celeridade para obtenção das licenças são as principais defesas para alteração das normas de licenciamento ambiental, de acordo com o titular da Secretaria de Meio Ambiente do Estado (Sema), Artur Bruno.

“Tínhamos prazos exagerados para o licenciamento. Se um empreendedor fosse à Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace) solicitar, o prazo seria de um ano, no mínimo, o que é inadmissível. Esses prazos foram reduzidos, algumas licenças simplificadas. O que podemos dizer com essa nova resolução é que há segurança jurídica para o empreendedor e há segurança ambiental”, afirma.

Entretanto, no escopo de novidades da proposta da Semace, a criação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), apresentada como solução para a lentidão dos processos do Estado e que afeta não só os pequenos como os grandes empreendedores das cidades e do campo, é também um dos principais alvos de críticas dos movimentos socioambientais do Ceará.

O procedimento para adquirir a LAC é um cadastro virtual de autodeclaração, em que não será necessária vistoria da Semace, pois o foco é no pós-licenciamento e monitoramento ambiental, de acordo com o representante do órgão, Ulisses Costa.

O argumento é que alguns pequenos empreendimentos listados na proposta têm potencial poluidor-degradador (PDD) baixo, ou seja, não apresentam riscos ou danos ambientais significativos dentro das condicionantes do órgão, e é grande a quantidade de gargalos que alguns setores produtivos enfrentam com o processo de licenciamento, “por falta de recursos para custear os estudos requeridos e valores das licenças”, afirmou Costa durante apresentação da proposta na audiência.

Críticas apontam afrouxamento das normas de licenciamento e uso de agrotóxicos

Além do Secretário Artur Bruno e do representante da Semace, Ulisses Costa, a mesa de debate da audiência foi composta pelo requerente, deputado Renato Roseno; pelo presidente da CMADS da Assembleia, deputado Acrísio Sena; por Gabriel Aguiar, representante do movimento SOS Cocó; deputado Walter Cavalcante, vice-líder do governo da AL; Liana Queiroz, representante do Instituto VerdeLuz; e João Alfredo Telles, da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Ceará Secção Ceará (OAB-CE), principal opositor à criação da LAC, proposta pelo Grupo de Trabalho (GT) formado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema).

O advogado e ambientalista João Alfredo Telles aponta que é importante simplificar as regras, prerrogativa prevista nas normas gerais sobre licenciamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e estas devem ser suplementadas por normas estabelecidas pelos Estados e Municípios, mas “em nenhum momento, nas duas principais regras federais que tratam do licenciamento ambiental, quais sejam a Lei Complementar Nº 140 de 2011 e a Resolução Conama Nº 237/1997, é previsto a dispensa de licenciamento, e isso é grave, nem preveem licenciamento por autodeclaração”, completa.

Ele afirma também que essa proposta de nova Resolução, em período de estudo pelo GT do Coema, modifica a Resolução Nº 10 de 2015, em vigor no Ceará atualmente, e se fundamenta na Lei Estadual Nº 14.882 / 2011, que apresenta o licenciamento simplificado e o licenciamento simplificado por autodeclaração em sua ementa e está sendo questionada quanto à sua constitucionalidade por esses procedimentos, em ação no âmbito Supremo Tribunal Federal (STF).

O advogado alerta para o caráter ilegal de o Conselho criar novas regras em uma resolução para substituir a Lei em vigor. “Essa preliminar diz respeito à atividade legiferante da Assembleia Legislativa, e quem tem a competência de criar leis é a Assembleia, não o Coema, que é muito importante também, mas não pode criar uma lei”. Ele chama atenção da Assembleia, para rebater ao Governo, que a Resolução só pode ser votada quando modificarem a Lei Estadual, para o Coema regulamentar.

Em resposta, Artur Bruno afirma que não houve questionamentos sobre a constitucionalidade ao que o GT tem feito desde novembro, quando deu início à análise da reformulação proposta pela Semace. “Mesmo respeitando sua tese, existe uma tese diferenciada da OAB, cujo representante nas reuniões não questionou em nenhum momento isso. Mas vamos prestar atenção na sua opinião e ver o que procede na opinião do GT”. Em tréplica, João Alfredo afirmou que a posição da OAB só será firmada após análise da Comissão de Meio Ambiente.

Ainda sobre autodeclaração, João Alfredo reforça que não existe a figura que se autodeclara na Resolução do Conama. “Eu encontrei aqui, nos anexos, a dispensa de licenciamento para utilização de agrotóxicos: projeto de irrigação com uso de agrotóxicos inferior a 15 hectares é dispensado de licenciamento ambiental. 15 hectares em qualquer serra do Estado é de média propriedade, mas no sertão não, aí é considerada pequena”.

Sua principal crítica é que mesmo essa atividade ser considerada de alto potencial poluidor-degradador, ela é dispensada de licença. “Eu não entendo como uma Resolução de 2015, com pouquíssimo tempo inclusive de aplicação, tem que haver modificação para o que? Para flexibilizar? Pra piorar a qualidade ambiental num momento que a gente viveu a tragédia de Brumadinho?”

Devolutiva antes da votação

Entre diversos outros apontamentos e críticas, tanto da mesa, nas apresentações de Liana Queiroz do Instituto VerdeLuz e de Gabriel Aguiar do SOS Cocó, quanto da sociedade civil presente, a preocupação com a simplificação para dar celeridade aos processos passa pela priorização do monitoramento e fiscalização, como sustentado por Artur Bruno e Ulisses Costa, em detrimento das etapas de análises mais cuidadosas, a Licença Prévia e o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

“A nossa limitação para atender a grande quantidade de empreendimentos acaba impedindo o órgão de operacionalizar o monitoramento, que é a parte mais importante do licenciamento”, afirmou Ulisses. “Mais importante do que o ato formal do licenciamento, é acompanhar o que realmente está sendo feito, se as condicionantes apontadas foram aplicadas”, reforçou Bruno.

Ao fim da audiência, Renato Roseno pontuou sobre a perspectiva da Sema e da Semace com relação à LAC, “uma diretriz importante no Direito Ambiental é que você não licencia aquilo que não é capaz de fiscalizar”, ao dar exemplos de obras e casos em que a fiscalização foi falha, por falta de estrutura física e pessoal do órgão.

Artur Bruno frisou o acolhimento a todas as críticas e ideias apresentadas e devolveu expressamente ao GT do Coema a responsabilidade de levar todas as sugestões e correções à próxima reunião do grupo, que será na quarta-feira da próxima semana, dia 3 de abril, antevendo também a votação da nova proposta no plenário da Assembleia, prevista para o dia 11.

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