A Floresta Nacional do Araripe é a primeira Flona do Brasil | Foto: Augusto Pessoa

Por Alice Sales
Colaboradora

Situada na divisa dos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, a Chapada do Araripe é conhecida por abrigar características naturais, históricas e culturais peculiares, que requerem mais reconhecimento e preservação. Para tanto, um Projeto de Lei será enviado à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará a fim de tornar a região a primeira Paisagem Cultural do Estado. A conquista desse título é uma das etapas exigidas para algo maior: a candidatura a Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade, proposta que será enviada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2023.

A campanha que busca tombar a Chapada do Araripe como Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade da Unesco teve início em 2019, com a realização de um seminário,  em Nova Olinda, município do Cariri cearense, que tratou sobre a temática. Desde então, protocolos vêm sendo cumpridos por parte do governo do Estado e instituições parceiras para que esse reconhecimento seja possível. O Projeto de Lei que cria o instrumento jurídico da chancela cultural na legislação estadual de patrimônio, após ser apreciado pelos deputados estaduais, seguirá para aprovação pelo governador Camilo Santana.

O secretário de cultura do Estado, Fabiano Piúba, explica que, para o reconhecimento como Patrimônio Natural e Histórico da Humanidade, é necessário inserir a candidatura da Chapada do Araripe na lista indicativa brasileira por meio do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), instituição responsável pela indicação à Unesco. Essa ação possibilitará o reconhecimento nacional, mas antes disso é necessário que a região seja reconhecida em nível estadual, o que justifica a importância de torná-la Paisagem Cultural do Ceará.

“Paisagem cultural é a modalidade, a categoria que escolhemos para apresentar a proposta da nossa candidatura, considerando que essa categoria expressa de maneira integrada cultura e natureza. Falar da Chapada do Araripe no contexto cultural do Cariri é falar de patrimônio cultural e de patrimônio natural, é manifestar e valorizar a sua bioetnodiversidade”, elucida.

Do ponto de vista ambiental, Artur Bruno, secretário de meio ambiente do Estado, ressalta a relevância do título para a conservação da natureza existente na região. A Floresta Nacional (Flona) do Araripe , por exemplo, foi a primeira Unidade de Conservação Federal criada na categoria de Floresta Nacional (Flona) e carrega um significativo valor histórico.

“É um reconhecimento da importância daquele ecossistema. Nós temos lá flora e fauna riquíssimas. Uma área de mata ainda muito densa e muito preservada que juntamente com a cultura do Cariri, são fatores muito importantes para o reconhecimento da Chapada do Araripe como um patrimônio mundial da Unesco.”, destaca.

Artur Bruno informa, ainda, que o Estado está articulando a criação de mais seis Unidades de Conservação até o próximo ano, na região da Chapada do Araripe. Uma delas é a Área de Importante Interesse Ecológico (ARIE) Riacho da Matinha, que será lançada em breve.

A Bacia Sedimentas do Araripe abriga uma imensa riqueza paleontológica

Dossiê de `Patrimônios

O Dossiê Chapada do Araripe mapeia os patrimônios culturais, históricos e naturais da região também foi exigido pela Unesco para a candidatura. A versão final do documento deverá ser apresentada em um segundo seminário previsto para ocorrer ainda neste ano e é uma iniciativa conjunta entre a Fundação Casa Grande, Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult), Sistema Fecomércio / Serviço Social do Comércio do Ceará (Sesc-CE), Universidade Regional do Cariri (Urca) e Instituto Cultural do Cariri (ICC).

A participação popular tem sido fundamental, não só para fortalecer o lançamento da campanha de candidatura, mas também para o levantamento de dados referentes à criação do dossiê. De acordo com Patrício Melo, professor da Urca, um dos responsáveis pela elaboração do documento, a adesão das lideranças comunitárias foi espontânea. Conduto, ele explica que a primeira seleção de bens foi constituída, em sua maioria, a partir de dados secundários, em razão das limitações impostas pela pandemia de Covid-19.

Até então foram mapeados patrimônios situados em 29 municípios da região, como sítios históricos, arqueológicos e paleontológicos, além de expressões da cultura imaterial, como celebrações, os saberes e fazeres dos Mestres da Cultura no Cariri, dentre outros.

Como exemplo dos bens já registrados, estão: o caminho do Santo Sepulcro, no Horto do Padre Cícero; o Boqueirão de Lavras da Mangabeira; os Mestres da Cultura do Ceará, as bandas cabaçais, os reisados, os grandes mestres da música e da poesia, como Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré e o seu legado; os grandes artistas das artes visuais como Sérvulo Esmeraldo e os Xilógrafos do Cariri e os sítios mitológicos, arqueológicos e paleontológicos da região.

As festas religiosas são expressões essenciais da cultura caririense | Foto: Augusto Pessoa

“Esses bens serão qualificados em seus valores e atributos, naturais e culturais de modo a apresentar a evolução viva dessa relação homem/natureza no contexto da Chapada do Araripe. Com a descrição desses bens, precisamos informar o atual estágio de conservação, proteção, assim como uma estratégia de gestão participativa”, ressalta Melo.

Por se tratar de um acidente geográfico que desde a pré-história exerce importante influência sobre os povos de seu entorno que compreendem o Ceará, Pernambuco, Piauí e Paraíba, a chapada do Araripe é repleta de curiosidades sobre registros, histórias e mitos que tiveram origem em um tempo longínquo.

Alemberg Quindins, gestor cultural e fundador da Fundação Casa Grande, em Nova Olinda, que também contribuiu com a elaboração do dossiê, conta que é comum ouvir pelo Cariri que os dinossauros cujos registros de pegadas se encontram em Sousa, na Paraíba, chegaram ao local correndo desde a Chapada do Araripe.

“No período colonial, a chapada do Araripe foi defendida com muita bravura pelos Kariri, povos originários que denominam a região.  Tanto que foi um dos últimos lugares no Ceará a ser conquistado. Ali não era só um lugar, se tratava de um ambiente sagrado para eles e isso endossa toda a importância cultural e mitológica do território”.

O gestor cultural conta que os rios e fontes de água que surgem da bacia sedimentar da Chapada do Araripe são até hoje reverenciados e retratam muito bem a relação que esses povos originários mantinham com os recursos hídricos do lugar. “O que torna a Chapada do Araripe diferente, é que ela é um oásis no meio do sertão.  Considero as fontes de água daquele lugar, que até hoje possuem tanto valor para o seu povo, o espírito da chapada e o platô é como se fosse o corpo.”

 A campanha de candidatura da chapada do Araripe a Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade junto à Unesco é uma iniciativa da Secult, Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Sema) e Secretaria do Turismo do Estado do Ceará (Setur), além da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), da Urca, do Sistema Fecomércio, da Fundação Casa Grande e do Geopark Araripe, entre outros.

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