Para a ASA, acabar com o Consea contraria o direito humano à alimentação, previsto no Constituição Federal

 

A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) lançou, na última quinta feira (3), uma carta lamentando o que seria o fim da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. “Fechar o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) é ferir de morte o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) no Brasil, investir contra o princípio constitucional da participação social e condenar os mais pobres, sobretudo do Semiárido, da Região Norte e das periferias das médias e grandes cidades, à fome, à miséria e à morte”, destacou.

O Semiárido brasileiro reúne uma população de mais de 23 milhões de pessoas, das quais 9 milhões no meio rural. São cerca de 1 milhão e 700 mil famílias na agricultura camponesa (agricultores familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas, catingueiros, geraizeiros, raizeiros, quebradeiras de coco, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros e tantas outras identidades socioculturais). Estes são responsáveis por grande parte da produção de alimentos no País, destaca em carta aberta.

Apesar desta riqueza, é no Semiárido, sobretudo no rural, e nas pequenas cidades e periferias das médias e grandes cidades, que ainda existem dezenas de milhões de pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza (IBGE, 2018).

Durante muitos anos a fome, a migração, a miséria e a morte foram os principais destaques e marcas do Semiárido. Seus indicadores sociais se igualavam aos de países da África Subsaariana. A região era rotulada como problemática, sobretudo, por setores das regiões Sul e Sudeste.

Política de Convivência com as Secas

Foram desenvolvidas as mais diversas soluções e se cristalizou uma política do convivência com as secas, que pôs fim à distribuição de cestas básicas, às frentes de emergências e a toda sorte de humilhação e dependência de governos.

Nos últimos anos, desde a Constituição de 1988, os indicadores sociais do Semiárido vêm mudando significativamente, se aproximando das outras regiões do País. Muito deste resultado se deu pelas políticas e redes de proteção social existentes atualmente na região. Entre elas:

  • Aposentadoria Rural
  • Políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família
  • Programas de Acesso à Água para consumo humano, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC); para produção de alimentos, com o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2); e para Escolas Rurais, como o Programa Cisternas nas Escolas
  • Compras Institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que vincula a compra de 30% dos recursos repassados pelo Governo Federal à compra da Agricultura Familiar
  • Garantia Safra
  • Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)
  • Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica
  • Fomento à Produção
  • Um conjunto de políticas de Economia Solidária

Seca sem fome e migração

A maioria destas políticas surgiu nos debates, nas proposições e no engajamento do Consea. São políticas e ações que tiveram e ainda têm papel significativo na transformação para melhoria da vida das pessoas do Semiárido, fazendo com que esta população fosse capaz de resistir a uma das estiagens mais fortes e violentas da história (2011 a 2017), sem que houvesse morte humana e migrações em massa Nordeste-Sul. Igualmente contribuíram para retirar o País do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).

Por isso a, ASA, que atua com o desenvolvimento do Semiárido brasileiro e que tem um dos assentos da sociedade civil no Consea, recebeu com surpresa, tristeza e pesar, a decisão do Governo recém-empossado em revogar, por meio da Medida Provisória Nº 870, de 01/01/2019, disposições constantes da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan), que visam assegurar o direito humano à alimentação adequada para todos os brasileiros.

Para a ASA, a medida contraria o Artigo 6º. da Constituição Federal, que estabelece os direitos sociais, dentre eles, o direito à alimentação. Com o objetivo de garantir estes direitos sociais, individuais e coletivos, a Constituição de 1988 estabeleceu a estruturação de sistemas públicos, a exemplo do Sistema Único de Saúde (SUS), Sistema de Assistência Social (Suas) e, em 2016, o Sisan.

Dentro do Sisan, o Consea se constitui num espaço importante de controle social e de construção de propostas e políticas sobre a alimentação saudável, elemento essencial e vital para o ser humano. A experiência do Consea espalha-se por vários países da América Latina e é estudada em diversas universidades do Brasil e do Mundo, inclusive na ONU.

“Extinguir o Consea é ferir de morte o SISAN e, por sua vez, as políticas de segurança alimentar e nutricional, condenando, sobretudo, as populações do Semiárido, da Região Norte e das periferias das médias e grandes cidades, à fome, à miséria e à morte. Significa privar a Presidência da República e, por sua vez, a população, de um importante órgão de assessoria com a participação da sociedade civil, que atua na implementação e no controle de Políticas Públicas que mudaram a vida de milhões de brasileiros”, ressalta a ASA.

E argumenta: “Neste momento em que se inicia um novo ciclo de governos, tanto na esfera nacional como estaduais, onde o conjunto da população deseja acertos nas políticas econômicas e diminuição das desigualdades sociais, a fome cresce no Brasil (dois milhões de pessoas a mais somente em 2017), ameaçando o nosso país a voltar ao Mapa da Fome. A erradicação desta tragédia exige o melhor de nós: governo e sociedade civil”.

Por fim, comprometida com o bem-estar da população do Semiárido e do Brasil, se coloca na condição de sempre debater, defender, propor e executar políticas de convivência com o Semiárido, no intuito de garantir os direitos dos povos e comunidades da região, manifestando o desejo de que o Consea continue sua trilha exitosa de construção e controle social de políticas públicas que visam a segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro.

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