Projeto busca mercados para produtos da sociobiodiversidade da Caatinga

Na direita há três garrafas de vidro, sendo uma delas, cachaça, a outra cerveja de umbu e a terceira uma cerveja de licuri. Ao lado dos frascos há uma caixa de cacau em pó, outra de chocolate e um pacote de café

Produtos produzidos por agricultores familiares que podem ser encontrados no Armazém da Caatinga | Foto: Alice Sales

Juazeiro (BA). Às margens do Velho Chico, na orla de Juazeiro da Bahia, há um lugar especial: o Armazém da Caatinga. O espaço, erguido em um prédio histórico da cidade, é fruto do trabalho de agricultores familiares da região e em comunhão com uma feira agroecológica que ocorre ao lado, funciona como um mercado de produtos de economia solidária. Administrado pela Central da Caatinga, articulação de organizações socioeconômicas de agricultores e agricultoras familiares do Semiárido brasileiro, o Armazém existe desde 2016 e comercializa produtos que primam pela produção agroecológica, adoção das boas práticas de segurança alimentar, comercialização solidária, gestão coletiva e preservação do meio ambiente.

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O espaço reúne produtos de 15 cooperativas filiadas, beneficia quase duas mil famílias atendidas diretamente pela Central e dá visibilidade a itens produzidos não só por essas cooperativas, mas também por outros empreendimentos da agrobiodiversidade brasileira. A maioria dos produtos encontrados tanto na feira agroecológica como no Armazém da Caatinga, possuem certificação orgânica e selo da agricultura familiar, além de contarem com a diversidade de alimentos naturais, livres de agroquímicos, sustentáveis e com potencial para geração de emprego e renda para comunidades rurais, em especial, no Semiárido brasileiro.

Denise Cardoso, coordenadora institucional e de mercado da Central da Caatinga, conta que, além de dar visibilidade ao que é produzido no bioma, o Armazém nasceu da necessidade de criar estratégias de comercialização desses produtos que passam pela Central. Já são mais de 800 tipos de itens nas prateleiras, que variam entre alimentos, bebidas, roupas e artesanatos. Além da loja física, hoje, qualquer pessoa pode comprar os produtos comercializados no Armazém, à distância, por meio do site. Essa experiência é um excelente exemplo de como a produção de agricultores familiares da Caatinga possui potencial de mercado e expansão, além de fazer diferença na vida de todas essas famílias envolvidas.

Contudo, os caminhos para consolidar essa iniciativa não se deram do dia para a noite e foram marcados por muito trabalho e desafios, compartilhados por Denise, durante o I Fórum de Negócios da Sociobioeconomia da Caatinga, promovido pelo Projeto Rural Sustentável (PRS) Caatinga, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA), no dia 14 passado.

A Caatinga pode ser a origem de produtos em nível nacional e mundial? Quais são os principais produtos oriundos da agricultura familiar no Semiárido brasileiro? Quem são os compradores interessados nessa produção? Qual é o interesse do mercado exterior nesses itens? E como alcançar outros países? Quais desafios e estratégias devem ser adotadas para consolidar esses negócios de forma sustentável e garantir a segurança alimentar das famílias? Quais são as maiores necessidades desses produtores? Como a produção pode ser feita a partir de tecnologias de baixo carbono?

As respostas dessas e de tantas outras perguntas ou pelo menos os caminhos para chegar até elas, foram a tônica do evento que reuniu agricultores familiares, arranjos produtivos locais, cooperativas, lideranças regionais, pesquisadores, autoridades e investidores para o debate e intercâmbio de experiências sobre os mais diversos aspectos do setor. Além disso, o evento expôs as experiências de cooperativas da agricultura familiar da Caatinga, com o desafio de diversificar as oportunidades de negócios, melhorar a comercialização e ampliar mercados.

“A sociobioeconomia valoriza as pessoas que têm relação com a natureza. O Fórum reconhece os povos tradicionais, produtores rurais e promove o engajamento dessas populações. A Caatinga é também um bioma relevante para estudar as mudanças climáticas globais. Por isso, é importante ressaltar a agricultura regenerativa e sua conexão com a floresta nativa. E o fomento à agricultura familiar trazendo inclusão social e aumento de renda para as famílias. O evento veio também dialogar com os produtores, entender os seus sonhos e perceber aonde eles querem chegar. E verificar quais as suas necessidades para apoiá-los em seus planos de trabalho”, ressaltou Pedro Leitão, diretor do PRS Caatinga.

Antônio Marcos Rodrigues, representante da Compagro, cooperativa que beneficia mel de abelha, no município de Ouricuri (PE), ressaltou que a ocasião permitiu-lhe ampliar os conhecimentos sobre o tema e que levará essas informações e aprendizados para a sua comunidade. “Precisamos trabalhar mais a parte coletiva, para que possa aumentar a produção e comercialização no espaço que temos, para que a gente possa a cada dia atender melhor o consumidor que busca por esses produtos”, destacou.

Movidos pelo lema “produzir para conservar e conservar para produzir”, os que estiveram presentes também tiveram a oportunidade de participar de um workshop para a construção de planos estratégicos para sete cooperativas parceiras do PRS Caatinga, dos estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Piauí. A atividade conjunta, facilitada por profissionais do Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), buscou apontar soluções para novas oportunidades de negócio na Caatinga com soluções sustentáveis e eficiência produtiva, valorizando o tripé segurança alimentar, conservação da biodiversidade e baixo carbono.

Participam do workshop a Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda (Aresol) e a a Associação Comunitária Terra Sertaneja (Acoterra), a Cooperativa Ser do Sertão; Associação dos/as Agricultores/as Familiares da Serra dos Paus Dóias (Agrodóia), o Centro de Estudos Ligados à Técnicas Alternativas (Celta), a Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (Comapi) e a Associação de Reposição Florestal do Estado do Piauí (Piauiflora). Também estiveram envolvidas outras cooperativas e associações parceiras, que fazem parte de sua rede de apoio e comercialização e estarão envolvidas na elaboração dos planos estratégicos.

“Entre março e abril faremos um acompanhamento, com visitas a cada uma das cooperativas, para o planejamento de longo prazo e o futuro com o PRS Caatinga. Queremos criar oportunidades para o agricultor familiar se inserir em mercados emergentes que valorizam cada vez mais a sustentabilidade. A produção de alimentos típicos da Caatinga a partir de princípios agroecológicos já é uma realidade para muitos pequenos produtores do Semiárido. Agora, com a adoção das tecnologias de baixo carbono, queremos agregar valor a esses produtos, abrindo novas oportunidades de negócio para os agricultores familiares”, ressaltou Luciana Villa Nova, que coordena essa linha de ação do Projeto.

Para Sarah Menezes, especialista em educação ambiental e assessora de comunicação da Fundação Araripe, que participou do evento, o que lhe chamou atenção foi a organização das cooperativas e associações participantes exposta durante o momento de troca de conhecimentos e de aperfeiçoamento do que já vêm fazendo por meio dessas estratégias construídas durante o workshop. Do ponto de vista da comunicação, Sarah destaca que esse ainda é um aspecto que precisa ser fortalecido por essas organizações para dar visibilidade aos produtos.

“O interessante é que eles são muito organizados quanto à gestão e beneficiamento dos produtos, com níveis de qualidade altíssimos e que são típicos da nossa cultura. Mas ainda estão caminhando para fortalecer a comunicação, que é uma veia estratégica para cada um desses negócios. Alguns deles já possuem contas no Instagram e outras redes, que muitas vezes são geridas pelos filhos dos produtores”, finalizou.

A programação do Fórum contou com a participação de Paulo Eduardo de Melo, diretor técnico do AgroNordeste e representante do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); Anderson Sevilha, coordenador nacional do Projeto Bem Diverso e pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia; Lúcia Marisy, professora do Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (PPGADT), da Univasf; Paulo Pedro Carvalho, coordenador do Programa de Mobilização de Recursos, do CAATINGA – Centro de Assessoria e Apoio aos Trabalhadores e Instituições Não-Governamentais Alternativas; Alexandre Pires Lage, assessor técnico da Central do Cerrado.

E também Denise Cardoso, coordenadora institucional e de mercado da Central da Caatinga; Gerusa Alves, presidente, e Andreson de Souza, vice-secretário, da Associação Comunitária Terra Sertaneja (Acoterra); Sergio Viana, gerente geral da Cooperativa Mista dos Apicultores da Microrregião de Simplício Mendes (Comapi); Valdirene Oliveira, presidente da Cooperativa Ser do Sertão; e Vilmar Lermen, presidente da Associação dos Agricultores Familiares da Serra dos Paus Dóias (Agrodóia).

As mesas contaram com a moderação de Pedro Leitão, diretor do PRS Caatinga;  Luciana Villa Nova, consultora do Projeto; Renata Barreto, coordenadora científica; e Francisco Campello, coordenador Regional do PRS Caatinga.

Sobre o PRS Caatinga

O Projeto Rural Sustentável Caatinga é uma iniciativa financiada pelo Fundo Internacional para o Clima do Governo do Reino Unido, em cooperação com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Tem o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) como beneficiário institucional. A execução do PRS Caatinga é da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Mais informações em: www.prscaatinga.org.br.

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