Estudo comprova que proteção de recifes garante espécies de interesse pesqueiro

Pesquisa do Departamento de Oceanografia da UFPE utilizou telemetria acústica e censo visual para estudar abundância e movimentação dos peixes na área fechada (ZPVM) de Tamandaré.

Vista aérea do mar de colocação azul com áreas de areia e de corais. Ao fundo, do lado direito, um pedaço da costa

Imagens aéreas ao largo de Tamandaré, dentro da área de atuação do Peld Tams, incluindo a zona de preservação da vida marinha (ZPVM), em que são proibidos o turismo e a pesca

Por Verônica Falcão
Colaboradora

Tamandaré – PE. Os recifes de coral, que se estendem por 3 mil km na costa brasileira, são reconhecidamente abrigo de vida marinha, mas pouco se sabe sobre os padrões de deslocamento de espécies de interesse pesqueiro encontradas neste ecossistema. Um estudo publicado na última edição da prestigiosa revista científica Marine Ecology Progress Series (MEPS) preenche essa lacuna. No artigo, cientistas do Brasil, Portugal e Estados Unidos determinam não apenas o movimento, mas também a densidade de dois tipos de peixe – a baúna (Lutjanus alexandrei) e o papagaio (Sparisoma axillare).

Considera este conteúdo relevante? Apoie a Eco Nordeste e fortaleça o jornalismo de soluções independente e colaborativo!

A pesquisa, que foi realizada por equipe da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene) / Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e apoio da Fundação Toyota / SOS Mata Atlântica. A equipe utilizou censos visuais subaquáticos e telemetria acústica num trecho de recife coralíneo onde o turismo e a pesca são proibidos. O estudo faz parte do doutorado de Daniel Lippi, primeiro autor do artigo, que pode ser consultado neste link.

No censo visual, os pesquisadores identificam, durante o mergulho, a espécie e anotam a quantidade de peixes. “Os resultados mostram que a densidade das duas espécies de peixes é mais elevada dentro da área fechada do que fora”, diz Beatrice Ferreira, coordenadora dos projetos de pesquisa e uma das autoras do artigo. No caso da baúna, a densidade em alguns locais dentro da área fechada chega a ser 11 vezes maior em relação à área aberta para a pesca.

As duas espécies analisadas são alvo de captura na pesca artesanal da região Nordeste. Ambas são endêmicas do Brasil. Ou seja, sua existência na natureza está restrita ao País. Nessa área recifal protegida do Litoral Sul de Pernambuco onde ocorreu a pesquisa, o peixe-papagaio é visto em extensos cardumes itinerantes próximos ao topo dos recifes. Já a baúna se agrega em grande quantidade nas cavernas para descansar.

Durante a pesquisa, que teve aprovação na Comissão de Ética no Uso Animal (Ceua) da UFPE e foi licenciada pelo ICMBio, os peixes foram marcados internamente com transmissores que emitem um sinal acústico único para cada indivíduo.

Nessa fase do trabalho, os peixes eram coletados nos recifes de corais e transferidos para o Cepene/ICMBio, com sede em Tamandaré. No laboratório, uma vez anestesiados, ocorria a inserção cirúrgica do transmissor acústico. Após um período de recuperação, eram devolvidos ao mar, exatamente nos mesmos locais onde foram capturados.

De dezembro de 2016 a outubro de 2017, 20 peixes-papagaio e nove baúnas foram monitorados por 17 receptores dentro de uma extensão de 1 km².

Água em fundo azul, peixe castanho de olho marrom próximo a uma pedra creme

Baúna (Lutjanus alexandrei)

A telemetria permite a observação dos movimentos dos peixes em suas áreas de ocupação. Quando um peixe se aproxima de um determinado receptor, o equipamento registra o código deste peixe, além da data e a hora da detecção. Dessa maneira, foi possível monitorar os movimentos de cada indivíduo enquanto eles permaneciam dentro da área coberta pelos receptores, revelando assim por onde os peixes nadam, as áreas que eles passam mais tempo, onde eles “dormem”, etc.

A pesquisa teve parceria com a universidade norte-americana Texas A&M university at Galveston (Tamug), por meio de uma colaboração firmada pelo programa Pesquisador Visitante Especial (PVE) do CNPq. Além da transferência de conhecimento e empréstimo de equipamentos, o PVE permitiu o intercâmbio de professores e alunos entre as universidades. As duas instituições foram representadas, respectivamente, pela professora Beatrice Padovani Ferreira, do Departamento de Oceanografia da UFPE, e pelo professor Jay R. Rooker, do Departamento de Biologia Marinha da TAMUG.

O trabalho contou também com o apoio da Ocean Tracking Network (OTN), uma rede global colaborativa de monitoramento de espécies por telemetria acústica, com sede no Canadá. Por meio da telemetria acústica é possível mensurar o espaço utilizado pelos peixes e identificar os locais de maior intensidade de uso, como as áreas de alimentação, reprodução e repouso.

A área do recife onde os indivíduos passaram a maior parte do tempo, conhecida como área de vida, variou de 0,10 a 0,45 km². Dessa maneira, também é possível quantificar a proporção da área de vida que está inserida dentro da área fechada. Os resultados apontam que, em média, 95% do espaço ocupado pela baúna e 88% do ocupado pelo peixe-papagaio estão dentro da área fechada, comprovando a importância da medida para a manutenção da biodiversidade e dos estoques pesqueiros.

“Constatamos que as duas espécies estão conseguindo acumular número de indivíduos e biomassa na área fechada, garantindo a manutenção da população e a continuidade do seu ciclo vital”, considera Daniel Lippi, que desenvolveu o trabalho durante o doutorado no Departamento de Oceanografia da UFPE, sob a orientação da professora Beatrice Padovani Ferreira.

É possível também, a partir da telemetria, estudar a contribuição das áreas fechadas para a pesca local. Um exemplo é o deslocamento de peixes adultos para locais em que a pesca é permitida, efeito conhecido como transbordamento ou “spillover”.

Área fechada

A Área de Recuperação Recifal de Tamandaré (PE) – uma zona de exclusão de turismo e pesca criada em 1999 – está inserida na Área de Proteção Ambiental (APA) Federal Costa dos Corais. Com 259 hectares, essa Zona de Preservação da Vida Marinha (ZPVM) é um laboratório a céu aberto que há 10 anos tem sua manutenção garantida pelas Fundações Toyota do Brasil e SOS Mata Atlântica.

Em 2017, a área foi reconhecida pelo CNPq como um sítio do Programa Ecológico de Longa Duração (Peld) Tamandaré Sustentável atua numa extensão de 216.574,06 hectares de paisagem marinha, incluindo a ZPVM e abrangendo ainda praias, manguezais, recifes de corais e a plataforma continental (extensão submersa) no Litoral Sul de Pernambuco.

Recifes de coral

Os recifes de coral ocorrem em mais de 100 países e territórios e, embora cubram apenas 0,2% do fundo do mar, abrigam pelo menos 25% das espécies marinhas, além de assegurar proteção costeira e segurança alimentar e econômica de centenas de milhões de pessoas. No entanto, os recifes de coral estão entre os ecossistemas mais vulneráveis do Planeta aos impactos da ação humana, o que inclui ameaças globais da mudança climática e acidificação dos oceanos, e impactos locais da poluição terrestre, como entrada de nutrientes e sedimentos da agricultura, poluição marinha, pesca excessiva e práticas destrutivas de pesca.

Quer a apoiar a Eco Nordeste?

Seja um apoiador mensal ou assine nossa newsletter abaixo: