Por Márcia Dementshuk
Colaboradora
Artigo científico assinado por 23 pesquisadores do Brasil, Itália e Alemanha, publicado na revista de ciência Scientific Reports, descreve a costa Norte, Nordeste e Sudeste do Brasil como um único e extenso ecossistema recifal, com cerca de 4 mil quilômetros de extensão, onde as espécies se movem e estão conectadas. Nesta abordagem, trata-se do terceiro maior sistema de recifes do mundo. Começa na Guiana Francesa, passa pela costa norte da Amazônia, pelo Nordeste e termina no Sudeste. Um imenso conjunto, repleto de biodiversidade marinha e de grande importância socioeconômica como para a pesca.
Os pesquisadores, dentre eles os integrantes do projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Costa Semiárida Brasileira (Peld CSB) / Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), elencaram evidências científicas que conferem hipóteses levantadas desde o século XIX, introduzidas por Charles Darwin. Entre 1832 e 1836 o cientista integrou uma expedição científica a bordo do veleiro Beagle, desde a Oceania até a América do Sul. Registrou esses recifes tropicais nas anotações e desde então sustentou a existência de grandes recifes na costa Leste da América do Sul.
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A hipótese foi considerada por grupos de pesquisa subsequentes até a atualidade, mas desafiou notadamente um grupo de pesquisadores que trabalhou a partir do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e uniu-se em rede. O Ceará integra a Costa Semiárida Brasileira (CSB) ao lado de Piauí e Rio Grande do Norte. O estudo foi concentrado nessa área, onde bancos recifais se estendem por mil quilômetros. Os cientistas reportaram 192 sítios (bancos recifais), cruzando dados gerados por outros estudos, e identificaram que esse ecossistema está conectado formando um único sistema contínuo ou semi-contínuo, totalmente alinhado aos recifes da Amazônia e ao Sistema da Costa Leste brasileira.
“Há três grandes sistemas de recifes contínuos ou semi-contínuos no mundo. O primeiro é a Grande Barreira de Corais, na Austrália. O segundo é o Recife Mesoamericano, na América Central, no Mar do Caribe. Na Austrália e no Caribe os corais dominam, eles ocorrem em águas mais rasas e claras. O nosso artigo descreve a conexão entre os recifes no Brasil sendo, então, o terceiro maior no oceano”, destaca o pesquisador doutor Marcelo Soares, do Labomar/UFC.
Marcelo Soares coordena o projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Costa Semiárida Brasileira, o Peld CBS, amparado pelo CNPq, o qual também subsidia informações necessárias para a compreensão dos recifes no litoral do Brasil.
O artigo “Habitats marinhos interconectados formam um único sistema de recifes em escala continental na América do Sul” aponta uma ligação entre os três sistemas recifais na costa brasileira. As formações rochosas ao longo do litoral do Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte atuariam como trampolins na condução de organismos, auxiliando o fluxo biológico entre a Amazônia, o Nordeste e o Sudeste.
Há características particulares em cada sistema, como destaca Marcelo Soares: “No litoral da Amazônia e na Costa Semiárida os bancos recifais estão na maioria em águas mais profundas, entre 30m e 100m, e mais turvas, devido à influência dos rios que deságuam no mar. E na Costa Semiárida o vento característico provoca a formação de bancos de areia dentro do mar, mais próximos à praia, por isso os recifes são mais profundos. No Leste há bancos de recifes em mais águas rasas e com maior biodiversidade. Mas a conectividade entre os habitats é clara ao analisarmos os organismos marinhos, o substrato e outros elementos”, afirma o professor.
Um dos pontos avaliados considera a diferença entre os habitats de águas rasas – que recebem mais luz – e habitats em águas profundas, de fundo duro, formados na maior parte por organismos que não dependem muito da luz como esponjas, algas e alguns corais. Também foi estudada a ocorrência de peixes recifais e pequenos seres vivos que dependem dessas rochas.
A partir das conclusões apresentadas, os pesquisadores encorajam a realização de mais estudos que têm sido em número reduzido até o momento. “Uma melhor compreensão da distribuição dos habitats de recifes ao longo da Costa Semiárida do Nordeste é necessária para melhorar a incerteza quanto à conectividade entre esses sistemas de recifes tropicais.”
Meios diversificados para comprovação
O estudo teve base metodológica em levantamento bibliográfico, de campo (mergulho), de satélite e análises laboratoriais. Dados foram compilados de literatura publicada e não publicada e complementados por novas informações produzidas durante o estudo. Foram feitos levantamentos de bancos de dados de coleções científicas de UFC, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Museu Nacional do Rio de Janeiro / Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Smithsonian National Museum of Natural History (Museu Nacional de História Natural Smithsonian).
A descrição dos recifes foi complementada por informações de barcos pesqueiros em uma operação de pesca comercial envolvendo 35 campanhas de pesca. Nos locais onde foram pescados peixes em águas profundas com características recifais é sinal da existência de um recife no local, informação capturada pelos pesquisadores. E ainda, imagens de satélite e filmagens do fundo do mar foram confrontadas para confirmar os resultados.
Projetos de conservação de corais
O Sistema de Recifes da Costa Leste do Brasil se estende por dois mil quilômetros. Inicia no Rio Grande do Norte com presença no litoral nordestino até o Espírito Santo. No percurso há importantes áreas de proteção ambiental como a APA Costa dos Corais (AL), o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos (BA), a APA Costa das Algas (ES), a APA Naufrágio Queimado (PB). Os ambientes de corais também estão resguardados por pessoas comprometidas com a cultura oceânica e trabalham por meio de projetos voltados para a conservação, monitoramento dos corais e divulgação científica.
O programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) /CNPq mantém projetos em outros 10 sítios de pesquisas no bioma Costeiro-Marinho, a maioria dos quais abordam ambientes coralíneos. As informações geradas pelas pesquisas científicas são fundamentais para a conservação da riqueza natural. Dentre eles, o Peld Abrolhos se dedica a um dos bancos de corais de maior biodiversidade do Brasil, na Bahia.
Ainda no Nordeste, o Peld Costa dos Corais (CCAL) e o Peld Tamandaré (TAMS), em Pernambuco, desenvolvem pesquisas, atividades educativas e de conservação. O Peld Habitats Costeiros no Espírito Santo atua na Costa das Algas; na Amazônia, o Peld GARS olha para o Grande Sistema de Recifes da Foz do Rio Amazonas, os recifes mesofóticos (que recebem menos luz). E o Peld Ilhas Oceânicas procura conhecer melhor a vida marinha nas quatro ilhas oceânicas tropicais: Arquipélago de São Pedro e São Paulo, Atol das Rocas, Arquipélago de Fernando de Noronha e o Arquipélago de Trindade e Martin Vaz.
Na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) foi criado o Projeto de Extensão DeOlhoNosCorais, uma realização do Laboratório de Ecologia Marinha da UFRN com o apoio do Instituto Serrapilheira. O projeto é vinculado ao Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) do Centro de Biociências (CB) /UFRN. Sob a coordenação do professor e pesquisador Guilherme Longo, convida a população a monitorar os corais por meio do envio de fotos feitas durante visitas turísticas, por exemplo. E realiza pesquisas e Educação Ambiental.
Outro projeto bastante conhecido pelo tempo em que atua pela conservação dos ecossistemas marinhos, com foco nos ambientes coralíneos é o Coral Vivo: 19 anos em prática. É um projeto patrocinado pela Petrobras.
Na Paraíba há dois projetos em seguimento. O Projeto Coral Eu Cuido é um modelo de gestão participativa para ajudar pessoas e empresas na conservação dos recifes costeiros da Paraíba. Foi criado pela equipe do Laboratório de Ambientes Recifais e Biotecnologia com Microalgas (Larbim) / Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a coordenação da professora doutora Cristiane da Costa Sassi. É desenvolvido com o apoio da Fundação Grupo Boticário. Utiliza tecnologia interativa digital e campanhas de sensibilização para promover um turismo sustentável e conexão da comunidade com a cultura oceânica. O time multidisciplinar monitora tanto a saúde dos corais quanto a atividade turística; divulga o estado de conservação dos recifes e incentiva a prática das condutas conscientes.
O outro, na Praia do Seixas (PB), é o projeto de pesquisa de restauração ecológica de corais com envolvimento da comunidade. Realizado pela pós-doutoranda Karina Massei, recebe apoio por meio de bolsa de pesquisa da Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (Fapesq), vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ecologia e Monitoramento Ambiental (PPGMA) /UFPB. Segundo Karina Massei, o objetivo é formar viveiros de corais para restaurar áreas de corais que sofreram branqueamento e não se recuperaram. O branqueamento leva à morte do coral e é uma das consequências do aumento da temperatura média do oceano nessa região (e em outras áreas). Está em fase piloto de experimentação e estará apto a promover a restauração de ambientes coralíneos da costa brasileira.