Boletim Informativo “Saúde, Raça e Clima” aponta formas de manutenção da estrutura social que empobrece e adoece pessoas negras, indígenas e de comunidades tradicionais
O Centro Brasileiro de Justiça Climática (CBJC) lançou o Boletim Informativo “Saúde, Raça e Clima”, uma publicação que introduz, de forma didática, o racismo ambiental e quais os efeitos práticos disso na vida da maioria das pessoas deste país.
Para começo de conversa, o racismo ambiental não é preconceito contra árvores, como debocham os interessados em manter essa estrutura. É, na verdade, uma das principais formas de negação de direitos humanos, que promove desigualdade e pobreza.
Quando invadiram esse território há mais de 500 anos, os portugueses subjugaram os povos originários e os povos negros trazidos de diversos países africanos. Foram séculos de exploração da mão de obra, massacres, negação das identidades e coisificação dessas pessoas.
A abolição da escravidão e conquista de direitos indígenas na Constituição de 1988 foram pontos que não conseguiram mudar completamente o rumo dessa história. Para ser verdadeiramente livre e ter uma vida digna, qualquer ser humano precisa ter acesso a água potável, alimentos, serviços de saúde e saneamento básico disponíveis, proteção de si e do território.
Não é preciso pesquisar muito para perceber que as periferias do País, as favelas, os territórios indígenas, assentamentos rurais e demais zonas ocupadas principalmente por pessoas pardas, negras e indígenas, sofrem com a falta de diversos desses pontos mencionados e ainda outros. E tudo isso piora com a crise climática.
“O Brasil tem vivido nos últimos anos uma recorrência de calor extremo, queimadas e chuvas fortes, mas ela não afeta a população da mesma forma: pessoas negras e indígenas, dentre outros, são as mais atingidas”, aponta o Boletim.
O caminho apontado pelo documento está na Justiça Ambiental, outro conceito pouco difundido entre o público geral, mas que se refere basicamente ao direito universal à dignidade.
“[a Justiça Ambiental] envolve a ideia de que todos os indivíduos, independentemente de sua origem étnico-racial, classe social ou localização geográfica, têm o direito de viver em um ambiente saudável e seguro, além de participar igualmente nas decisões que afetam o meio ambiente”, indica a publicação.
Energia limpa de verdade
Solar e eólica são algumas das formas de geração de energia apontadas como sustentáveis. Contudo, os mega projetos de empresas privadas estão causando transtornos tão grandes a algumas populações que nem podem mais ser chamadas de “limpas”.
O material da CBJC menciona o exemplo das turbinas de energia eólica instaladas próximas, ou até dentro de territórios indígenas. Chamadas de “o avião que nunca pousa”, esses equipamentos já geraram a chamada Síndrome da Turbina Eólica. Além dos danos ambientais, com ocupação indevida, também são diversos os sintomas psíquicos apresentados pelas pessoas que são obrigadas a conviver diariamente com o barulho constante dessas máquinas.
O Boletim não se posiciona contra as formas de energia sustentáveis. Apenas apresenta pontos importantes a serem considerados nos projetos que levam em conta os impactos e as necessidades das populações das áreas atingidas.
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Água e saneamento
Ter acesso a água limpa para consumo, banho, uso na casa e na plantação é um direito humano básico. Todavia, a luta por esse recurso se perpetua ao longo da história. Não é à toa que diversas organizações pelo País lutam para a garantia de tecnologias sociais de armazenamento de água da chuva nas casas do Semiárido, onde falta água até hoje.
A falta de saneamento básico se relaciona com esse tema. A publicação cita dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam 43% da população vivendo em cidades sem rede de tratamento de esgoto. “A cada 10 habitantes brasileiros que residem em moradias precárias, sete são negros (pretos e pardos) ou indígenas”, indica o Boletim com dados do Censo de 2022. Entre 2018 e 2019, essa falta de saneamento foi responsável pela morte de pelo menos 135 mil pessoas, traz o documento.
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Agrotóxicos:
o veneno na comida e na plantação
Apontados como armas químicas, os agrotóxicos são apontados como responsáveis por contaminar mais de 15 mil pessoas entre os anos de 2019 a 2022 e causar a morte de 439. Neste mesmo período, quando Jair Bolsonaro sentava na cadeira da Presidência e abria a porteira, o País bateu recordes de registros de novos agrotóxicos liberados, com mais de 2 mil tipos.
São atingidas desde as pessoas que trabalham nos cultivos, até comunidades vizinhas e qualquer um que consuma o produto da prateleira do supermercado. Os agrotóxicos prejudicam ainda o solo, as fontes de água e todas as formas de vida. O Boletim aponta a defesa de projetos mais sustentáveis, baseados na Agroecologia, que defendem o uso consciente dos recursos, como saídas desse problema.
Projeto de saúde transversal
Negros e pardos são os que mais mais utilizam os serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Para além de investir recursos no tratamento de pessoas, um projeto de saúde precisa considerar os aspectos sociais e econômicos que adoecem a população.
O Boletim cobra mais dados oficiais e ações dos governos nesse sentido. Além de um projeto de saúde pública que converse com outros setores, como o econômico e a educação, a fim de criar uma realidade social em que as pessoas vivam de uma forma digna e, consequentemente, mais sustentável.
Negação estratégia
Essa negação do racismo ambiental tem caráter ideológico e deve ser combatida com acesso à informação, defende Junior Aleixo, coordenador do Boletim no CBJC.
“Esse negacionismo é gerado a partir, não só de desinformação, obviamente, mas também de resistências de caráter ideológico, mesmo em relação à discussão sobre questões raciais, ou até mesmo em alguns aspectos interesses econômicos”, lembra Aleixo.
A estratégia do Boletim, segundo ele, é levar dados concretos sobre o tema, além do conceito, em uma linguagem simples e acessível. A publicação será distribuída virtualmente, por este link e é voltada principalmente para a própria população negra, que é a mais interessada na questão.
Toda a construção do documento busca “desconstruir esse processo de desconhecimento das pessoas sobre o tema [racismo ambiental]”, complementa.