As falésias são formações belas, frágeis, perigosas e merecem atenção

Esta matéria foi produzida pela Eco Nordeste (CE) numa parceria com o Saiba Mais (RN) para promover uma discussão sobre a importância, a beleza e os riscos que envolvem estas belas feições do litoral brasileiro.

Suas cores únicas e vibrantes podem ser apreciadas por todo o litoral nordestino e em parte do Sudeste e Sul | Foto: Celso Oliveira

Por Taci Morais
Colaboradora

Aracati / Beberibe / Icapuí – CE. De um visual naturalmente deslumbrante, as falésias modelam e dão feição própria a diversas extensões do litoral brasileiro tornando praias ainda mais convidativas a passeios inesquecíveis. Foram, inclusive, cenário de novelas como “Tropicaliente”, “Final Feliz” e da minissérie “Sansão e Dalila”. Suas cores únicas e vibrantes podem ser apreciadas por todo o litoral nordestino e em parte do Sudeste e Sul.

As mais conhecidas estão: no litoral leste cearense, nas praias do Morro Branco e das Fontes, em Beberibe; Canoa Quebrada, em Aracati; e Redonda, em Icapuí. Cruzando o limite com o Rio Grande do Norte, elas ressurgem no município de Touros e na Praia da Pipa, em Tibau do Sul. Na Paraíba, estão na Ponta do Seixas, em João Pessoa. Em Alagoas, na Praia do Gunga. Na Bahia, na Costa da Praia Dourada, em Mucuri. No Sudeste, surgem no encontro da Serra do Mar com o Oceano Atlântico. E no Rio Grande do Sul, há as falésias de Torres.

De acordo com Gustavo Gurgel, gerente de fiscalização da Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará (Semace), a formação das falésias segue dois conjuntos de processos: os marinhos, pela ação das ondas, correntes e marés; e os aéreos, pela chuva, vento, fatores biológicos e a ação do ser humano.

São paredões íngremes, esculpidos pela lenta, mas constante ação da água do mar, de rios e da chuva. Mas também sofrem a influência do processo erosivo. Nas falésias vivas, ainda atuam os processos marinhos. Nas falésias mortas, esses cessaram e atuam apenas os processos erosivos aéreos.

As falésias têm como função proteger áreas subsequentes dos processos erosivos marinhos, da poluição das águas subterrâneas e dos reservatórios que acumulam água no lençol freático. São importantes ecossistemas, com fauna e flora específicos, que contribuem para o equilíbrio ambiental na zona costeira.

São paredões íngremes, esculpidos pela lenta, mas constante ação da água do mar, de rios e da chuva | Foto: Celso Oliveira

Identificado como feição frágil, esse relevo é bem instável, daí a importância da sua preservação. Com o correto acompanhamento, pode gerar impacto positivo no ordenamento do turismo nas proximidades, de acordo com a capacidade de suporte. É preciso evitar a ocupação irregular por edificações, restringir atividades impactantes, incentivar instituições de áreas protegidas e proteger sua vegetação fixadora, como ações preventivas no resguardo desses componentes geomorfológicos singulares.

Principais impactos

Leonardo Borralho, articulador de unidades de conservação do Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema), destaca que o desmonte das falésias, em consequência de atividades humanas, como a implantação de sistemas hoteleiros, barracas de praia e residências, intensifica o processo erosivo e ainda degrada o ambiente, contaminando o lençol freático.

Outros impactos locais destacados por ele são as extrações minerais (retirada de areia/barro), inclusive para uso no artesanato local, inscrições nas falésias, corte de barreira e tráfego irregular de veículos automotores. “Tudo isso potencializa o processo erosivo e sujeita a movimentação de massa (tombamentos, quedas de blocos e escorregamentos), principalmente em áreas de maior inclinação”, explica.

Riscos de acidentes

É importante o monitoramento do estado das falésias, com uma sinalização adequada balizando os percursos mais seguros | Foto: Celso Oliveira

É importante o monitoramento do estado das falésias, com uma sinalização adequada balizando os percursos mais seguros e ainda a precaução das pessoas para evitarem descansar ou transitar em sua base ou aproveitar a sua sombra. Os visitantes precisam observar a área, verificar se não existe erosão na base da falésia, desmoronamentos próximos ao local, se ela está sofrendo colapso e, principalmente, se informar junto aos moradores se a área é segura.

Em casos mais graves, o solapamento destas estruturas pode causar, inclusive, mortes, como a da família, na Praia da Pipa (RN), no dia 17 de novembro passado. Outro fator que precisa ser repensado é o acesso ao local, devido à constante movimentação de pessoas, que também favorece processos erosivos. Em algumas formações, os frequentadores chegam a praticar escaladas, aumentando com escavações de buracos os processos de desgastes.

As falésias vivas são naturalmente consideradas áreas de risco, pois estão constantemente submetidas ao processo erosivo, e este fato favorece os desmoronamentos, tanto no topo, como em sua base. Dois fatores importantes devem ser levados em conta na análise do risco de recuo das falésias: primeiro a natureza da rocha da qual ela é composta. Quanto mais mole for, maior o risco de erosão rápida. E, segundo, a inclinação do talude. Quanto mais íngreme, maior o risco de desabamentos que podem causar acidentes. Falésias com inclinação de talude suaves, caso do Morro Branco, Praia das Fontes e Canoa Quebrada, oferecem poucos riscos de desabamentos importantes, destaca Gustavo Rangel.

Professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles, que está acompanhando dois doutorandos no desenvolvimento de teses sobre o impacto das Mudanças Climáticas e as falésias em Icapuí (e a salinização dos aquíferos), relata que, quando existem ocupações nestas áreas, acaba ocorrendo a concentração de escoamento superficial pela impermeabilização do solo, o que desgasta também as bordas superiores e as encostas das falésias, provocando deslizamentos.

“São relevos que apresentam indicadores geológicos, geomorfológicos, hidrogeológicos, climáticos e oceanográficos que resultaram em processos erosivos continuados. Eles estão analisando para definir quais as áreas estão suscetíveis ao transporte/deslizamento de maneira brusca em grandes volumes de materiais rochosos e argilosos que serão lançados das escarpas das falésias na direção da faixa de praia”, informa. Para ele, estas áreas deverão ser submetidas a uma gestão muito especial, uma vez que possivelmente tem aumentado a frequência de deslizamentos em Icapuí.

A confirmação vem de Tobias Soares, pescador de lagosta, morador da Praia da Redonda, em Icapuí, há mais de 40 anos e coordenador de Políticas Públicas para Pescadores e Marisqueiras da Pesca Artesanal no Município. Ele afirma que a degradação se dá por diversos fatores.

Ressalta como agravante da falta de fiscalização e de sinalização, construções indevidas, circulação constante de pessoas, passeios de bugguies e outros veículos. Observa alguns pontos nas falésias ainda conservados e que poderiam ser preservados para garantir a beleza nativa daquela fração do litoral cearense.

As falésias são protegidas como Área de Preservação Permanente (APP) pela resolução do Conama Nº 303/02, que proíbe qualquer tipo de ocupação numa faixa de cem metros, contados da sua borda. Em setembro de 2020, no entanto, o titular do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ricardo Salles, conseguiu extinguir o artigo que dava essa proteção a mangues, dunas e restingas, decisão que segue como tema na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em território estadual e municipal, é importante acompanhar as políticas de conservação e de proteção destes sítios, resguardando sua importância ambiental e o impacto para as cidades litorâneas, evitando acidentes naturais e apoiando um turismo mais sustentável.

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