Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia denuncia impactos de energias solar e eólica na PB

Várias mulheres de raças e idades diferentes, reunidas em marcha, segurando uma faixa com os dizeres em roxo "Marcha pela vida das mulheres e pela agroecologia"

Com capacidade de atrair milhares de agricultoras dos 13 municípios que integram o Polo da Borborema, além de mulheres de outros territórios do Semiárido paraibano e estados vizinhos, a Marcha é um grande palco no qual se problematizam assuntos importantes para o bem-estar das famílias camponesas | Foto: AS-PTA

Montadas (PB). No próximo dia 16, agricultoras que atuam no Polo da Borborema e em outras regiões da Paraíba e do Nordeste, vão às ruas para protestar contra os danos da presença de parques eólicos e usinas solares nos territórios rurais em que vivem. A 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que será realizada no Dia Nacional da Conscientização das Mudanças Climáticas, denuncia a contradição na produção industrial da energia renovável, que apesar de ser tida como limpa, empobrece e adoece as famílias rurais e, ainda, as expulsa do campo.

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Com capacidade de atrair milhares de agricultoras dos 13 municípios que o Polo atua, além de mulheres de outros territórios do Semiárido paraibano e estados vizinhos, a Marcha é um grande palco no qual se problematizam assuntos importantes para o bem-estar das famílias camponesas, especialmente, as mulheres. A expectativa da Coordenação de Mulheres do Polo da Borborema, organizadora da Marcha, é que o ato reúna cerca de cinco mil mulheres. Quase a população total do município que, segundo projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2021, é de 5,8 mil pessoas. A marcha deste ano repete o lema de 2022: Borborema Agroecológica não é lugar de parques eólicos.

Um dos motivos que influenciou a manutenção do tema foi o aumento da presença, no território, das empresas que exploram os ventos e o sol; e, além da produção, as linhas de transmissão de energia que irão recortar o território. Há relatos de que os representantes passaram em Remígio, Esperança, Solânea, Algodão de Jandaíra, Arara, Casserengue, Montadas, Lagoa Seca, São Sebastião de Lagoa de Roça, entre outros municípios. Nos últimos meses, é bem comum ouvir relatos de que comunidades, famílias e sindicatos que foram visitados.

À primeira vista, a chegada dos parques eólicos e usinas solares na região trouxe às pessoas que vivem nesses territórios a ideia de progresso, tanto, que com a chegada desses empreendimentos, dona Erivanda (nome  fictício) sentiu vontade de arrendar um espaço de sua propriedade de 10ha para a instalação de alguma torre. Mas, mudou de ideia quando teve conhecimento dos problemas que esses gigantes aerogeradores causam para as famílias e comunidades rurais.

“Foi na Marcha que soube do ‘destruimento’ que causam. Deus me defenda que eu não quero isso. Essa energia dá muitos problemas”, enfatizou a agricultora de 54 anos que mora em Montadas, município que vai sediar a 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, no dia 16 desse mês.

Maria Anunciada Flor, agricultora e liderança do município de Queimadas, que está na coordenação da Marcha, conta que a chegada dos parques de energia eólica no território tem sido um grande motivo de preocupação para as mulheres agricultoras da região, que podem ser impactadas com mudanças drásticas, já que em suas propriedades há as  histórias de vida a partir da criação dos filhos e ensinamentos para valorizar a terra e a agricultura.

“As mulheres produzem alimentos para sobrevivência da família, criam os animais, comercializam seus produtos, participam das ações nas comunidades e tudo isso deixa de existir a partir da assinatura de um contrato que a empresa traz,  junto com falsas promessas, sem mostrar a realidade negativa na vida das famílias. Um contrato que geralmente a agricultora não tem nem direito de saber o que tem escrito e que se renova automaticamente com o tempo. Além disso, quando a agricultora se torna uma arrendatária,  acaba por perder os direitos que tem como produtora rural, como o de se aposentar, de requerer salário maternidade, auxílio-doença ou acessar qualquer outra política pública como agricultora. E isso prejudica todos os demais membros da família”, resume.

Multidão formada por pessoas em marcha vestidas de roupas coloridas. Algumas seguram bandeiras e cartazes

O movimento conta com o protagonismo de jovens engajados na causa e que se preocupam com os recursos deixados para as próximas gerações | Foto: AS-PTA

A líder sindical também pontua os mais diversos danos à saúde dos moradores do território causados pela presença dos aerogeradores, desde problemas relacionados à depressão a danos auditivos ocasionados pelo barulho dos aerogeradores que funcionam dia e noite. Os animais criados nas propriedades também acabam estressados pelo mesmo motivo, e as paredes das casas e cisternas ficam rachadas por causa da vibração das torres eólicas.

“A marcha tem um papel de extrema importância que é de as famílias trazerem o conhecimento de tudo que é nocivo em relação a esses empreendimentos. Ocupamos todos os espaços de comunicação para mostrar a realidade com base em estudos reais. Desde 2018 colhemos depoimentos das famílias que foram prejudicadas e fizemos intercâmbios para ver de perto o problema. Nós queremos energia renovada sim, mas que seja uma energia descentralizada, onde todos possam ter acesso e  que não seja uma energia que venha prejudicar o meio ambiente e nem as pessoas”, ressalta.

Protagonismo juvenil

A juventude dos territórios do Polo da Borborema também vem em um forte movimento pela causa. As articulações por parte dos jovens vem mobilizando as comunidades por meio de panfletos entregues porta a porta,  programas de rádios e diálogos com as pessoas. Além disso, audiências públicas com os jovens,  encontros municipais e regionais, visitas e intercâmbios entre os municípios estão sendo realizados para abrir mais espaço ao debate.

Aline Belarmino, da Comissão Executiva de Juventude do Polo da Borborema, que vive na Cidade Agroecológica de Remígio, explica que a ideia é conhecer lugares e desafios para expandir a discussão. “A gente não quer essa forma de energia chegando no nosso território. Daqui a alguns anos nós, enquanto jovens, não vamos ter direito ao nosso acesso à terra. Se assinarem esses contratos, como vamos no futuro ter o nosso nosso local de plantar, de colher, de criar e viver?”

Para a jovem liderança, que já participa da marcha desde as edições iniciais, quando ainda era criança,  o manifesto é um momento emocionante. Isso por que para ela, é um ato de liberdade e de expressar a luta por todas as mulheres agricultoras. “É um momento em que a gente se reconhecer uma na outra. Tanto aquelas que sofrem as violências quanto aquelas que já morreram lutando como nós. Um momento de expressão, de liberdade, de luta, de lágrimas de alegria, de tristeza, mas também uma lágrima de vitória por conseguir movimentar tantas mulheres para denunciar as formas de violência e opressão da sociedade”.

Conscientização sobre as Mudanças Climáticas

A 4ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia se realiza em uma data especial, na qual se celebra o Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas. Segundo Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, a coincidência das datas foi proposital para explicitar uma grande contradição. Afinal de contas, a energia gerada a partir do vento e do sol é limpa mesmo?

“A solução que está sendo construída é meramente baseada numa relação de mercado. Se propõe a troca de uma matriz energética, com base nos combustíveis fósseis, por outra, baseada na energia renovável, sem entender o desequilíbrio socioambiental que afeta as populações dos lugares onde estão sendo instalados os parques eólicos e as usinas solares”, argumenta.

Roselita Vitor, liderança sindical e uma das coordenadoras políticas do Polo da Borborema – um fórum que reúne 13 sindicatos rurais – destaca o desafio que tem sido expor essa contradição.  “Um número muito pequeno de pessoas conhece os impactos negativos provocados pelo modelo industrial de produção de energia nos territórios. Aqui, na Borborema, há cerca de 19 mil famílias agricultoras. As cidades vivem a partir da renda rural. O que vai significar a chegada desses parques, inclusive, na economia dos municípios?”, questiona.

Além disso, a liderança sindical pontua que a forma como essas empresas chegam nos territórios de todo o Semiárido é estarrecedora. E no Polo da Borborema não é diferente. Os direitos das famílias vêm sendo violados e essa abordagem sendo feita em cada unidade familiar de forma individualizada e, sozinhas, elas não têm força social para resistir. Sem falar que não recebem as informações adequadas sobre os riscos. “O que significa falar com um agricultor de 60 anos, que não sabe ler, sobre uma renda fixa até o final da vida?.”

No entanto, toda essa mobilização para enfrentar as indústrias que querem se instalar nos territórios não significa que as mulheres agricultoras são contra a energia renovável. “Nós não queremos esse modelo privatizado, que fica nas mãos de grandes empresas, que concentram as riquezas geradas com a produção da energia. Nesse modelo, o agricultor, a mulher do campo e a juventude ficam apenas com os prejuízos. Queremos que cada família agricultora possa ter placas solares em suas casas para gerar a energia necessária para o seu uso”, sustenta Adailma Ezequiel, uma jovem liderança sindical do território.

Por que em Montadas dessa vez?

Montadas fica numa região da Borborema Agroecológica que faz fronteira com municípios onde as empresas já têm licenças emitidas pelo Estado para instalar os parques industriais. Isso acontece em Pocinhos, por exemplo, endereço de oito parques eólicos do Complexo Serra da Borborema, da empresa EDP Renováveis, além de três usinas fotovoltaicas nos nomes das empresas Sices Brasil SA e Arigo Solar Energia SPE Ltda.

“Montadas é um município estratégico para reafirmarmos a nossa luta, uma vez que as terra dos agricultores e agricultoras estão sendo ameaçadas pela instalação dos parques eólicos e usinas solares”, comenta a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Montadas, Jaílma Flávia Fernandes.

Em primeiro plano há três mulheres negras, vestidas com roupas claras e usando faixas na cabeça. Elas seguram microfones para cantar. Atrás delas há tem trio de músicos vestindo camisas estampadas e manuseando instrumentos musicais

A presença da cirandeira Lia de Itamaracá está confirmada mais uma vez para animar o momento | Foto: AS-PTA

A Marcha se concentrará na Praça Josefa Tavares, no Centro de Montadas, às 8h, e depois fará um percurso de 1,5 quilômetro até voltar para o lugar de partida. A presença da cirandeira Lia de Itamaracá está confirmada para animar as participantes com voz  e a percussão que marca as batidas da ciranda.

Polo da Borborema

O Polo da Borborema é um coletivo de sindicatos rurais de 13 municípios do Território da Borborema. Ele defende e põe em prática um projeto político de fortalecimento da agricultura familiar por meio da convivência com o Semiárido e da agroecologia. A ação do Polo mobiliza mais de nove mil famílias e envolve desde o agricultor e a agricultoras até os filhos, dos jovens às crianças

Serviço

O que: Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia
Onde: Montadas (PB)
Quando: 16 de março – Dia Nacional da Conscientização sobre as Mudanças Climáticas

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