Pesquisadores da Gastronomia e Engenharia de Alimentos da UFC aproveitam potencial de produtos como beterraba para desenvolver corantes saudáveis
O consumo de produtos alimentícios pigmentados por corantes artificiais é comum no dia a dia, indo de biscoitos a embutidos, mas pode ser prejudicial à saúde, causando alergias, problemas intestinais, entre outros males. Por isso, pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) têm trabalhado para desenvolver corantes naturais, feitos a partir de produtos como a beterraba.
Realizada nos cursos de Engenharia de Alimentos e de Gastronomia da UFC, a pesquisa parte da ideia de aproveitamento integral de frutas e legumes para criar os corantes que cumprem igualmente a função de tornar o alimento visualmente mais atrativo. A casca da beterraba, por exemplo, que normalmente não teria qualquer utilidade para a indústria e seria depositada no lixo, ganha um novo e nobre uso, podendo voltar às prateleiras e às mesas.
Além de garantir uma finalidade para esses co-produtos (possíveis resíduos), o estudo resulta em corantes mais saudáveis, com propriedades benéficas. No processo de produção, é extraído da beterraba um composto chamado betalaína, um dos responsáveis pela pigmentação do corante que também tem ação antioxidante, o que pode fortalecer as células do nosso organismo, tornando-as menos suscetíveis à oxidação.
As vantagens econômicas são outro ponto importante no estudo. “A indústria hoje iria descartar esse produto”, explica o professor Paulo Henrique Machado de Sousa, coordenador da pesquisa. “Só de ela não pagar pelo lixo, para que ele seja jogado fora, já é uma vantagem. A ideia é que, depois, a indústria venda os co-produtos para uma empresa que faça a extração”, visualiza.
Dependendo do modo como é produzido, o corante pode ter utilidade para diferentes produtos, como iogurtes, linguiças ou pastas americanas (para enfeitar bolos). “Muitas dessas pastas são vendidas já coloridas, totalmente artificiais, sem valor nutritivo e muitas vezes tóxicas”, diz o professor.
Enquanto os corantes artificiais são feitos por meio da síntese de compostos obtidos em materiais prejudiciais à saúde (por exemplo, o carvão mineral), os corantes naturais desenvolvidos na pesquisa utilizam a liofilização e o encapsulamento, com o auxílio dos chamados hidrocolóides, moléculas originárias de plantas e algas que têm capacidade de proteger o material do corante.
Após a extração dos compostos da beterraba, o material é congelado e liofilizado (passagem do estado sólido para o gasoso, sem passar pelo estado líquido), ficando seco sem perder sua coloração. Para que ele mantenha essas características, é feito o encapsulamento (algo como uma proteção estrutural) pelos hidrocolóides e uma nova secagem.
Outras matérias-primas, além da beterraba, serão utilizadas pelos pesquisadores, que já fazem estudos com a cenoura, por exemplo. A ideia é que, a depender do uso que se queira dar ao corante e da coloração buscada, outro legume, fruta ou raiz seja testado.
Frutas estruturadas
Os hidrocolóides também têm sido usados para outro fim pelos pesquisadores: a criação de estruturados de frutas com o objetivo de aumentar a vida útil delas e evitar o desperdício de produtos supermaduros, já sem serventia para os mercados. Com o estruturado, a fruta volta a ter as mesmas propriedades que tinha quando estava madura, com o benefício de maior tempo para ser consumida.
Uma goiaba, por exemplo, que tem um prazo para consumo em torno de uma semana, ganha outros 30 dias de durabilidade na forma estruturada. Além disso, o processo de estruturação também deixa os componentes benéficos da fruta mais biodisponíveis. A diferença é que a fruta possui compostos, como as fibras, que impedem as vitaminas de serem liberadas no consumo. “O hidrocolóide quebra as partículas e faz com que as vitaminas e os antioxidantes fiquem mais livres”, explica o professor Paulo Henrique.
Feita em parceria com a Universidade Nova de Lisboa, a pesquisa consiste basicamente na dissolução dos hidrocolóides na polpa da fruta. Depois de etapas como aquecimento e refrigeração, o estruturado resulta em pedaços da fruta, que podem ser consumidas de forma sólida. “O hidrocolóide forma uma espécie de rede dentro do produto. É como se fosse uma geleia”, explica. O objetivo agora tem sido alcançar a mesma consistência da fruta original.
A gama de frutas que podem ser utilizadas para fazer a estruturação é grande. Um exemplo é a graviola. Nesse caso, como se trata de uma fruta que tem baixo teor de vitaminas, os pesquisadores têm adicionado extrato de acerola ao produto.
Outras possibilidades são a mistura de goiaba com manga, ou maracujá com banana: a ideia com essas misturas é “equilibrar” as características das frutas. A manga, por exemplo, serve para adocicar a goiaba, enquanto a banana teria o papel de diminuir a acidez do maracujá.
Ainda novidade na indústria, o estruturado de frutas não chegou ao Brasil, mas já há conversa em andamento dos pesquisadores com empresas interessadas no produto. Uma vez acertados os detalhes de produção, a ideia é que o estruturado em breve chegue ao mercado.
Fonte: Agência UFC