A região de Abrolhos, no Sul da Bahia, perdeu 28% dos recifes desde 1861. Entre os mais próximos à costa, a perda chega a 49%. É o que revela pesquisa inédita no Brasil, que utilizou uma carta náutica histórica para comparar as condições ambientais da época com os dados atuais. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e University of Victoria, no Canadá, mergulharam nessa história, que resultou em artigo publicado na última sexta-feira (24), na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
O biólogo Guilherme Longo, da UFRN, coautor do estudo, que teve apoio do Instituto Serrapilheira, explica a importância de olhar para a natureza do passado para compreender como ela mudou durante os séculos: “Frequentemente, perdemos a referência do que é um ecossistema saudável ou a própria extensão dessas áreas. Por isso, este estudo é um marco importante, porque recupera uma referência do quanto já foi perdido”, explica. O pesquisador também afirma que a pesquisa permite definir objetivos mais realistas sobre como conservar os recifes.
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“A região de Abrolhos abriga a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul porque reúne as maiores formações de recife desta região. Os recifes são como cidades subaquáticas que agregam muitas espécies e trazem muitos benefícios para a humanidade”, afirma Guilherme Longo, que cita como exemplos o turismo e a pesca.
Sobre as ações humanas na região, ele revela: “as perdas que reconstruímos, a partir da carta náutica, indicam que o que observamos hoje já não é o ecossistema integral. Ou seja, a humanidade já causou perdas significativas a esta área tão rica em biodiversidade e é fundamental que ajustemos este olhar para não perdermos a referência do que esses ecossistemas já foram. Isso dá uma ideia da urgência de proteger o que restou após mais de 100 anos de perdas, até então despercebidas”.
Indagado sobre as principais causas de tamanha perda, Guilherme longo detalha: “pela recuperação de relatos históricos que fizemos, são pelo menos duas causas principais. A primeira relacionada à coleta direta de corais para utilização em construções e obtenção de cal. Existem diversos relatos sobre a coleta de corais na costa brasileira para este fim, indicando que essa prática durou mais de um século. Outro ponto importantíssimo para essa perda foi o aumento significativo da sedimentação, principalmente trazida por rios que desaguam na região. As margens desses rios foram severamente desmatadas, favorecendo o assoreamento e a chegada de mais sedimentos que literalmente soterram os recifes. Ou seja, o desmatamento mesmo que em bordas dos rios pode ter seus efeitos refletidos no mar”.
Para o biólogo, não existe uma solução única para evitar o agravamento da perda deste importante ecossistema: “precisamos combater a perda de diversidade com tudo que temos disponível. A região de Abrolhos é coberta por uma série de áreas marinhas protegidas que regulamentam os usos da região, desde a pesca, o extrativismo até o turismo. O primeiro passo é respeitarmos as regras dessas unidades de conservação e fortalecê-las para que os impactos locais sejam reduzidos e evitem ainda mais perda. Outro ponto importante é nos darmos conta de que os ecossistemas terrestres e marinhos estão conectados. O que é feito na zona costeira e beira de rios precisa ser bem regulado. É necessário regular o uso e ocupação do solo nessas áreas para minimizar impactos tanto no mar quanto na terra”.
Do século XIX ao século XXI
A carta náutica mostra como eram os recifes da região de Abrolhos, no Sul da Bahia, antes dos grandes impactos ambientais causados pelo ser humano. “O navegador francês Ernest Mouchez documentou detalhes sobre o fundo dessa parte da costa brasileira: os tipos de organismos, conchas, recifes, etc. Fizemos comparações das informações de 160 anos atrás com os dados modernos obtidos por satélites. Assim, detectamos perdas na extensão dos recifes”, contextualiza a bióloga Mariana Bender, docente da UFSM e coautora da pesquisa.
Mariana reforça que, além da extração de blocos inteiros de corais para uso na construção civil em substituição aos tijolos e para queimar e obter calcário, atualmente a região também lida com estressores que comprometem a biodiversidade, como a poluição, o turismo desenfreado e o aquecimento global. Por conta disso, a coautora da pesquisa Carine Fogliarini, da UFSM, utilizou diversas ferramentas da Ecologia Histórica durante o doutorado para avaliar as mudanças: “Visitei museus e bibliotecas à procura de documentos que fornecessem uma perspectiva de como eram os nossos recifes no passado. A carta náutica foi um desses documentos históricos achados”, relata.
Com informações da Agência Bori
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