Cultivo de algodão sustentável anima produtores do Ceará

A história de decadência e retomada do cultivo de algodão no Ceará demonstra um cenário de esforços em busca de Sustentabilidade

Por Lívia Priscilla
Colaboradora

No Ceará, para o plantio do algodão, a terra começa a ser preparada entre janeiro e fevereiro, e a colheita vai de junho a agosto | Foto: Ricardo Moura

Ao alvorecer de um novo ano, as primeiras gotas de chuva que banham o solo cearense são a renovação de esperança para os agricultores iniciarem o plantio. No caso do algodão, a terra começa a ser preparada entre janeiro e fevereiro, até a colheita, de junho a agosto. A época é conhecida como “inverno” no Estado e pode confundir quem vive em regiões brasileiras com estações do ano mais definidas. É que os cearenses chamam assim o período com maior concentração de chuvas, no primeiro semestre do ano.

Um desses agricultores esperançosos com a chuva é Israel Matias, da comunidade Santo André, no município de Crateús, na região do Sertão dos Inhamuns. A agricultura faz parte da vida dele desde quando era criança e a família já plantava algodão. Porém, na década de 1990, o cultivo foi interrompido por causa do inseto bicudo-do-algodoeiro. Até que, em 2017, Israel voltou a trabalhar com essa cultura, com apoio do Projeto de Algodão Agroecológico da organização não governamental (ONG) Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria. Na opinião de Israel, trabalhar com algodão é muito prazeroso porque é uma cultura boa de ser manejada. Assim, a opção dele pelo algodão agroecológico vem das bases agrícolas de respeito ao meio ambiente e à diversidade.

Por outro lado, a experiência com algodão não foi positiva para João Ramos Neto, pai da agricultora familiar Maria Eliane Lobo Ramos. “O meu pai é um agricultor familiar que não tinha terra e morava com o patrão. Naquele tempo era muito diferente porque era um plantio que se chamava solteiro – só de algodão, mandioca, feijão, milho – era a  monocultura”, narra. O regime em que o pai de Eliane trabalhava era o de meia, ou seja, se ele produzisse 100 kg de algodão, metade era dele e metade, do dono da terra. Como o pai dela comprava itens de alimentação no armazém do fazendeiro, muitas vezes, após prestar contas com o patrão, ainda restava dívida de um ano para o outro.

“Meu pai jurou a si próprio que iria conseguir um canto pra ele onde não fosse trabalhar de meia mais”, afirma Eliane. Até que João Ramos Neto concretizou esse sonho quando comprou um lote de sete hectares do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), no distrito de Maravilha, município de Choró, na região do Sertão Central. “Foi a primeira vez que a gente teve direito a ter uma terrinha”, lembra Eliane. Hoje, a família vive em uma área bem maior, no assentamento federal São João da Conquista, no distrito de Barbada, em Choró. Aos 84 anos, o pai de Eliane ainda trabalha na roça, mas não quer mais cultivar algodão. “Ele disse que algodão nunca deu pra ele, ao contrário, tirava dele, então ele não aceita, não quis mais saber de produzir algodão”, afirma.

A agricultora familiar Maria Eliane Lobo Ramos conta que seu pai, João Ramos Neto, que plantou algodão no passado e se desencantou com a atividade | Foto: Aline Moura

História de decadência e retomada

As narrativas dos agricultores se misturam ao histórico de decadência e retomada da produção algodoeira no Ceará. O algodão nomeia um dos capítulos da história agrícola cearense dos séculos XIX e XX. O produto chegou a ser conhecido como o “ouro branco do sertão” e elevou o estado do Ceará à categoria de um dos maiores produtores do Brasil. Na época, o algodão contribuiu para o uso, a ocupação e a posse da terra, sendo elemento de dinamização da questão agrária regional, ao lado da pecuária.

De acordo com Leandro Vieira Cavalcante, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), doutor em Geografia e pesquisador na área de Geografia Agrária, durante décadas, o “binômio gado-algodão” foi responsável por dinamizar e potencializar a economia do Ceará e as variedades de algodão eram comumente cultivadas no sequeiro, ou seja, sem o uso de irrigação, expandidas em todo o Semiárido cearense.

“Esse produto era cultivado tanto por camponeses quanto por latifundiários – estes se utilizavam da mão de obra de moradores, parceiros e rendeiros, que colhiam o algodão nas terras dos fazendeiros em situações de profunda sujeição. O cultivo direcionava-se, principalmente, para a produção da pluma, adquirida por indústrias têxteis, em sua maioria concentradas em Fortaleza”, analisa Leandro Cavalcante. Agricultores esses que, como o pai de Eliane Ramos, cultivavam o algodão na terra dos fazendeiros.

Fatores como problemas econômicos e a introdução do inseto bicudo-do-algodoeiro levaram a cotonicultura nordestina à decadência no fim do século XX, como foi o caso da família do agricultor Israel Matias. “Assistiu-se a uma completa desregulação da atividade produtiva do algodão no Ceará, seja em virtude das oscilações do preço da pluma nos mercados nacional e internacional e da concorrência com outros estados e países produtores, seja da ocorrência da praga do bicudo, que dizimou plantações inteiras no estado”, detalha o professor da UFRN.

A decadência do ciclo do algodão também é relatada por Euvaldo Bringel, coordenador do Programa de Modernização do Algodão, da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet). Segundo ele, na década de 1980, o Ceará chegou a cultivar 1,2 milhão de hectares, porém, a não condução com tecnologias adequadas à convivência com o bicudo contribuiu para praticamente extinguir a produção. “Especialmente na região Nordeste, todos foram induzidos ao abandono da cultura. Como consequência, o Brasil passou de maior exportador de fibra de algodão até 1990 para, a partir desta data, ser o maior importador de algodão do Planeta”, declara.

A retomada do cultivo viria a partir de meados dos anos 1990, quando o Esplar coordenou a introdução do cultivo agroecológico, modelo existente em regiões cearenses como o Sertão Central, lugar em que vive a família de Eliane Lobo, e o Sertão dos Inhamuns, onde Israel Matias mora. Segundo Ronildo Mastroianni, técnico do Esplar, o cenário atual no Nordeste brasileiro é consequência de muitos incentivos e investimentos na produção agroecológica da fibra. Até 2020, os estados de Ceará, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe seguem produzindo algodão orgânico. “Há uma perspectiva de que o panorama da produção de algodão agroecológico no Nordeste siga alinhado com a perspectiva mundial, de um crescimento modesto”, projeta Ronildo.

Opção pela Agroecologia

O Brasil iniciou a produção do algodão agroecológico ou algodão orgânico no Ceará, pelos/as agricultores/as da Adec com o apoio do Esplar na produção, beneficiamento e comercialização da primeira safra de algodão orgânico do Brasil, em 1993 | Foto: Ricardo Moura

Foi no município de Tauá, no Sertão dos Inhamuns, que o País entrou para a história do algodão orgânico mundial, pela primeira vez, a partir da iniciativa da Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá (Adec). “A história do Brasil na produção do algodão agroecológico ou algodão orgânico mundial inicia com a produção do Ceará, pelos/as agricultores/as da Adec que tiveram o apoio do Esplar para a produção, beneficiamento e para a comercialização da primeira safra de algodão orgânico do Brasil em 1993”, detalha Ronildo Mastroianni. A primeira safra colhida chegou a duas toneladas de pluma de algodão e atendeu demanda da organização não governamental Greenpeace, que adquiriu a produção para fabricar camisetas.

Segundo Ronildo, o engenheiro agrônomo Pedro Jorge Bezerra Ferreira Lima, que é um dos sócios fundadores do Esplar, fez a diferença no desenvolvimento da cultura do algodão agroecológico, tendo sido a pessoa que introduziu o algodão em consórcios agroecológicos na região do semiárido nordestino. “Consórcios agroecológicos consistem em plantar em uma mesma área uma diversidade de culturas, com diferentes necessidades nutricionais, porte e sistemas de raízes também diferentes, que venham a se complementar visando a obtenção de colheitas satisfatórias de produtos variados. O plantio consorciado diminui o risco de perdas de safra por falta ou excesso de chuvas, ataque de pragas ou outros fatores”, explica.

Nesse modelo, são empregadas técnicas de conservação de solo e controle de insetos com produtos naturais, para não prejudicar nem o ambiente nem a saúde humana e animal, excluindo-se a prática de queimadas e de uso de agrotóxicos. Além disso, busca-se o estabelecimento de relações baseadas nos princípios do Comércio Justo e Solidário, bem como a superação das desigualdades entre homens e mulheres.

É o caso da agricultora familiar Maria Eliane Lobo Ramos, que encontrou fonte de sustento no algodão agroecológico, depois de conhecer o projeto apresentado em 2002 pelo Esplar. Após conseguir mobilizar um grupo de trabalhadores para fazer um intercâmbio no Sertão dos Inhamuns, em Crateús, a partir de 2004, Eliane decidiu plantar algodão em consórcio, com outras culturas. “Eu gostei muito porque eu tinha um sonho de mostrar para algumas pessoas que era possível retornar a produzir algodão sem precisar dessa exploração do patrão e sem o uso de agrotóxicos”, conta Eliane, que teve uma experiência diferente do pai dela.

Para ela, o maior objetivo do consórcio é a alimentação saudável. “Saber o que nós estamos comendo, sem precisar usar agrotóxicos, acabar com o meio ambiente e destruir os rios, os riachos, os açudes, a nossa natureza, a nossa terra e também a nossa vizinhança. A gente tem essa consciência de que o espaço é para todos e não somos só nós que vamos produzir nessa terra, outros virão e precisam dela”, relata a agricultora.

O consórcio agroecológico também é realizado na unidade familiar do agricultor Israel Matias. “Além de melhor qualidade na alimentação, a atividade garante a ciclagem de nutrientes e de diversidade de vida no solo, ajudando no equilíbrio natural de insetos que possam ser considerados pragas. Todos esses fatores geram o resultado de a gente trabalhar na mesma área por muito tempo, diferente de um roçado que é queimado e o agricultor trabalha somente um ou dois anos naquele espaço”, opina.

Segundo o agricultor familiar Israel Matias, além de melhor qualidade na alimentação, consórcio agroecológico garante a ciclagem de nutrientes e a diversidade de vida no solo, ajudando no equilíbrio natural de insetos que possam ser considerados pragas | Foto: Israel Matias

Sustento tirado do algodão

No modelo do algodão em consórcios agroecológicos, o beneficiamento, que é a transformação do algodão em rama para algodão em pluma, é feito pelos próprios agricultores e agricultoras, com tecnologia adequada e apropriada. Além de beneficiarem o algodão, eles recebem parte do caroço, o que gera alimentos para os animais da unidade familiar ou mesmo renda, se vendido. “A gente descaroça o algodão, vende a pluma, fica com o caroço e com ele a gente ou faz ração para nossos animais ou vende para a vizinhança que queira comprar algodão com garantia de não ter agrotóxico”, detalha Eliane Lobo.

Após passar por todas as etapas de preparo da terra, plantio, tratos culturais, colheita e beneficiamento, a última fase é a venda. No Ceará, foram criados os dois primeiros Organismos Participativos da Avaliação da Conformidade (OPACs), os quais recebem, beneficiam e comercializam o algodão e demais produtos das unidades familiares produtivas envolvidas. Eles também são responsáveis pela Certificação Participativa e pela emissão do Certificado de Orgânico. São eles a Associação Agroecológica de Certificação Participativa dos Inhamuns/Crateús (Acepi), localizada no Sertão dos Inhamuns e de Crateús, bem como a Associação de Certificação Participativa Agroecológica (Acepa), que fica no Sertão Central.

Desde 2005, as marcas Veja Fair Trade e Justa Trama se comprometem a comprar a pluma do algodão do Ceará, com pagamento antecipado e preço justo, em acordo feito no mês de dezembro de cada ano. As duas compram algodão da Adec e a Vert, que é a filial brasileira da Veja, adquire algodão da Acepi e da Acepa.

Ronildo Mastroianni explica que existe uma relação de parceria entre os compradores de algodão agroecológico e os agricultores e agricultoras. “Há um diálogo e negociação direta entre eles/as, pensando nos custos de produção, definindo conjuntamente o preço possível de ser pago naquele momento e com garantias através de contratos de compra e pagamentos antecipados do algodão agroecológico”, detalha.

A forma de comercialização é um dos pontos mais interessantes e positivos para Eliane Lobo, por serem os agricultores familiares que plantam, colhem, fazem o descaroçamento e vendem. “Saber para quem está vendendo, saber onde é o fim desse algodão, isso para nós foi muito bom e é muito bom, a gente conversar diretamente com as pessoas que estavam comprando algodão”, afirma. Segundo ela, o algodão é um complemento da renda familiar. “Nosso objetivo não é lucro, nosso objetivo é alimentar a família, poder vestir, calçar, estudar, e garantir que a gente tenha as políticas públicas funcionando, e ter uma alimentação saudável”, declara.

O mesmo acontece com Israel Matias, cuja renda gerada pelo algodão se complementa com outras atividades, como criação de ovinos e suínos, apicultura e plantação de horta. Israel Matias está organizado na Acepi e, em 2020, a safra de algodão produzida pela Associação chegou a mais de 23 mil kg em rama e a 9 mil kg em pluma. Para ele, a relação da Acepi com o Esplar é de extrema confiança. “O Esplar tem um papel fundamental nessa ciranda, pois o acompanhamento técnico realizado por eles dá condições para que possamos nos organizar e melhorar a forma de produção”, afirma.

Já Eliane deixou de produzir algodão, mas mesmo assim, acredita ser um tipo de cultura que contribui para o sustento. “Produzir o algodão pra mim foi de grande riqueza, de grande sabedoria, vendo a forma que a gente produzia da forma como eu via meu pai fazer. Meu pai tem toda razão de não querer mais hoje produzir o algodão. Se eu tivesse saúde, tivesse condição, eu produzia o algodão agroecológico, gosto muito do algodão, acho que é uma cultura que deixa condição de a agricultura familiar sobreviver”, declara.

Incentivo à modernização do cultivo

A retomada da produção de algodão no Ceará também passou a ser incentivada em outra vertente, a partir de 2018, com o “Programa de Modernização do Algodão”, iniciativa da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), do Governo do Estado. “O modelo de trabalho foi sempre voltado para a atividade lucrativa, para o agronegócio, seguindo as diretrizes de formatar, supervisionar e interagir para viabilizar uma próspera cadeia de negócio em torno do algodão, envolvendo pesquisa, difusão de tecnologia, segurança fitossanitária, apoio ao produtor, otimização da logística e o beneficiamento, todos tratados como negócio”, explica Euvaldo Bringel, coordenador do Programa. As regiões escolhidas para receber o Programa foram as Centro-Sul, Cariri e Chapada do Apodi.

Entre as estratégias do Programa, destaca-se a definição dos polos prioritários, o cadastro dos produtores e o georreferenciamento. “Foram implantadas áreas para experimentos e definição de melhores cultivares e de pacote tecnológico para, então, articularmos com bancos o financiamento ao produtor; com as indústrias, a garantia de compra; e com fornecedores de máquinas e insumos; o compromisso de disponibilizar na data certa aos produtores”, afirma.

A cadeia produtiva do Programa envolve muitos parceiros, como os fornecedores de insumos e serviços de tecnologias. Já a indústria de beneficiamento garante a compra, com preço pré-ajustado baseado no cenário internacional, disponibilizando máquinas de colheitas e apoio na difusão de tecnologia ao produtor. Outro parceiro é a Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri), que dá suporte ao acompanhamento do vazio sanitário, período de ausência total de plantas vivas de algodão no campo, de 1º de outubro a 31 de dezembro de cada ano.

Por sua vez, a Embrapa Algodão orienta o uso de cultivares produtivas com tecnologias adequadas para a região e de insumos compatíveis com essas cultivares e as condições ambientais. “A Embrapa atua na orientação das tecnologias a serem adotadas, na capacitação de técnicos e produtores, contribui para articulação com parceiros da cadeia produtiva, subsidia políticas públicas como o estabelecimento do vazio sanitário”, detalha Fábio Aquino, pesquisador da Embrapa Algodão.

Conforme Fábio Aquino, quem decide a tecnologia é o produtor. “A Embrapa orienta as tecnologias existentes. Não há indicação de sementes específicas. O que há é a orientação dos tipos de sementes existentes. Os produtores entram em contato com revendas e adquirem as sementes. Os preços variam de acordo com a tecnologia embarcada. Nós não acompanhamos essa evolução dos preços”, destaca o pesquisador.

Dessa forma, todas as compras de insumos são bancadas pelos produtores e o Programa de Modernização do Algodão assegura a parceria com fornecedores, a compra pela indústria e a garantia de máquinas para colher. “Cabe à Sedet coordenar, fiscalizar o vazio sanitário, organizar a produção e a recomendação de uso de sementes testadas nos experimentos realizados pelo Embrapa e certificadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)”, declara o coordenador Euvaldo Bringel.

Como resultados do Programa, o coordenador cita: criação de novo polo na Chapada do Apodi e consolidação do polo do Cariri; capacitação de produtores no plantio com alta tecnologia; uso de sementes melhoradas geneticamente, registradas na Adagri e no Mapa; viabilização de parque de máquinas; criação de associação de produtores; expansão do plantio em áreas de grande aptidão e com tecnologia adequada; bem como estabelecimento de cadeia de serviços e fornecimento de insumos. Para 2021, a expectativa é continuar o apoio às regiões em fase de desenvolvimento; debater novo modelo de assistência técnica e financiamento com pequenos produtores no Sertão Central; e expandir para os polos de Iguatu.

Questionado sobre como o Programa buscar garantir o equilíbrio entre áreas de proteção ambiental e terras para desenvolvimento agrário, Euvaldo Bringel informou que a atividade se baseia no aumento da produtividade, mecanização e uso de tecnologia em terras já exploradas ou subexploradas que, no passado, plantaram algodão. Assim, é obrigatório cadastro na Adagri e registro do produtor junto ao Mapa, incluindo o georreferenciamento da área, impedindo a chance de plantio em locais de preservação ambiental e em áreas não previamente analisadas e aprovadas.

O representante da Sedet detalha ainda as práticas adotadas para cuidado com a terra. “Todo o programa foi concebido a partir de tecnologias de preservação de solo e sua constante melhoria, com práticas de rotação de cultura, manejo de pragas, aumento da cobertura vegetal e biodiversidade. Mínima utilização de defensivos, viabilizados pelo calendário rígido de cultivo de forma a não favorecer o aumento de pragas. E respeito às normas de proteção de matas ciliares”, declara.

Além disso, Euvaldo Bringel salienta que o Ceará desenvolve, em comunidades, trabalhos voltados para a agroecologia, conduzidos pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), pela Secretaria do Desenvolvimento Agrário e por associações.

Entre Agroecologia e Agronegócio

Para o professor da UFRN, Leandro Vieira Cavalcante, não há como comparar Agroecologia e Agronegócio por serem projetos distintos de produção agrícola e de cuidado com o ambiente e as pessoas | Foto: Israel Matias

Conforme especialistas, a escolha entre Agroecologia e Agronegócio está ligada a variados fatores. O pesquisador da Embrapa Algodão, Fábio Aquino, acredita que a preferência pelo modelo agroecológico ou pelo agronegócio depende do mercado. “O algodão agroecológico atende um nicho de mercado. O chamado de agronegócio atende a maior demanda de mercado. Mas, nas nossas condições, o que vai definir é a estrutura de cada produtor e suas condições e investimento, além de claro, o mercado”, destaca.

A diferença entre os dois modelos é ressaltada pelo técnico do Esplar, Ronildo Mastroianni. Segundo ele, o agronegócio entende o ambiente, os territórios e a natureza como mercadorias, em uma lógica de dependência dos envolvidos, principalmente em relação aos insumos mais importantes para o desenvolvimento dos Agroecossistemas, como sementes e tecnologias. “O agronegócio é baseado no modelo conservador da revolução verde, reproduzido, ampliado e difundido principalmente pelo capitalismo, objetivando maximização dos lucros”, afirma.

Por outro lado, a Agroecologia é de base popular, holística, considerando a historicidade e as identidades territoriais na construção e multiplicação dos conhecimentos dos povos originários. “A agroecologia trabalha na perspectiva de contribuir para a autonomia das pessoas principalmente em relação aos insumos mais importantes para o exercício da Agricultura, como as sementes crioulas ou sementes criadas, bem como pela conservação das práticas culturais locais, pela preservação e conservação dos bens naturais e por relações sociais justas, buscando a equidade de gênero”, declara Ronildo. As sementes crioulas citadas pelo técnico do Esplar são aquelas melhoradas e conservadas pelas famílias agricultoras, adaptadas a condições do solo e do clima, práticas de manejos e preferências culturais.

Para o professor da UFRN, Leandro Vieira Cavalcante, não há como comparar os dois modelos, por serem projetos distintos de produção agrícola e de cuidado com o ambiente e as pessoas. Segundo o doutor em Geografia e pesquisador na área de Geografia Agrária, o agronegócio está centrado em pilares sólidos alicerçados no latifúndio, na monocultura e na utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos.

Por isso, Leandro acredita que a Agroecologia é a única opção viável para que não haja empobrecimento e contaminação do solo, da água, dos trabalhadores rurais e das comunidades. “A saída da crise ambiental e sanitária na qual nos encontramos não será pelas vias do agronegócio, que continuará utilizando agrotóxicos e contaminando o ambiente, as pessoas e nossos alimentos, mas sim pelo projeto de vida no campo preconizado pela agroecologia. Apenas deixará de haver contaminação quando forem suprimidas a utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos na produção agrícola, caso contrário não haverá outro horizonte possível de justiça e qualidade ambiental no campo”, avalia.

Ele também critica o estímulo estatal ao agronegócio. “Considero que uma produção em larga escala, como defende a estratégia adotada pelo Governo do Estado do Ceará, ao incentivar a expansão do agronegócio do algodão, não coaduna com a realização e manutenção de práticas ambientais realmente preocupadas com a produção de justiça ambiental e de cuidado com a natureza e as pessoas. Isso porque o que se observa é um cenário totalmente oposto, a exemplo da disseminação de variedades transgênicas de algodão; do uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos; do desmatamento praticado para implementar a monocultura do algodão; do iminente risco de contaminação do solo, da água, dos trabalhadores e das comunidades a partir da aplicação dos venenos; da perda da biodiversidade, etc”, pondera.

Já o pesquisador da Embrapa Algodão, Fábio Aquino, considera que a tecnologia adotada de forma apropriada promove a prática sustentável. “A agricultura moderna praticada no Brasil é muito atenta ao uso de agrotóxicos. Utilização de produtos recomendados, nas doses corretas com a segurança adequada, promove a sustentabilidade. Técnica adequada e orientação técnica correta levam à sustentabilidade, em qualquer modelo de cultivo”, analisa.

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