Na Década das Nações Unidas de Restauração de Ecossistemas, um projeto na Baía de Todos os Santos se destaca por cultivar e proteger os chamados corais de fogo com reaproveitamento de resíduos que seriam descartados e envolvimento da comunidade
Da capital, Salvador, avista-se a Ilha de Itaparica. A travessia pelo mar leva menos de uma hora e, ao desembarcar na Praia de Mar Grande, no município de Vera Cruz, é possível ver mais do que águas cristalinas e calmas. Pouca gente sabe, mas a região abriga uma fazenda de corais da espécie Millepora Alcicornis, popularmente conhecido como coral-de-fogo, nativo da região.
Esse “plantio” de corais é promovido pela Organização Sócio Ambientalista PRÓ-MAR, por meio do Projeto Mares, que começou em janeiro de 2023, com a proposta de conservar o ambiente marinho em comunidades da Ilha de Itaparica por meio da recuperação de ambientes coralíneos.
De lá para cá, foram desenvolvidas 1,6 mil colônias de coral, meta estabelecida pela iniciativa, 300 delas já introduzidas nos recifes de corais, enquanto o restante ainda está em crescimento nos berçários e monitoradas constantemente pela equipe do Projeto. A área onde são feitas as ações de restauração é de 1,5km², delimitada em formato de mosaico ao longo da APA Recife das Pinaúnas.
Tecnologia social inovadora
A construção das chamadas sementeiras para o plantio da espécie Millepora Alcicornis é um dos diferenciais da iniciativa. A sementeira é uma espécie de base de cerca de 8×8 centímetros, feita a partir da utilização de organismos bioincrustrantes oriundos de limpeza de cascos de navios e/ou piers e outros materiais e cimento, onde são amarrados os fragmentos de corais que irão se desenvolver. O reaproveitamento de resíduos que normalmente seriam considerados lixo é outro ponto importante.
Essas sementeiras onde crescem os corais cultivados ficam nas chamadas mesas – são 32 delas, criadas pelo Projeto Mares, em estruturas de PVC, instaladas sob o mar. Os corais ficam de quatro a seis meses sendo monitorados antes de serem implantados no ambiente recifal. Cada mesa tem hoje cerca de 40 sementeiras. “A restauração de corais é importante para a biodiversidade marinha e para a sobrevivência da pesca artesanal, comunidades tradicionais e segurança alimentar de quem depende da produção de alimento desse ecossistema”, explica o fundador da PRÓ-MAR e coordenador do Projeto Mares, Zé Pescador, como gosta de ser chamado.
Branqueamento e clima
A Millepora Alcicornis é uma das espécies de coral que mais sofreu com os impactos das mudanças climáticas na região. Os eventos de branqueamento, percebidos principalmente em 2019 e 2020, reduziram o número de corais, fizeram com que eles chegassem a desaparecer em algumas áreas. Zé Pescador reforça: “precisamos pensar no modelo de desenvolvimento que a gente deseja para que esses ambientes não sejam impactados e colapsados nos serviços que eles promovem, tanto da proteção da costa quanto para o turismo e para a pesca”.
Coordenador científico do Projeto Mares, o biólogo e pesquisador Lucas Lolis frisa que, com a temperatura elevada por um longo período, acontece a expulsão das algas que vivem em simbiose no coral, que fica desnutrido e pode vir a morrer.
Outras ameaças gerais aos recifes de corais incluem a acidificação dos oceanos, poluição, assoreamento, espécies invasoras e mudanças na dinâmica das espécies, doenças de corais, além de atividades antrópicas.
“O coral-de-fogo tem um crescimento um pouco mais acelerado que outras espécies, por isso que ele também é utilizado em muitos projetos de restauração e é uma espécie com um papel ecológico muito relevante pela estrutura tridimensional que oferece aos recifes, funcionando como habitat para pequenos organismos, desde crustáceos, moluscos, pequenos invertebrados e peixes”, conclui.
O Projeto Mares também organiza mutirões de limpeza na areia da praia e no mar e atividades de educação ambiental com escolas da região, com promoção da participação comunitária baseada na ciência cidadã.
Visitas
Para visitar a sede do Pró-Mar e conhecer de perto essa iniciativa, basta agendar pelo telefone (71) 98436-3468, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. O espaço conta ainda com um Centro de Interpretação Ambiental para atividades de educação ambiental que envolve a comunidade e, principalmente, as crianças.
O Projeto Mares é realizado pela Organização Sócio Ambientalista PRÓ-MAR, em parceria com a Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
* A jornalista Andréia Vitório visitou o local a convite do Projeto