Nesta primeira de uma série de reportagens especiais sobre trabalho de Desenvolvimento Local em curso na região de Mato Grande, no Rio Grande do Norte, destacamos ações de acesso à água de qualidade

 

Por Maristela Crispim
Editora

 

Rita Francisca da Silva, 60, leva uma vida difícil como outras mulheres agricultoras da zona rural do Nordeste. Mas, com a ajuda de algumas tecnologias sociais, a sua qualidade de vida tem melhorado | Foto: Eduardo Queiroz

O dia a dia de Rita Francisca da Silva, 60, agricultora no Assentamento Modelo II, em João Câmara, Município da macrorregião Mato Grande do Rio Grande do Norte, não é fácil como o de outras mulheres que vivem na zona rural do Nordeste. Mas as dificuldades não a abalam e o fato de ter sido contemplada por um sistema de captação de água e kit de irrigação que funcionam por meio de uma micro usina solar a faz sonhar com dias melhores.

O benefício faz parte do Programa Raízes, desenvolvido pela CPFL Renováveis, com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e tem por objetivo ampliar o acesso à água segura para consumo humano e para a produção, por meio de um modelo que integra inovação tecnológica, fortalecimento de capacidades e gestão comunitária das águas, em comunidades rurais.

Ele é executado pela Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), organização sem fins lucrativos nascida na microrregião do Médio Curu, no Estado do Ceará, e que tem como missão promover o Desenvolvimento Local de comunidades rurais no Sertão do Nordeste por meio do empreendedorismo e do protagonismo social de jovens e agricultores.

Há três anos, a sua Diretoria de Negócios iniciou as atividades no Rio Grande do Norte e o primeiro projeto foi de Segurança Hídrica, que, a princípio, beneficiou dois municípios de Mato Grande: João Câmara e São Miguel do Gostoso.

Voltando à propriedade de Rita, ela já havia sido beneficiada anteriormente com uma cisterna de enxurrada, pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), por meio da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Rio Grande do Norte (Fetraf-RN).

No assentamento, ela mantém um quintal produtivo e um lote de 25 hectares, junto ao Lote das Mulheres, cultivado de forma compartilhada, com área de mata preservada. “Nós planejamos, plantamos e colhemos juntas, mas temos uma grande carência de assistência técnica”, detalha. Mas a grande dificuldade sempre foi o acesso à água. “Tínhamos um poço na Associação das Mulheres Girassol. Lá, lavávamos roupas, mas era preciso carregar água para dar aos animais e até para beber”, conta.

Além disso, a água do poço, cavado há 18 anos, era salinizada e somente há três anos passou a contar com sistema de dessalinização, por meio do Projeto Água Doce, do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

A energia solar para bombear água foi como realizar um sonho. Para ela, só está faltando a Companhia Energética do Rio Grande do Norte (Cosern) dar o desconto na conta de energia para que ele se concretize. “Espero cada dia melhorar mais, tirar os produtos da terra. Esses seis anos sem chuva foram muito difíceis”, finaliza.

Rita cultiva fruteiras variadas e cada uma produz numa época diferente, garantindo alimento e renda constantes. Além disso, tem horta e cria galinhas, porcos, cabras e gado. Mora só com o marido. As duas filhas e a sobrinha que criou são casadas e têm suas casas. Mas todos vivem da agricultura. A produção é comercializada na Feira Agroecológica de João Câmara.

Paulo Segundo e Silva, especialista em projetos da Adel, explica que a placa solar serve para gerar economia na conta de energia, que tende a aumentar com o bombeamento para irrigação dos roçados e pomares.

Famílias unidas na produção

O cultivo familiar na Associação Ouro Verde está migrando da agricultura de sequeiro (que depende da chuva) graças à implantação de sistema de captação de água, kit de irrigação e micro usina | Foto: Eduardo Queiroz

Não muito distante dali fica a Associação Ouro Verde, uma propriedade construída por meio de crédito fundiário onde seis famílias (mãe e filhos casados) foram também beneficiados com a implantação de sistema de captação de água, kit de irrigação e micro usina.

Ao chegarmos à propriedade, encontramos parte da grande família trabalhando. As mulheres estavam preparando as mudas de batata-doce embaixo da sombra de um frondoso cajueiro, enquanto os homens plantavam as mudas já preparadas.

Conversamos com a matriarca, Margarida Alves Orácio, 70. Agricultora, filha de agricultor, mulher e mãe de agricultores, ela conta que a batata-doce é novidade. Eles já plantavam milho e feijão em sistema de sequeiro (aquele que depende das águas da chuva, praticado em todo o Semiárido brasileiro) e vão começar também o cultivo da mandioca. “Aqui já melhorou muito e vai melhorar muito mais porque sem água não dá”, ressalta com otimismo.

Água doce para a comunidade

O processo de dessalinização, no Assentamento Umburanas, se dá por osmose reversa, a energia para o bombeamento é solar e a comunidade ainda estuda o que fazer com o rejeito | Foto: Eduardo Queiroz

Mais alguns quilômetros percorridos, chegamos ao Assentamento Umburanas, em São Miguel do Gostoso, onde conhecemos Iranilson Joaquim da Silva, 40, o agricultor responsável pelo dessalinizador da comunidade, composta por cerca de 70 famílias.

Cada família paga R$ 10 por mês para ter acesso a 20 litros (um garrafão) por dia da água do poço, cavado em 1940. O processo de dessalinização se dá por osmose reversa, a energia para o bombeamento é solar e a comunidade ainda estuda o que fazer com o rejeito.

Segundo a agricultora Ana Maria Coelho de Oliveira, 50, a comunidade produz basicamente milho e feijão no mesmo sistema da Associação Ouro Verde, mas, quando passamos por lá, ainda não tinham plantado, embora estivesse chovendo, porque aguardavam o trator da Prefeitura para arar a terra.

Economia significativa

No mesmo dia, ainda visitamos, o distrito de Queimadas, em João Câmara, onde conhecemos o trabalho da Associação de Desenvolvimento Agrário Sustentável da Comunidade de Florêncio José, que depende da água de um poço perfurado nos anos 1960.

Para Romão José da Silva, 80, o melhor foi a economia na conta de energia para irrigar a plantação que faz questão de manter | Foto: Eduardo Queiroz

Lá, fomos recebidos pelo agricultor Romão José da Silva, 80, quem mora com a esposa e continua trabalhando, embora, às vezes, se valha de um banquinho para evitar a dor nas costas. Ele tem dois filhos, que moram na comunidade e trabalham na agricultura também, e orgulha-se em contar que, com o projeto, a energia foi de R$ 600 para R$ 90.

Romão explica que são dez famílias estabelecidas por crédito fundiário, cada uma com 2 hectares e que gostaria que todos tivessem o pique que ele tem para trabalhar. Ele cultiva 1/4 de hectare sozinho e conta que a maioria lá planta feijão e macaxeira.

Paulo Segundo explica que a região tem água subterrânea abundante, mas salinizada, que requer muito cuidado no manejo para irrigação. “A presença da matéria orgânica é importantíssima porque aumenta a umidade e melhora a qualidade do solo”, acrescenta.

Confira vídeo sobre as ações de Desenvolvimento Local para garantia de segurança hídrica na região de Mato Grande (RN)

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