Por Adriana Pimentel
Colaboradora

Fotos do ensaio “Mulheres Negras Vivendo em um Mundo Paralelo”, da jornalista dominicana Katherine Reyes Paredes, cedido especialmente à Eco Nordeste

Se realmente o Brasil não fosse racista, como alguns insistem em acreditar, negras e negros ocupariam mais espaços sociais de destaque: nas universidades públicas, como alunos, professores, ou autores estudados; nos cargos executivos de poder em multinacionais; na imprensa, como apresentadores, formadores de opinião; na política com mandatos de grande relevância. Mas não é essa a realidade da população negra no País. As desvantagens e dificuldades no acesso a direitos básicos garantidos pela Constituição seguem sendo negados e representam reflexos ainda do período da escravidão.

Segundo Dayse Rodrigues, consultora em Diversidade Racial, essa percepção continua vigorando na mentalidade de muitas pessoas, com isso, vemos frases como racismo reverso, somos todos iguais, meritocracia, que só reflete o quanto ainda precisamos avançar na desconstrução das subjetividades construídas pelo racismo estrutural. Ela destaca que nós estamos vivendo um momento complicado no Brasil ao ter um governo que nega a importância de temáticas tão importantes como essa do racismo estrutural.

Um dos caminhos que conquista vitórias no combate às desigualdades e injustiças são as lutas dos movimentos negros que avançam contra as barreiras impostas às negras e negros. hoje, 20 de novembro, se celebra o Dia da Consciência Negra, data que traz em sua origem uma homenagem, em seu aniversário de morte, a Zumbi dos Palmares, líder quilombola e um dos principais símbolos da luta negra no Brasil.

No Ceará, o Movimento Negro Unificado (MNU) atua há 42 anos na resistência e e defesa de políticas públicas para o Povo Negro. Geyse Anne da Silva, mulher negra, estudante da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e da direção estadual do MNU no Estado, ressalta que o racismo como estruturante das relações e da política só terá fim quando tivermos outro projeto de civilização onde não exista exploração racial e nem do meio ambiente. Algo que podemos aprender ao ler Milton Santos.

Importância da Educação

A educação é uma das principais frentes de atuação do movimento negro no Brasil como forma de emancipação da população negra, deste princípio derivaram as principais políticas públicas de combate ao racismo, como a Lei Nº 10.639 e a Lei de Cotas Raciais nas universidades. Hoje, a presença nas universidades já representa uma mudança cultural e simbólica para as famílias negras. Ao mesmo tempo, se pressionam os currículos a terem autoras e autores negras e negros como fonte de estudos.

Com a música “Cota não é esmola”, como o próprio título sugere, a cantora Bia Ferreira relata as dificuldades que a mulher negra tem que enfrentar para garantir o estudo e mostra que as cotas são importantes e não são favores ao povo negro. “Cota não é esmola. Experimenta nascer preto na favela, pra você ver. O que rola com preto e pobre não aparece na TV. Opressão, humilhação, preconceito”.

Dayse Rodrigues ressalta que as cotas não falam sobre capacidade, mas sobre oportunidade. Bem sabemos que um país desigual socialmente, como o Brasil, não assegura o mesmo ponto de partida para os jovens, por isso falar de meritocracia é tão ilusório no Brasil. É acreditar que uma pessoa que acessa cursos de idiomas, isoladas, não se preocupam se terá a próxima refeição parte do mesmo ponto de um jovem que vive nas comunidades do nosso país, que não tem internet disponível e que tem que trabalhar depois da escola para ajudar no sustento da sua família.

Mesmo com a implementação das cotas, com pessoas negras acessando universidades em um maior número, isso ainda não se reflete no mercado de trabalho, onde os cargos gerenciais, em 2018, eram 68,6% ocupados por brancos e 29,9% por pretos ou pardos, segundo o estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”.

Representatividade

Para Geyse Anne, falar sobre representatividade é lembrar de Elza Soares, cantora mulher do fim do mundo; Lélia González, intelectual e militante do movimento negro; e Carol Dartona, professora e primeira vereadora negra de Curitiba. Por muito tempo, essa representatividade negra nos foi negada e a TV brasileira foi a grande articuladora desse processo ao representar a figura natural da pessoa negra e branca. O branco como mocinho e rico, já a pessoa negra como marginal e pobre. Essa representação até hoje fortalecida pelos programas policiais ainda constroem estereótipos sobre os territórios e população negra.

Dayse Rodrigues destaca o que chamamos de representatividade é a presença de representantes de minorias em espaços de poder e prestígio social. E isso é um importante passo na luta contra o racismo, não há dúvidas disso. Primeiro, por assegurar a abertura de um espaço para que as demandas trazidas pelas minorias possam ganhar repercussão, e segundo quebrar o estereótipo de que pessoas negras só ocupam espaços de subalternidade. Mas é importante irmos além disso, no sentido de que, não se combate o racismo com representatividade, mas com mudança real da estrutura. A representatividade tem como fator a construção de subjetividade e identidade dos grupos e indivíduos que integram esse grupo.

Geyse Anne finaliza com o devido destaque de que é necessário desconstruir qualquer premissa de classificação de cor de pele ou tipo de cabelo como bom ou ruim e mesmo uma inversão do senso comum racista. “O fato de o movimento negro politizar o termo raça no Brasil como construtor social transformou e transforma as relações sociais. Ser negra e ser negro é bom, meu cabelo é bom, minha pele reluz e que seu racismo passe longe da minha negritude é marca dessas transformações”.

‘Em um mundo paralelo’

Fotos do ensaio “Mulheres Negras Vivendo em um Mundo Paralelo”, da jornalista dominicana Katherine Reyes Paredes, cedido especialmente à Eco Nordeste

Com o objetivo de tornar visíveis as diferenças que colocam as mulheres negras em um mundo fora de lugar, cheio de estereótipos e preconceitos, as fotos que ilustram essa matéria fazem parte do Ensaio fotográfico “Mulheres Negras Vivendo em um Mundo Paralelo”, da jornalista dominicana Katherine Reyes Paredes, cedido especialmente à Eco Nordeste.

A exposição, em preto e branco, é composta de 28 fotografias que reúnem ações racistas normalizadas e legitimadas no cotidiano, naturalizando preconceitos e fortalecendo o olhar racista.

Fruto das vivências das mulheres que são protagonistas desta exposição fotográfica, e das suas vivências como negra, Katherine Reyes capta por meio das lentes quais são essas atitudes plenas de privilégios que ainda persistem na linguagem, nos meios de comunicação e os cânones da beleza.

Graças ao apoio do Coletivo Afrofeminista e das diversas mulheres que emprestaram seus rostos para tornar visível esta realidade, hoje existe esta exposição fotográfica. A sua missão  é conscientizar e desmistificar os estereótipos existentes contra as mulheres não brancas.

1 Comentário

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Pular para o conteúdo